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ToggleO presidente Xi Jinping demarcou o alcance das novas relações da China com a América Latina, num artigo repleto de simbolismos e mensagens, publicado no jornal oficial El Peruano, intitulado “O navio da amizade sino-peruana: que siga rumo a um futuro mais brilhante”, no dia de sua chegada a Lima, em 14 de novembro último, para a inauguração do Megaporto de Chancay, 80 km ao norte de Lima.
Em primeiro lugar, e isto deve ficar bem registrado, ao longo do artigo, Xi fala em nome da Civilização Chinesa: “a única no mundo que se desenvolveu ininterruptamente e perdura por mais de 5 mil anos”.
Destacando civilizações
Por que Xi enfatiza esta condição única da civilização antiga? A resposta – como a alegoria de Chuang Tze – é que as outras civilizações do planeta – e particularmente as do continente americano nos últimos 532 anos – foram mutiladas ou destruídas – consciente ou inconscientemente – pelos impérios europeus desde o século 15 e pelas potências anglo-saxônicas há dois séculos e meio, ou menos.
Em termos simples, pode-se compreender: eles não conseguiram vencer a China antes, e menos ainda conseguirão agora. Como diz Chuang Tze:
“Um pouco de conhecimento não pode ser comparado a um grande conhecimento. Não é uma vida curta para uma existência longa. Como você sabe que isso é assim? O fungo que vive apenas uma manhã não conhece o ciclo da lua. A cigarra de verão (Oeste) nada sabe sobre primaveras ou outonos (como as Eras das Civilizações). Essas são ações pequenas. Ao sul do estado de Chu vive a tartaruga Min Ling, cujo outono tem 500 anos e sua primavera também tem 500 anos. Antigamente, havia um cedro cujo outono durou oito mil anos, e sua primavera também durou oito mil anos. São existências longas. Como Pengzú, conhecido pela sua longevidade e a quem em vão desejaríamos imitar”.
O “verão” do Sul Global
E há outra menção específica, logo no início do artigo, em “o alvorecer do verão meridional, transbordante de vigor e esperança”. Recorde-se que esta estação quente no Sul Global – representada pela aliança BRICS+ – começa em 21 de dezembro. Por que Xi a menciona então? O líder chinês abre pelo menos duas possibilidades complementares.
A primeira é uma alegoria oriental referente à tartaruga Ming Li, cujo outono dura 500 anos, os últimos cinco séculos – a era da conquista e da humilhação – e, consequentemente, o seu verão durará mais 500 anos – a era do renascimento e do progresso – enquanto, ao mesmo tempo, o Norte entrará no inverno, talvez um inverno de Kondratiev, como a revista The Economist registrou numa enigmática capa em dezembro de 2017, curiosamente pouco depois que os autores deste artigo anunciaram previamente a chegada de um Novo Sistema Mundial da Eurásia (NSME), veja aqui e aqui.
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A outra interpretação é uma referência ao economista russo Nicolai Kondratiev, que utilizou as quatro estações do ano como alegorias para os períodos de 60 anos de crescimento ou declínio de países ou regiões. Ou seja, Xi Jinping anuncia um clima quente – de progresso – no qual países, como o Peru e os do Sul Global, possam tomar sol e estabelecer uma relação respeitosa e próspera com a civilização em pleno boom econômico, industrial e tecnológico, ligado ao projeto de infraestrutura e desenvolvimento da Iniciativa Cinturão e Rota – ou As Novas Rotas da Seda do Século 21.
A “Grande Trilha Inca da Nova Era”
Uma terceira mensagem está relacionada com a posição privilegiada que o Peru terá – e os respectivos riscos que isso acarreta, no que diz respeito aos seus vizinhos e à hegemonia do velho sistema do mundo ocidental que assiste, em tempo real, a perda daquilo que há um século e meio consideram seu “quintal”.
Assim disse Xi: “… O Peru será capaz de estabelecer um paradigma de conectividade multidimensional, diversificado e eficiente que conecte a costa e o interior do país, e conecte o Peru com o resto da ALC (América Latina e Caribe), bem como forjar a ‘Grande Trilha Inca da Nova Era’ tendo o porto de Chancay como ponto de partida, promovendo assim o desenvolvimento conjunto e a integração da ALC”. A “Grande Trilha Inca da Nova Era” é mencionada como uma alegoria, relativa à extensão da Rota Quântica, que vislumbramos há cinco anos.
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Neste contexto, o presidente chinês devolve o estatuto de metrópole à capital do país andino. Desde tempos imemoriais, as grandes civilizações do continente se estabeleceram no México, ao norte, e no Peru, ao sul, privilégio que foi devastado pela primeira globalização do século 16, como descreveu Noam Chomsky em seu livro “Ano 501: A Conquista continua”, publicado em 1993, em referência à prática feroz do neoliberalismo ocidental nesta parte do continente.
O contrário começou a acontecer décadas depois e agora é reafirmado, de forma inequívoca, com a inauguração do megaporto de Chancay que marca um ponto de virada. Com a simples menção da capital peruana, a China envia uma mensagem poderosa à nação de origem asteca, sobre o renascimento de uma era que pode ser reeditada sob a égide do Dragão, para se libertar das garras da Águia Imperial. Não é em vão que o lema da Apec (Fórum de Cooperação Ásia-Pacífico) se chama: “Capacitar, incluir, crescer”.
A rota “De Chancay a Xangai”
A importância econômica da rota “De Chancay a Xangai”, como “um verdadeiro caminho de prosperidade na promoção do desenvolvimento comum entre a China e o Peru”, como escreve o Presidente Xi, é revelada no fato de “a China ser o maior parceiro comercial e mercado exportador do Peru por 10 anos consecutivos. No ano passado, as exportações para a China representaram 36% do total do Peru. O estoque de investimentos de empresas de capital chinês no Peru gira em torno de 30 bilhões de dólares” e “a título de exemplo, o projeto de mineração de cobre Las Bambas, com investimentos de uma empresa chinesa, tem um valor de produção equivalente a 1% do PIB do Peru, gerando dezenas de milhares de empregos”. E este exemplo, multiplicado pelo resto da América Latina, é enorme – algo que o Hegemon poderia ter feito, mas nunca o fez e agora é tarde demais, muito demais.
Se você fosse empresário, grande, médio ou pequeno, qual opção escolheria? A resposta é óbvia.
O novo sistema mundial eurasiano-latino-americano
Por fim, Xi reforça o convite àqueles que ainda não compreenderam a transformação em curso: O novo sistema mundial eurasiano-latino-americano.
A este respeito, o líder chinês escreveu:
“O mundo está passando por mudanças aceleradas sem precedentes num século – Nota dos autores: no alvorecer do século 20, foi o Ocidente que consolidou o domínio do sistema mundial, hoje em declínio evidente – e mais uma vez a sociedade humana está numa encruzilhada histórica. Para saber como são as linhas da civilização Nazca no Peru, é preciso contemplá-las de cima, sem se deixar desconcertar por impressões parciais.
Como diz um antigo verso chinês:
‘Não se preocupe com as nuvens flutuantes – Nota do Autor: uma Alegoria ao Hegemon do Norte? – bloqueando nossos olhos, já que onde estamos é o topo da montanha’. Junto com o Peru, estamos dispostos a subir alto e olhar longe para entender a tendência do mundo com uma visão histórica de longo prazo…”
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Nem mesmo o canto do galo na madrugada silenciosa é mais claro. Mudanças sem precedentes num século estão a ocorrer neste preciso momento. O sistema mundial ocidental, comandado pelos Estados Unidos e pela Europa, está entrando no seu inverno Kondratiev. O novo sistema mundial eurasiano latino-americano emerge como o sol de um verão esperançoso. Essa é a encruzilhada a que Xi alude. Se você fosse presidente de uma nação, que opção escolheria? A resposta foi dada pelo presidente Xi.
Coragem para conquistar as montanhas
Em mais uma fase do impressionante desenvolvimento econômico que a China alcançou nos últimos 40 anos, mantém-se constante e anuncia-se uma continuidade sem limites – uma vida longa como “Pengzu, conhecido pela sua longevidade, e que em vão desejaríamos imitar” –, assim, em julho passado, o governo chinês aprovou novas “disposições sistêmicas para um maior aprofundamento abrangente da reforma para promover a modernização chinesa”, que devem proporcionar “novas oportunidades para o Peru e todos os países do mundo”, abrindo “novas horizontes” para “cooperação de benefícios mútuos e ganhos partilhados”, escreveu o Presidente Xi, e assim forjar a “grande trilha Inca da nova era”, tendo o porto de Chancay como ponto de partida. Mas é preciso ter coragem e determinação.
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“Sem coragem, nunca se conquistará a montanha nem cruzará o mar. No novo ponto de partida histórico, com um só coração e coragem inabalável, nós, chineses e peruanos, nos esforçaremos juntos para dirigir o navio da amizade sino-peruana em direção a um futuro melhor”.
O desafio está lançado, no novíssimo porto de ligação à Rota Quântica da ilha-mundo da NSME.