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O Estado e a burocracia: Como a superestrutura política mudou ao longo do tempo

Com desenvolvimento e importância crescente do aparato estatal, funcionários públicos se converteram em um grupo dotado cada vez mais de poder
Jorge Rendón Vásquez
Diálogos do Sul Global
Lima

Tradução:

1.

Na sociedade feudal, o Estado era um prolongamento da classe feudal, dominada pelos reis e pela nobreza. Os territórios, com as pessoas que os habitavam, podiam unir-se ou separar-se pelo matrimônio, o divórcio ou a morte de seus titulares, como objetivos de sua propriedade, e se herdavam. Com as revoluções burguesas dos séculos XVIII e XIX apareceram os estados nação, formados por cidadãos iguais ante a lei que estabelecem as condições de sua convivência e a maneira de governar-se por contratos sociais. 

Embora fosse esse o esquema político desses estados, a classe capitalista no poder excluiu logo o direito de participar nas eleições, para constituir os poderes legislativo e executivo, os operários e outros trabalhadores, impondo-lhes certas exigências econômicas que não podiam cumprir.

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Correlativamente, o Estado assumiu duas classes de funções: agir como o comitê dos capitalistas para o governo da sociedade e a repressão da classe operária, e a prestação de serviços mínimos, que Adam Smith havia assinalado, complementares a essa primeira função. Marx e Engels disseram, por isso, no Manifesto Comunista: “O Governo do Estado moderno não é mais que uma junta que administra os negócios comuns de toda a classe burguesa”.

O desenvolvimento do capitalismo, a luta de classes e a conquista do direito pelos trabalhadores e as mulheres de participar nas eleições criaram aos estados novas funções.

Com legislações controladas por classes dominantes, cidadania é limitada ao voto

2.

A noção de serviço público, que se insinuava no século XIX como uma obrigação do Estado burguês, seguindo a indicada recomendação de Adam Smith, passou a ser um componente fundamental da ação estatal. Desde que León Duguit desenvolvesse essa noção em fins do século XIX, como uma manifestação da solidariedade social, hoje é admitida como a razão de ser do Estado, por encargo e decisão dos cidadãos.

Os serviços públicos são de uma gama muito variada: administração dos assuntos públicos, segurança externa, segurança interna, administração de justiça, educação e formação profissional, prestação de serviços de saúde, seguridade social, moradia, transportes e comunicações, promoção do progresso material, social e cultura etc.

Em sua maior parte, estes serviços têm como beneficiários os trabalhadores e suas famílias, para que seu custo se pague com uma parte do mais-valia e das remunerações que o Estado toma pela via dos tributos; para os capitalistas são uma espécie de investimento destinada a conseguir trabalhadores mais eficientes, com menos preocupações e com a atenção separada do protesto e da tentação da revolução social. 

Com desenvolvimento e importância crescente do aparato estatal, funcionários públicos se converteram em um grupo dotado cada vez mais de poder

Arabson
A corrupção de funcionários públicos consiste em tomar dinheiro para fazer o que a lei proíbe em benefício de particulares e próprio

3.

Correlativamente, os cidadãos tendem a considerar o Estado cada vez mais como uma entidade a seu serviço e suscetível de crítica, opinião que, nos países com democracias mais estáveis, pode se converter em tendências eleitorais e, em certos casos, levar a mudanças de governo pela pressão popular ou ações de força.

4.

Pelas funções que desempenha, o Estado teve que absorver uma quantidade progressivamente maior de funcionários e empregados de apoio, que se profissionalizaram como titulares da carreira administrativa. Um importante passo nessa direção foi a criação na Grã Bretanha, em 1853, do civil service como um corpo permanente selecionado por concurso, que foi imitado por outros países, para atender as funções do estado em correlação com as necessidades do capitalismo e seu desenvolvimento.

No Peru, voto universal não garante representantes das classes trabalhadoras

Este corpo foi encarregado da prestação dos serviços públicos e do cumprimento das leis, e o fez naquele país com grande profissionalismo, inclusive contra a direção política quando ela tratava de deixar de lado a normativa legal. Ao terminar a Segunda Guerra Mundial, foi criada na França a Escola Nacional de Administração (ENA), pelo acordo de todas as forças políticas, para formar os chefes da administração pública a partir de certo nível para acima, com a intenção de conseguir assim uma administração pública altamente capacitada, eficiente e imparcial.

A difusão da noção de Estado de Direito, o trabalho das faculdades de Direito e o controle pela imprensa independente remarcaram a obrigação legal dos funcionários e empregados públicos de sujeitar-se à lei em seus atos e decisões, o que significa uma independência destes de grau diverso diante dos grupos de pressão, incluídos os capitalistas. Esta independência fez dos agentes do Estado um estamento distinto a seus homólogos no século XIX. 

5.

Com o desenvolvimento e a importância crescente do aparato estatal, os funcionários públicos se converteram em um grupo dotado cada vez mais do poder de decidir sobre os bens, as ações e a liberdade dos pessoas, embora alguns ainda subordinados ideologicamente ao poder empresarial que pode ditar-lhe suas decisões mais importante por meio de seus políticos de classe ou contratados. É um estamento ao que Max Weber denominou a burocracia, uma criação do sistema capitalista, integrada pela nova classe profissional, o que implica uma estatização cada vez mais acentuada da sociedade.

Esta burocracia, por seu poder, tende em muitos países, sobretudo menos desenvolvidos econômica, jurídica e culturalmente, a agir arbitrariamente e se tornar um viveiro de corrupção. 

Deixando de lada ou opacando sua razão de ser, consistente na prestação eficiente e oportuna dos serviços públicos, uma grande parte de funcionários entendem que sua função está cumprida caso se ajustarem a regulamentações excessivas e inúteis que postergam ou anulam a possibilidade de prestar esses serviços aos seus beneficiários ou interessados, o que converte seu trabalho em parasitário. Esta burocratização da função pública se associa com a arbitrariedade, ou com a emissão de decisões sem fundamentação local ou com uma paródia de legalidade, quando não há normas de sanção que se apliquem efetivamente aos funcionários e empregados que incorrem em tais condutas.

Losurdo e a atualidade da luta de classes

A corrupção de funcionários públicos consiste em tomar dinheiro para fazer o que a lei proíbe em benefício de particulares e próprio, é outro mal endêmico do Estado, favorecido pela contratação de obras públicas e a aquisição de bens e serviços, e pela inexistência ou insuficiência de procedimentos de controle pela cidadania. A nomeação de funcionários e empregados, prescindindo das regras da carreira administrativa, é uma das condições de ambas as pragas.

E há partidos políticos que instruem seus dirigentes para o exercício da corrupção que requer o conhecimento, quase sempre profundo, das normas reitoras da percepção dos ingressos do Estado e de seu gasto. De fato, ao povo é muito difícil morigerar e menos ainda fazer desaparecer essas tendências, salvo que seja desenhado uma maneira de sobrepor-se a elas, combinando o controle social e a aplicação de sanções apropriadas. 

Jorge Rendón Vásquez é colaborador da Diálogos do Sul em Lima, Peru.
Tradução de Beatriz Cannabrava.


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Jorge Rendón Vásquez Doutor em Direito pela Universidad Nacional Mayor de San Marcos e Docteur en Droit pela Université de Paris I (Sorbonne). É conhecido como autor de livros sobre Direito do Trabalho e Previdência Social. Desde 2003, retomou a antiga vocação literária, tendo publicado os livros “La calle nueva” (2004, 2007), “El cuello de la serpiente y otros relatos” (2005) e “La celebración y otros relatos” (2006).

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