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ToggleHá muitas semelhanças entre Colômbia e Chile, além do fato de serem os países da América do Sul que ficaram de fora da onda progressista do início do século XXI.
Justamente por resistirem ao movimento que colocou no poder governos comprometidos com a soberania e a autonomia em relação ao Império, os dois países sofreram por mais tempo com o aprofundamento das políticas neoliberais e suas cruéis consequências sobre a classe trabalhadora. Talvez por isso estejam juntos também num momento histórico que promete mudanças radicais.
A economia neoliberal, só para relembrar, se fundamenta na defesa de um Estado mínimo no tocante à proteção da sociedade e máximo para garantir o lucro empresarial, com ênfase especial ao setor financeiro e de serviços, ou seja, a setores que nada produzem a não ser lucro para os acionistas.
Seu principal pilar é a privatização de toda a estrutura de serviços públicos essenciais à vida das pessoas, como saúde, educação, transporte de massas, energia e abastecimento de água e saneamento. São essenciais porque ninguém consegue viver com dignidade sem acesso a eles.
Quando transformados em produtos sob a ótica do mercado, qualquer exploração desses serviços é garantia de lucro certo e permanente, imune a crises e capaz de sustentar aumentos constantes e abundantes taxas de lucratividade.
Medellín é muito mais que Pablo Escobar
Medelin não é a maior cidade da Colômbia, o que não a impede de ser uma cidade moderna, com uma infraestrutura, em termos de mobilidade, bem melhor que a capital, Bogotá.
Com vida cultural intensa, se destacou no período das grandes manifestações batizadas – como no Chile – de explosão social, ocorridas a partir de 2019.
Exemplo disso, é o fato de a cidade ser a única do país a contar com um sistema de metrô que, ao contrário de circular em túneis abaixo das ruas, funciona acima delas numa calha elevada exclusiva.
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A empresa estatal que opera o metrô pertence parte ao governo estadual e parte ao governo municipal e é um exemplo da “engenharia” neoliberal para privatizar uma empresa mantendo-a com aparência formal de empresa pública.
O Metrô de Medelín possui cerca de oito mil trabalhadores, mas apenas dois mil destes são trabalhadores públicos. Três quartos da força de trabalho da empresa é terceirizada. Pior que isso, é quarterizada e até quinterizada.
Isso significa que, entre o valor pago pelo Estado por essa mão-de-obra e o valor do salário pago aos funcionários, temos o lucro de até três empresas privadas que nada fazem além de intermediar o “aluguel” da força de trabalho e repartir entre elas a mais-valia extraída de cada trabalhador.
Segundo o ex-presidente da CUT-Medelin, Carlos Júlio Días Lotero, hoje diretor-geral da Escola Nacional Sindical (ENS) da Colômbia, os desvios de recursos começaram já na construção do metrô com custo muitas vezes superior ao previsto inicialmente e o honestamente justificável. De acordo com Lotero, a previsão inicial de custo da obra era de 600 milhões de dólares, mas o custo final chegou a seis bilhões de dólares.
Da mesma forma, o tempo de construção foi muito maior do que o previsto e foi utilizado mais para permitir a prorrogação da sangria de recursos nessa fase do que para garantir a qualidade ou a eficiência dos serviços a que se destinava. A promiscuidade entre o poder público e o narcotráfico é tanta que o arquiteto responsável pelo projeto das estações do metrô é o mesmo que projetava os bunkers de Pablo Escobar.
O Brasil segue na mesma direção
A situação dos trabalhadores do metrô é muito semelhante a que conhecemos no Brasil, a começar pelas dificuldades impostas pela legislação à representação sindical.
O Sindicato dos Metroviários (Sintrametro) representa apenas os 25% de empregados públicos da empresa. Os outros 75%, terceirizados, são impedidos por lei de filiar-se a essa organização, pois estão sujeitos a um regime trabalhista genérico, equivalente à nossa Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), enquanto os seus colegas contratados por concurso possuem direitos e condições diferenciados e, evidentemente, melhores em vários aspectos, especialmente o salarial.
A discriminação chega ao ponto dos terceirizados permanecerem até cinco anos sem gozar férias, denunciou Astrid Helena Tobón, diretora de Comunicação do Sindicato, acrescentando que esses trabalhadores, incluindo mulheres, chegam a enfrentar até 35 dias sem descanso.
No começo, os terceirizados foram contratados apenas para serviços de limpeza e segurança, igualzinho ao Brasil. Com o tempo, passaram a ocupar toda a atividade-fim da empresa, como a condução dos trens, a principal função num metrô.
Isto é resultado da legalização da terceirização na atividade-fim, já estabelecida no Brasil tanto por leis, como pelo endosso do Tribunal Superior do Trabalho (TST).
Os reduzidos salários dos terceirizados em relação aos trabalhadores concursados, ao contrário do apregoado pelos defensores da liberação, não se reverteu em custo menor de passagem para o usuário final, que é o trabalhador e a população mais pobre.
Em vez de benefício à sociedade, essa diferença se transforma em lucro para empresas intermediárias que sequer precisariam existir e tampouco são responsáveis por oferta de empregos.
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Além disso, como os terceirizados estão fora da proteção do Sintrametro e dos acordos coletivos, condições de trabalho perigosas são impostas a eles levando ao aumento substancial do número de acidentes de trabalho, explica Milton Agudelo, vice-presidente do Sindimetro.
Os protocolos internacionais determinam que a manutenção de trilhos somente pode ser feita com os trens parados, fora do horário de funcionamento do metrô. Em caso de reparo emergencial durante o período de atividade das linhas, os trens devem ser imobilizados até que o reparo seja realizado.
Entretanto, trens parados não geram lucros. Ora, uma empresa estatal não precisa de lucro, dirá o leitor atento. Seu lucro deve ser revertido em forma de bilhete barato para a população, é o óbvio.
Mas, uma empresa estatal que terceiriza 75% da sua mão de obra precisa ter muito lucro para pagar por ela e assim garantir o repasse de recursos públicos não para benefício da população e sim para o lucro fácil das intermediárias de mão-de-obra.
Para engordar ainda mais o lucro, a empresa passou a ignorar protocolos de segurança básicos e determinar que os reparos sejam feitos com os trens em funcionamento, aproveitando os curtos intervalos entre um trem e outro.
Iván Erre Jota – Wikimedia Commons
Metrô de Medelín possui cerca de oito mil trabalhadores, mas apenas dois mil destes são trabalhadores públicos
Nelson Múnera, secretário de Educação do Sindicato dos Metroviários, explica como funciona: o trabalhador da manutenção pula para dentro da linha para reparar o trilho assim que o trem passa, enquanto um supervisor fica cuidando, na plataforma, para ver quando outra composição se aproxima.
Então ele avisa o que está sobre os trilhos para que, rapidamente, saia do caminho do trem. Como o intervalo é relativamente pequeno para a realização de um conserto, eles aproveitam ao máximo cada segundo e, às vezes, não dá tempo do outro sair dos trilhos antes de ser atropelado.
É uma situação de alto risco, proibida por todos os protocolos internacionais de segurança do trabalho e, desde que a empresa passou a desrespeitá-los, o número de mortes em acidentes do trabalho obviamente aumentou. Nos últimos quatro meses dois trabalhadores já morreram dessa forma em Medellín.
A mesma lógica é aplicada a outros setores. O trem, como explicamos, circula por um elevado a dez ou quinze metros de altura em relação às ruas e as estações estão no alto.
Qualquer obra de manutenção nessa estrutura requer trabalho em alturas fatais no caso de queda. Para diminuir os custos, a empresa não fornece equipamentos de segurança adequados, o que também implica em acidentes com morte que poderiam ser facilmente evitados.
Justiça lenta e não especializada garante impunidade
Alguém acostumado com a realidade brasileira dirá que o Ministério Público do Trabalho poderia ajuizar uma Acão Civil Pública e, num caso tão flagrante, nenhum Tribunal do Trabalho, por mais conservador que seja, seria capaz de endossar o procedimento da empresa.
Mas na Colômbia não existe Justiça do Trabalho, nem Ministério Público do Trabalho. As eventuais ações para resolver questões trabalhistas se perdem no labirinto kafkniano dos processos da Justiça Comum, neste caso, tão lentos e tortuosos quanto no Brasil, onde a Justiça do Trabalho vem sendo lenta e sorrateiramente desmontada.
“A porta da rua é a serventia da casa”
A dificuldade dos sindicatos na Colômbia é muito grande. Quase todos os que visitamos, incluindo a sede da CUT, possuem galerias com as fotografias dos seus dirigentes assassinados exatamente porque lideravam suas entidades.
Para Milton Agudelo, vice-presidente do Sintrametro criado em 2013, as dificuldades começam pela própria fundação de um sindicato. A legislação exige um grupo de pelo menos 20 trabalhadores da categoria para criar uma entidade, mas as empresas demitem os que se propõem antes mesmo que a tramitação burocrática se encerre. Mais de 100 trabalhadores do metrô foram demitidos dessa forma durante o processo de criação da entidade da categoria.
Quando um trabalhador vai assinar um contrato de trabalho sempre ouve do patrão que, caso filie-se ao sindicato ou tenha ideia de participar da direção, “a porta da rua é serventia da casa e há uma fila de outros querendo o emprego”. Ouvimos isso de todos os dirigentes sindicais com quem conversamos na Colômbia.
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Aparentemente, diante dos mortos em acidentes do trabalho facilmente evitáveis, os dirigentes das empresas reagem da mesma forma e tratam as perdas de vidas como uma questão administrativa. “Há uma fila de outros para substituí-los”.
A Reforma Trabalhista feita por Temer, a da Previdência, feita por Bolsonaro e dezenas de novos projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional, de autoria de parlamentares da base de sustentação do atual governo garantem que, se nada mudar, o Brasil caminha a passos largos para uma realidade igual à da Colômbia.
Ainda não começaram a executar dirigentes sindicais, mas a proteção legal ao trabalho vem sendo assassinada numa velocidade cada vez maior. Tudo indica que o povo colombiano cansou de se submeter à lógica do mercado, da impunidade e da corrupção e, no próximo domingo (29), deve votar por mudanças. Em outubro o Brasil terá sua chance.
As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul
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