A utilização de sanções econômicas como arma de pressão para mudar o comportamento de governos “hostis” não é consenso nem mesmo entre republicanos e democratas. Além de vários estudos que apontam para a ineficácia dessa estratégia e seus impactos negativos nas várias dimensões do dia-a-dia das populações que sofrem seus efeitos, a interdependência econômica faz, muitas vezes, com que os demais países, inclusive o país promotor das sanções, sintam os impactos adversos dessas medidas.
Passados dois meses desde o início da invasão da Ucrânia pela Rússia, o maior problema de curto prazo para a economia global tem sido as expectativas de aumento da inflação em várias cadeias globais de suprimentos e uma revisão das estratégias nacionais de desenvolvimento econômico que têm sido muito pautadas por uma abordagem mais protecionista. Esta situação lança luz sobre o papel do Brasil como um dos articuladores de demandas comuns aos diversos países do chamado Sul-Global.
Nesse contexto, ainda que os Estados Unidos e a União Europeia tenham tido vitórias importantes contra a Rússia em votações no âmbito das Nações Unidas, chama atenção o elevado número de abstenções e votos contrários nessas votações. Isso demonstra, justamente, que um número considerável de países se posicionam, estrategicamente, em favor de um não-alinhamento sobre o conflito, caso, por exemplo, dos BRICS.
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Apesar dos ataques e ameaças do Presidente Bolsonaro à harmonia entre os poderes da República, o Brasil, aos olhos dos EUA e União Europeia, é o membro dos BRICS com maior alinhamento aos valores democráticos ocidentais. Nesse sentido, a atuação do Itamaraty poderia centrar-se, especialmente, na projeção do Brasil como ator intermediador de uma agenda voltada para o fim imediato do conflito (negociações de paz) e para o fim das sanções econômicas contra a Rússia visando à retomada gradual das economias russa e ucraniana aos fluxos globais de comércio e finanças, o que poderia amenizar o sofrimento de milhares de pessoas em regiões tradicionalmente vulneráveis a choques externos de oferta de commodities.
Foi diante de novos desafios que os brasileiros se deram conta da inaptidão do governo federal na gestão da política externa do país.
A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) tem alertado que a onda de fome no Sahel – faixa de terra entre o deserto do Saara, ao norte, e as savanas do Sudão, ao sul – pode ser agravada, pois os países da região (Gâmbia, Senegal, Mauritânia, Mali, Burquina Fasso, Argélia, Níger, Nigéria, Camarões, Chade, Sudão, Sudão do Sul e a Eritreia) dependem pesadamente das importações de cereais russos e ucranianos. É importante ressaltar que uma parte considerável das exportações de trigo e milho ucranianos tem como destino a África e o Oriente Médio. Nesse sentido, vale lembrar que o quadro geral em que se deu a Primavera Árabe, em 2011, foi de alta generalizada dos preços dos alimentos. Hoje, além da inflação de alimentos, o mundo enfrenta, por conta de todos os efeitos adversos do conflito russo-ucraniano, um aumento acentuado no preço da energia e dos combustíveis.
Apesar de o Brasil ter agendas de alto nível com países centrais e com países emergentes, fatos que consolidaram esta característica, o universalismo, como um dos vetores da diplomacia brasileira ao longo das últimas décadas, o atual governo enfrenta dificuldades na defesa dos interesses brasileiros no âmbito da intrincada e interdependente rede de parcerias internacionais do Brasil. O atual desgaste da imagem internacional do Brasil bem como a incapacidade de sua política externa de posicionar-se como líder regional e ator respeitado em diversos fóruns internacionais têm se colocado, também, como obstáculos para o atual governo diante de um cenário de alta complexidade.
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Foi diante de novos desafios que os brasileiros se deram conta da inaptidão do governo federal na gestão da política externa do país. Além da desastrosa abordagem brasileira para a agenda ambiental, o alinhamento automático e voluntarista do governo Bolsonaro à política externa do ex-presidente Donald Trump não se converteu em ganhos concretos para o Brasil. Da mesma forma, a pandemia do novo coronavírus revelou a incompetência do governo federal para lidar com a extrema dependência de insumos externos da cadeia produtiva do sistema de saúde no Brasil. Adicionalmente, o conflito russo-ucraniano revelou, igualmente, a fragilidade do agronegócio brasileiro em relação à importação de fertilizantes.
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Somente em 2021, mais da metade das importações de fertilizantes feitas pelo Brasil vieram da Rússia (23%), China (14%) e Bielorússia (3,4%). No seu conjunto, o Brasil, autoproclamado celeiro do mundo que importa mais de 80% de fertilizantes utilizados em suas lavouras, não tem um projeto nacional para diminuir a fragilidade desse importante setor da economia nacional. Na verdade, desde o Governo Michel Temer e durante o Governo Bolsonaro, a Petrobrás fechou quatro fábricas de fertilizantes tornando o setor ainda mais exposto às turbulências geopolíticas.
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Diante desse cenário, faz-se necessário que o Brasil assuma seu papel de liderança na América do Sul que sofre, assim como outros países da periferial global, com o aumento dos preços dos alimentos e combustíveis. Nesse sentido, é preciso retomar a agenda integracionista, via Unasul e Mercosul, que foi propositalmente abandonada nos governos Temer e Bolsonaro. Assim ainda no contexto da crise alimentar que se abate sobre os países, seria importante restabelecer o fórum de diálogo América do Sul – Países Árabes (ASPA) com o objetivo de estreitar as relações com importantes parceiros dessas regiões, especialmente ao se considerar que importantes países no Oriente Médio e norte da África como Irã, Arábia Saudita, Catar, Egito, Argélia e Marrocos destacam-se na produção de fertilizantes, petróleo e gás natural.
Por fim, é preciso promover a coesão dos interesses comuns aos países membros dos BRICS. É importante ressaltar que dentre as várias agendas (finanças, infraestrutura, etc.) Brasil, Rússia, China e Índia, ao lado dos Estados Unidos são os maiores produtores de alimentos do mundo. Mesmo atuando para se manter neutro diante das sanções dos Estados Unidos e da União Europeia, direcionadas à Rússia, assim como os demais países dos BRICS, o Presidente Bolsonaro tem demonstrado enorme incapacidade para lidar com as complexidades impostas pela sobreposição de agendas internacionais que muitas vezes acabam por realçar divergências de interesses envolvendo o Brasil e os demais países.
Infelizmente, a complexidade da conjuntura internacional tem evidenciado que o governo Bolsonaro não tem as condições necessárias para recuperar a imagem do Brasil, tampouco o protagonismo do país como líder regional e ator importante em várias agendas internacionais. Assim, resta a torcida de que o resultado das eleições presidenciais deste ano renove a esperança de que o Brasil possa se reposicionar novamente no cenário internacional de forma ativa e altiva.
As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul
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