Paulo Roberto da Silva Lima, o Galo ou “Galo de Luta”, importante liderança na luta contra uberização do trabalho de motoboys e entregadores, publicou em seu Twitter no último dia 08/05: “sem fala do ódio que sentimos não tem como fala de nois, nois tem que ir pra luta todo dia e amor é uma coisa que nois recebe e dar quando volta pra casa cansado. Paz”. Depois desse tweet vieram outros, entre os quais se destacam as críticas à candidatura de Lula, candidato que ele apoia.
Falar de ódio não é algo popular, não ganha voto, assusta um monte, mas sem fala do ódio que sentimos não tem como fala de nois, nois tem que ir pra luta todo dia e amor é uma coisa que nois recebe e dar quando volta pra casa cansado. Paz
— Galo (@galodeluta) May 8, 2022
O que Galo falou tocou em dois pontos muito sensíveis nos últimos anos. O primeiro, é a dimensão sentimental/emocional da crise político-social que o Brasil enfrenta. É provável que você que me lê já tenha protagonizado, ou pelo menos testemunhado, uma discussão sobre a atual conjuntura do país que tenha trazido ódio, tristeza, desânimo, desesperança ou outros sentimentos complexos para os seus dias (ou todos esses juntos). Relações foram transformadas profundamente desde que a extrema direita foi ganhando espaço no Brasil, e não é incomum casos em que temas relacionados à política tenham gerado brigas familiares ou “pactos de silêncio” entre parentes e amigos de longa data.
Mas como nos ensina Audre Lorde, o silêncio não nos protegerá. Não adianta fingir que não se sente ou passar por cima dos sentimentos sem processá-los. É preciso falar deles, porque eles simplesmente existem. E há, sim, um desalento que atinge as relações num contexto em que discursos de ódio são reproduzidos diariamente por parte do poder executivo do país, e imitados em diversas outras instâncias. Está “fácil” encontrar quem nos odeie e, consequentemente, a quem direcionar ódio. E é aí que concordo com Galo: para falar de nós, enquanto sociedade, é preciso falar de ódio. O que fazemos com esse sentimento?
galodelutaoficial – Reprodução | Instagram
Para falar de nós, enquanto sociedade, é preciso falar de ódio. O que fazemos com esse sentimento?
Audre Lorde também ensina nesse quesito: ela usava sua própria raiva como combustível para sua produção literária. Talvez, Galo use o ódio que recebe e sente para lutar por condições de trabalho mais dignas, nesse contexto de precarização. Eu tento transformar a minha raiva em palavras que nos ajudem coletivamente a lidar com esse turbilhão de sentimentos que o contexto sociopolítico nos traz. Mas essas não são as únicas formas de usar o ódio, e temos, sim, que lidar com o risco de o ódio não ser devidamente processado, e estourar de forma desequilibrada, com a possibilidade de ferir outras pessoas. Convém que cada pessoa encontre a forma mais equilibrada possível.
Para isso, encontramos ajuda no segundo ponto importante que o ativista evoca em sua fala: ele convive com o ódio, mas chega em casa e tem amor, além de escrever pedindo paz. Ou seja: nossos sentimentos não podem ser lidos na chave dicotômica que domina o senso comum. Amor, ódio, paz, caos, e muitos outros sentimentos coexistem, divergentes, e é nesse contexto que precisamos construir uma sociedade que comporte todas as pessoas, com toda a diversidade que isso representa. E não seria isso a democracia?
Em outro tweet no mesmo dia, Galo reflete: “Lula vai derrotar um fascista com outro de vice, eu votarei em Lula com críticas!”. Em seguida, ele nos lembra do massacre da comunidade do Pinheirinho, ocorrido durante o período que Geraldo Alckmin, que está compondo a chapa de candidatura como vice de Lula, era governador de São Paulo.
Uma pergunta sincera o massacre de pinheirinho não foi fascismo?https://t.co/k5PNExNilI
— Galo (@galodeluta) May 8, 2022
Essa sequência de tweets do ativista nos lembra que é possível estar consciente da importância de votar a favor de valores democráticos e fazer críticas ao mesmo tempo, porque as contradições fazem parte do próprio tecido social. E, no caso das atitudes de governos e figuras políticas, a complexidade é muito mais profunda que o binômio “bem – mal”.
Você entra no perfil do cara e ele é autor de um livro chamado vida futura, as vez quem faz a crítica não consegue se enxergar no futuro, por questões óbvias. Então vou deixar minha crítica aqui Lula vai derrotar um fascista com outro de vice, eu votarei em Lula com críticas! https://t.co/EyQ8rmpV7Y
— Galo (@galodeluta) May 8, 2022
Ao sair dessa dicotomia, encontramos a possibilidade de construir junto com quem pensa diferente, sem deixar de tecer críticas e combater tudo aquilo que atenta contra todos os tipos de vida – seja a vida da nossa população, como na comunidade de Pinheirinho, ou a vida do nosso ecossistema, como a floresta, os rios, etc.
Entrar nessa empreitada não é ficar em cima do muro: é posicionar-se conscientemente, lutando para não existam massacres, e reivindicando a dignidade no trabalho, no lazer, na saúde – na vida, enfim.
É preciso atenção para aquilo que sentimos, que é o que somos: seres diversos, em pensamentos, sensações, emoções. E é essa diversidade que nos caracteriza coletivamente como seres viventes. Cuidar do que sentimos, individual e coletivamente, é uma forma de preservar a vida. Talvez seja hora de cuidar da política da mesma forma.
Verônica Lima é colaboradora da Diálogos do Sul.
As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul
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