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Foto: Thierry Ehrmann / Flickr

Aviões de Bezos geram em 12 meses mesma poluição de um cidadão comum em 207 anos

Novo relatório da Oxfam sobre a desigualdade das emissões de carbono expõe os danos ao meio ambiente causados pelos negócios, aviões e iates de bilionários como Jeff Bezos
David Brooks, Jim Cason
La Jornada
Nova York

Tradução:

Ana Corbisier e Beatriz Cannabrava

“Os dois aviões privados de Jeff Bezos passaram cerca de 25 dias no ar em um período de 12 meses, emitindo o mesmo volume de carbono que um trabalhador médio da Amazon (empresa de Bezos) nos Estados Unidos geraria em 207 anos”, calculou a Oxfam em um novo informe emitido em 28 de outubro.

Segundo o relatório, os aviões privados são um problema em particular: “Carlos Slim realizou 92 viagens em seu avião privado, o equivalente a dar a volta ao mundo cinco vezes”.

O levantamento aponta ainda qie um multimilionário no México gera mais poluição climática em nove horas do que um mexicano médio em um ano; além disso, em um mês, esse mesmo rico gera mais emissões de carbono do que um camponês médio em toda a sua vida.

Negócios, aviões e iates

A análise não se limita aos multimilionários (com fortunas superando um bilhão de dólares) de um único país. “50 dos multimilionários mais ricos do mundo emitem, em média, mais carbono por meio de seus investimentos, aviões privados e iates em pouco mais de 90 minutos do que uma pessoa comum ao longo de toda a sua vida”, explica a Oxfam. O informe “A desigualdade das emissões de carbono mata” argumenta que as emissões derivadas de aviões privados, iates de luxo e investimentos em setores poluentes pelos mais ricos nutrem a desigualdade, a fome e a morte no planeta.

Dados que a Oxfam compartilhou com o La Jornada detalham que um multimilionário no México gera mais emissões de carbono (através de seus investimentos, superiates e aviões) em apenas 15 segundos do que uma pessoa de baixa renda emite em um ano.

“Os mais ricos tratam o planeta como se fosse seu quintal, maltratando-o para seu próprio prazer e benefício. Seus investimentos poluentes e brinquedos de luxo não são apenas um símbolo de excesso, mas também uma ameaça direta ao planeta e à sua população”, afirmou o diretor-executivo da Oxfam Internacional, Amitabh Behar. Ele acrescentou que “as emissões extremas dos mais ricos – consequência de seu estilo de vida de luxo e, sobretudo, de seus investimentos poluentes – colocam vidas em risco. Seus perigosos níveis de poluição e ganância desmedida agravam as mesmas crises que ameaçam nosso futuro coletivo, o que não é apenas injusto, mas também letal”.

Descarbonizar economia, controlar IA e trocar dívida por ação climática: o chamado de Petro na COP16

O informe da Oxfam detalha em nível nacional e regional as emissões geradas pelos multimilionários e pelo 1% mais rico da população mundial desde 1990. Pesquisadores da Oxfam calculam o grau de aquecimento global que pode ser atribuído às emissões dos ricos e com isso avaliam os danos que esse aquecimento provoca, tanto em termos econômicos quanto em perdas de colheitas e excesso de mortes.

As emissões do 1% mais rico provocaram uma queda de 2,9 trilhões de dólares na produção econômica mundial e ocasionaram perdas de colheitas que poderiam ter alimentado 14,5 milhões de pessoas por ano entre 1990 e 2023, calculam. O relatório afirma que, “se o 1% mais rico tivesse reduzido suas emissões pela metade entre 2015 e 2019, cerca de 756 mil vidas poderiam ter sido salvas”.

Segundo cálculos da Forbes, a riqueza dos 2.781 multimilionários (com fortunas superiores a um bilhão de dólares) no mundo aumentou para um total de 14,2 trilhões de dólares.

A Oxfam indica que, se esse montante fosse investido em energia renovável e medidas de eficiência energética até 2030, essa riqueza poderia cobrir a lacuna de financiamento entre o que os governos prometeram e o que é necessário para manter o aquecimento global abaixo de 1,5 °C.

“Está claro, no entanto, que os multimilionários não optarão por fazer mudanças tão radicais em seus investimentos nem farão campanha a favor de ações progressistas e urgentes em relação ao clima”, escreve a Oxfam em seu informe. “É por isso que os governos devem intervir com regulamentações e impostos para investir em uma transição verde e para frear a riqueza extrema, o consumo e o investimento intensivo em carbono que a acompanham”.

Para a Oxfam, a solução é óbvia: um imposto sobre a riqueza do 1% mais rico e a regulação das atividades de empresas e investidores com o objetivo de reduzir drasticamente suas emissões de carbono de forma justa. Calcula-se que, por meio de um imposto sobre a riqueza de milionários e multimilionários, poderiam ser arrecadados pelo menos 1,7 trilhão de dólares anuais, e um imposto adicional sobre investimentos em atividades poluentes poderia arrecadar mais 100 bilhões de dólares.

O mais importante é reinventar as economias, concluiu a Oxfam. “O atual sistema econômico, destinado a engordar as fortunas daqueles que já são ricos por meio da extração e do consumo a qualquer preço, há muito tempo mina um futuro verdadeiramente sustentável e igualitário para todas as pessoas. Os governos devem se comprometer a garantir que a renda dos 10% mais ricos da população não supere a dos 40% mais pobres, tanto a nível nacional como global”.

Avançam propostas para imposto mínimo global para multimilionários

Washington e Nova York Líderes financeiros do Grupo dos 20 reiteraram hoje seu compromisso com a tributação progressiva e impostos efetivos para “indivíduos de valor líquido ultra alto”, ao concluírem uma série de consultas paralelas às reuniões anuais do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial nesta capital.

A declaração do grupo confirma o que líderes financeiros brasileiros e africanos disseram no início da semana: há um ímpeto internacional crescente por um imposto mínimo global sobre multimilionários, que, segundo os promotores da ideia, poderia arrecadar centenas de bilhões de dólares e promover mudanças nas políticas para combater a desigualdade econômica, a pobreza e a devastação causada por décadas de políticas neoliberais.

Débora Freire, subsecretária de política fiscal do Ministério da Fazenda do Brasil, assinalou que, embora inicialmente houvesse muita resistência dentro do G20 a um imposto sobre os super-ricos, neste ano foi possível que os países desse grupo firmassem um primeiro compromisso com a tributação progressiva, com uma menção explícita à taxação dos mais ricos.

“Se quisermos fortalecer os sistemas de impostos domésticos para tributar efetivamente os mais ricos, precisamos falar sobre a importância de um imposto global mínimo sobre os super ricos para enfrentar aqueles que evitam e sonegam impostos”, disse Freire. O Brasil está impulsionando, com outros países, a adoção de um imposto sobre os multimilionários em fevereiro do próximo ano, como parte de uma convenção sobre impostos na Organização das Nações Unidas.

Patrick Ndzana Olomo, chefe de política econômica da União Africana, comentou: “Se nossos direitos de tributar não forem protegidos, se não pudermos ampliar o alcance dos recursos que arrecadamos em nossas próprias jurisdições, será absolutamente difícil pavimentar o caminho para a transformação estrutural e alcançar o crescimento inclusivo”.

Em um fórum patrocinado pela Oxfam Internacional e pela Comissão Independente para a Reforma da Tributação Corporativa Internacional (ICRICT), o economista africano acrescentou que calcula-se que os 55 países da África perdem a cada ano cerca de 220 bilhões de dólares devido aos incentivos tributários outorgados aos super-ricos, e outros 90 bilhões através de fluxos financeiros ilícitos.

O economista Jayati Ghosh, comissário do ICRICT, disse que o apoio para essa iniciativa vai além dos líderes governamentais. “Realizamos uma sondagem com pessoas em 17 dos 20 países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), e 68% eram firmemente a favor de um imposto sobre a riqueza dos super-ricos, o que é uma grande proporção. Apenas 11% opinaram são ser necessário”. E acrescentou: “Podemos seguir suplicando por mais do FMI, podemos fazer tudo isso, e devemos seguir fazendo isso. Mas, ao final, admitamos que os governos devem poder arrecadar seus próprios recursos. E qual a melhor maneira de arrecadá-los das empresas e indivíduos muito ricos, que simplesmente não estão pagando nem o imposto mínimo que um trabalhador assalariado normal paga?”.

Ghosh assinalou ainda que o imposto mínimo global para multimilionários não estipula como os impostos devem ser arrecadados, apenas diz que cada país deve garantir que tais multimilionários paguem pelo menos 2% do valor de sua riqueza em impostos anualmente. Uma parte essencial para iniciar esse processo, acrescentou Ghosh, é que cada país desenvolva um registro de riqueza que relacione todos os bens financeiros, propriedades e outros bens (arte, cavalos, aviões, etc.) dos indivíduos ricos em seus países e depois compartilhe essas informações com outras nações para evitar que os ricos escondam suas fortunas.

Como precedente disso, ele destacou que, em 2016, 142 países acordaram participar do intercâmbio automático de informações bancárias. O Observatório Tributário da União Europeia relatou recentemente que esse simples compartilhamento de informações reduziu de 9% para apenas 3% a proporção do PIB global que não está sujeito a nenhum imposto. “Se alguém tivesse me perguntado, ainda em 2014, se poderíamos alcançar tal acordo algum dia, eu teria respondido que não, não é possível. Mas aconteceu”, disse Ghosh.

O FMI agora reconhece que tributar os ricos deve fazer parte das políticas financeiras. “A mão de obra é frequentemente muito tributada em comparação com a riqueza ou os lucros”, explicou Alexander Klemm, economista sênior do FMI. “Ao mesmo tempo, muitos países hoje enfrentam o desafio de obter receitas. Quem deveríamos perseguir? Digo, a fatia que já está altamente tributada ou aquela que é pouco tributada? A resposta é bastante clara. Essa é uma das razões pelas quais se deveria dobrar os impostos sobre a riqueza. A outra, claro, é a desigualdade de riqueza, que é ainda maior que a desigualdade de renda”.

No entanto, Klemm questionou se um imposto mínimo sobre a riqueza é a melhor abordagem, argumentando que os benefícios de um imposto sobre a riqueza líquida poderiam acabar não beneficiando aqueles que mais necessitam, já que a maioria dos super-ricos vive em poucos países.

O especialista também afirmou que o FMI está prestando mais atenção aos impactos de equidade e à progressividade de reformas ao desenhar recomendações para países individuais. Este comentário recebeu uma reação imediata de Ghosh, que assinalou que em sua investigação sobre métodos do FMI em Bangladesh, Chad, Sri Lanka, Gana, Kenia, todos haviam resultado em um sistema tributário mais regressivo.

O FMI, sugeriu Ghosh, poderia começar simplesmente por instar os governos a criar um registro de riqueza. “É um bom tema de governança, correto? Por que tudo deve ser um segredo? E uma vez com essa informação, talvez se consiga a mobilização política para maiores impostos”. Identificar a riqueza, a propriedade dos bens, é algo que também é prioridade para países africanos, agregou Olomo. 

O consenso entre aqueles que estão fora do FMI é que, embora os esforços tenham que ser internacionais, a razão para tributar os super ricos é fortalecer os sistemas de tributos domésticos. Freire indicou que “no Brasil, por exemplo, é muito difícil para nós tributarmos os super-ricos… Temos muitas isenções. Nossos dividendos ainda não são tributados… temos uma discussão política muito difícil sobre isso. Mas creio que o ponto principal da proposta de um imposto mínimo global, e da coordenação internacional, é que podemos melhorar os sistemas tributários domésticos no Sul Global, nos países em desenvolvimento, e então arrecadar renda para financiar os objetivos de desenvolvimento”.

La Jornada, especial para Diálogos do Sul – Direitos reservados.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

David Brooks Correspondente do La Jornada nos EUA desde 1992, é autor de vários trabalhos acadêmicos e em 1988 fundou o Programa Diálogos México-EUA, que promoveu um intercâmbio bilateral entre setores sociais nacionais desses países sobre integração econômica. Foi também pesquisador sênior e membro fundador do Centro Latino-americano de Estudos Estratégicos (CLEE), na Cidade do México.
Jim Cason Correspondente do La Jornada e membro do Friends Committee On National Legislation nos EUA, trabalhou por mais de 30 anos pela mudança social como ativista e jornalista. Foi ainda editor sênior da AllAfrica.com, o maior distribuidor de notícias e informações sobre a África no mundo.

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