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ToggleNo final de abril último, o noticiário econômico internacional deu destaque para a decisão de Israel – grande aliado dos EUA – de adicionar o yuan chinês a suas reservas cambiais pela primeira vez. Como informou o jornal “Jerusalém Post”, para tanto foram cortados os fundos em dólares americanos. Especialistas dizem ser absolutamente normal a decisão do Banco Central israelense, no sentido de diversificar a reserva cambial.
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Nos últimos anos, pouco tem se falado em reservas cambiais no Brasil. Mas a última notícia que se tem não é boa. As reservas internacionais do País fecharam 2021 com uma rentabilidade negativa de 0,62%, sob impacto da valorização do dólar no período, segundo o BC. Em seis anos, essa foi a primeira vez que a conta fica no vermelho.
Ao final de 2021, as reservas internacionais do Brasil totalizavam US$ 362,20 bilhões. Desse montante, 87,77% era em dólar norte-americano; 7,35% em euro; 4,99% em yuan; 2,11% em libra esterlina; 1,73% em iene; 0,94% em ouro e 1,10% em outras moedas.
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Do valor total, 93,03% são de títulos governamentais, grande protagonista das reservas brasileiras. Para explicar a importância e o funcionamento das reservas cambiais, conversei com o professor de economia Paulo Feldmann, da USP.
De acordo com ele, o ministro Paulo Guedes, da Economia, prometeu usar metade das reservas do País. E já gastou de US$ 40 a US$ 50 bilhões: “Isso é um problema sério, esses caras não podem usar esse dinheiro porque vai ser muito mal empregado”.
Os cerca de 362 bilhões de reservas teriam sido constituídas, em sua grande maioria, pelo presidente Lula. Ele teria aproveitado a época em que entraram muitos dólares no Brasil – em seu segundo mandato (2007 a 2011) e início do governo Dilma – para aplicar nas reservas internacionais.
Havia a alternativa de usar o dinheiro para pagar a dívida, como sempre. Mas não se pagou. A dívida externa do Brasil não é pequena: está em US$ 0,5 trilhão. Ele garante, no entanto, que está muito bem negociada, pois vence muito mais na frente. Por isso praticamente ninguém falaria mais na dívida externa brasileira.
Acompanhe a entrevista a seguir.
Montagem
Brasil deve ter aplicações muito pequenas no yuan, mesmo que a China seja nosso maior parceiro, afirma economista Paulo Feldmann
Reservas em risco
Amaro Augusto Dornelles – Por que é importante ter reservas?
Paulo Feldmann – Porque o investidor lá fora – Europa, EUA, Ásia – quando olha para o Brasil, observa que o País tem uma dívida grande. Mas tem grandes reservas também. Então isso não preocupa quem quer investir. É o contrário da Argentina. Ela tem uma dívida externa menor do que a do Brasil, metade da brasileira, mas não tem reservas. As reservas funcionam como uma espécie de seguro para o país fazer frente às suas obrigações.
Porque é tão importante dar essa segurança ao investidor estrangeiro? Quem trabalha e paga impostos no Brasil não tem segurança em praticamente nada.
Se não tiver investimento, o País não vai crescer. A China cresceu porque o governo colocou muito dinheiro na economia no começo. E investiu na infraestrutura. A partir disso, gerou empregos e aí o País cresceu. A capacidade de investimento brasileira hoje é mínima. O governo não tem recursos porque o buraco fiscal é enorme, gasta muito mais do que arrecada todo ano. O empresariado nacional também não tem capital, ou tem pouco, e a rigor não se interessa em arriscar no Brasil.
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A partir do governo Michel Temer, tal política se altera. Entra em campo o neoliberalismo e a história muda radicalmente…
O neoliberalismo de fato começa com Temer. A reforma trabalhista do Temer é a própria reforma neoliberal. Acho que Lula está sendo muito corajoso ao dizer que a primeira coisa que ele vai fazer é reverter a reforma trabalhista do Temer. O problema é o seguinte: usar as reservas – acho que isso é o grande tema – aqui dentro poderia ser uma alternativa. Trata-se de um valor significativo. Aliás é o que o Paulo Guedes fala. Ele estava querendo usar a metade delas aqui dentro….
Investimento gera emprego
O Centrão nunca mais sairia do poder…
Verifiquei os números das reservas brasileiras. Quando Bolsonaro assumiu as reservas estavam em US$ 400 bilhões. Agora está em US$ 350/60 bilhões. Eles já usaram parte do dinheiro. Isso é um problema sério, esses caras não podem usar esse dinheiro porque vai ser muito mal empregado.
Ainda mais sem controle…
Agora, com a autonomia do Banco Central, realmente é algo perigosíssimo. O BC pode usar as reservas independente do presidente da república, seja ele quem for. Esse é um risco sério que o Brasil sofre. Seria um desastre.
Mas voltemos às reservas e investidores estrangeiros.
É preciso saber que esse dinheiro que vem de fora é uma das poucas coisas que faz o País andar. É aquela aplicação que empresas multinacionais fazem para ampliação de sua capacidade, compra de máquinas, de tecnologia. Isso tudo é investimento produtivo. Não é especulativo, não. É investimento que gera emprego. Você pode não gostar do investimento estrangeiro, mas ele é extremamente necessário. E nós não podemos parar isso agora. Caso o País passe a ser mal visto pelo investidor externo – como acontece com a Argentina hoje – aí a situação piora. Rapidamente. Então não pode mexer na reserva. País que tem ½ trilhão de dólares em dívidas não pode ter uma reserva pequena. Tem de manter essa reserva do jeito que está.
Lastro de credibilidade…
Ela é necessária para manter a segurança do investidor externo. É um mal necessário.
Brasil: Pior Brics
Como está a gestão das reservas brasileiras hoje? A opção de investir no yuan, por Israel – tradicional aliado dos EUA – tem significado especial?
O fato de Israel ter aplicado em yuan não traz nada de novo. O Brasil também tem uma parte de suas reservas aplicadas na moeda da China. Pequena, assim como em euro. Essas reservas não são apenas em dólar. É que transformam tudo em dólar. Mas não é.
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Poderia explicar o motivo para Israel aumentar reservas em yuan?
Todos os países se preocupam com o risco de suas aplicações. Veja só o caso do Brasil – que é bastante interessante. A maior parte do dinheiro aplicado está em dólar. Algo em torno de 80%. Em segundo lugar está o Euro. O que acontece? Os EUA tiveram inflação ano passado, o dólar se desvalorizou em 8%. E a inflação continua. A taxa de juros lá é pequena. Vai subir pouco. Eles não são tão idiotas como essa gente que acredita em aumentar juros pra baixar inflação. Se aumentar será pouco, para 2, 2,5%. No ano passado o Brasil não ganhou nada com essas aplicações.
Esses US$ 362 bilhões não renderam nada. Então não vale a pena deixar todo o dinheiro nos EUA em dólar. Por isso Israel aplica uma parte em yuan. Deve ter muita coisa aplicada em Euro também. Eles têm de analisar as moedas, se ela tende a se valorizar ou cair, se terá inflação. Para o Brasil é muito ruim aplicar em moeda que tem inflação, caso do dólar. Por isso Israel deve ter optado pelo yuan. Para escapar um pouco do dólar, que não anda muito bem agora, com 7%, 8% de inflação. A China é um dos maiores aliados de Israel, a relação entre os dois países é fantástica. Todas essas inovações que acontecem na China têm o dedo de Israel. E vice versa.
E os Brics? Desde que o Palácio do Planalto foi ocupado por anticomunistas delirantes, o Brasil virou inimigo dos ex-sócios.
Dos quatro países grandes – Brasil, Rússia, Índia e China, sem contar África do Sul – quem se deu pior nos últimos anos foi o Brasil. Todos cresceram, diminuíram a pobreza, alguns menos. Mas o Brasil foi o pior de todos. Essa seria uma reportagem sensacional: o único país onde o número de pobres permaneceu o mesmo – 2/3 da população – é o Brasil. A diferença é que os demais países foram muito melhor gerenciados. Imagino que boa parte desses países tenham suas aplicações em dólar. A China é o maior investidor em dólar do mundo: US$ 3,337 trilhões, quase tudo aplicado em títulos do governo dos EUA, pelo menos 80% está lá. Os chineses não são burros. Todo mundo aplica basicamente nos EUA. É o mais seguro. Mas caiu a rentabilidade ano passado por causa da inflação deles. A previsão é de que este ano a inflação caia nos EUA. Outra grande explicação é que, apesar de tudo, a moeda do mundo continua a ser o dólar.
Segunda Potência
Essa tendência de aplicação em yuan vai prosseguir, tende a crescer?
Pergunta muito importante, pois temos duas potências no mundo: EUA e China. Hoje a China é 19% da economia mundial, não é brincadeira. EUA é 24%. O maior mercado consumidor do mundo hoje é o chinês. Em renda per capita, os Estados Unidos lidera disparado. O PIB é de US$ 22 trilhões, dividido por 300 milhões de pessoas. No caso da China é um pouco menor, US$ 18 trilhões, divididos por 4 vezes mais: 1,2 bilhão de pessoas.
A economia da China passou a norte-americana. As reservas internacionais estão migrando para a China de vagar. Como Israel, que aplicou pouco. É que a China ainda não é confiável para o mercado mundial, ela ainda não é uma democracia. Isso assusta investidores, empresários, as pessoas têm medo da China. Essa é uma questão controversa, mas é assim que os aplicadores veem o mercado. Já na Europa, eles investem. O euro é a segunda moeda que atrai mais reservas internacionais. O mercado confia. Ninguém confia em Rublo, yuan ou no real. Todo mundo confia no dólar e assim vai continuar.
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Mas e a China rica com o yuan?
A China tem um papel muito importante no mundo, crescente. Ela se tornou a segunda potencial econômica mundial, passou o Japão, em tempo curtíssimo, que é a terceira – Alemanha é quarto. A China cresce cada vez mais e assim vai seguir.
Abertura democrática
Eles têm uma economia planificada…
Totalmente planificada. Com o crescimento da economia chinesa, vão crescendo as aplicações em yuan. Mas a planificação também dá errado. Por causa da vacina a epidemia voltou na China.
Voltou porque?
Porque não têm vacina boa, não admitiram a vacina americana. Os chineses não compraram nenhuma das vacinas norte-americanas. Por isso se deram mal com a epidemia. Mas, com o crescimento da economia da China, vão crescendo as aplicações dos países no yuan. Muitos países vão fazer o que Israel fez: aumentar suas reservas com yuan, isso acabará acontecendo. Qual será o futuro da China?
Muita gente acredita que ela terá uma abertura democrática a médio prazo. Pode ser. Outros acham que não, que ela deve seguir com um regime forte como é. Se assim acontecer, o yuan não vai se tornar uma reserva mundial. Mas se o país se abrir – como é previsto – pode ser que um dia o yuan se torne uma moeda mundial. A China é o país que mais exporta e o que mais importa no mundo. Acredito que eles vão começar a impor para alguns países que se use o yuan, para disseminar sua moeda pelo mundo. Acho que já estão até fazendo. Aos pouquinhos o yuan vai virar uma moeda importante também.
Governo perigoso
Como está o investimento do Brasil em yuan: a tendência é aumentar o investimento ou reduzir?
O Brasil deve ter aplicações muito pequenas no yuan. Mesmo que a China seja nosso maior parceiro, quase 30% das exportações vão pra lá.
Temos um presidente da República que não dá a menor bola para os interesses do País…
Felizmente não se dá muito bola para esse presidente da República. Ele fala muita besteira mas ninguém liga. Isso é positivo, pois se dessem bola para o que ele diz, estaríamos quebrados. Nem os chineses, porque ele os ofendeu muito, o filho dele ofendeu mais ainda. Sobre esse tema gostaria de dizer: é bom que não se mexa nas reservas. Creio que se deveria chamar a atenção do Guedes porque ele já tirou entre US$ 40 e US$ 50 bilhões. Esse é o perigo com um governo como esse que o Brasil tem.
Amaro Dornelles, colaborador da Diálogos do Sul.
As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul
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