A vantagem no primeiro turno das eleições para a presidência do Chile de José Antonio Kast e a eleição na Argentina de Javier Milei para deputado federal acendem o sinal de alerta para a esquerda sul-americana e os progressistas em geral, que parecem ainda subestimar e minimizar os candidatos de extrema-direita –assim como aconteceu com Donald Trump ou Jair Bolsonaro, que tratamos como se não tivessem reais chances de chegar ao poder. E chegaram.
No Chile, no último final de semana, Kast saiu na frente, ainda que por pouco, de seu principal adversário, o esquerdista Gabriel Boric: 27,91% contra 25,83%. E o cheiro de “uma escolha muito difícil” já se espalha por lá, com chances de a extrema-direita pinochetista voltar ao comando do país, ainda mais que a mídia comercial chilena consegue ser mais reacionária que a brasileira. Católico e pai de 9 filhos, Kast, de 55 anos, ex-deputado federal, defende que o Chile saia da Comissão de Direitos Humanos da ONU e pretende, se eleito, transformar o atual Ministério da Mulher e da Igualdade de Gênero em Ministério da Família, exatamente como fez Bolsonaro.
Seu pai, Mikhael (Miguel) Kast, foi oficial do Exército alemão durante a Segunda Guerra mundial e fugiu para o Chile após a derrota de Adolf Hitler, mas o filho nega que ele fosse nazista. Um irmão de Kast, o economista Miguel Kast Rist, formado na Universidade de Chicago como Paulo Guedes, foi ministro do Planejamento e do Trabalho e presidente do Banco Central de Pinochet. Sobre o ditador, já disse o candidato: “se estivesse vivo votaria em mim”. Em outubro de 2018, o então desconhecido pré-candidato à presidência do Chile esteve por aqui e posou para fotos com o homólogo brasileiro.
Palácio do Planalto
A esquerda sul-americana e os progressistas em geral, que parecem ainda subestimar e minimizar os candidatos de extrema-direita.
Na Argentina, 10 dias atrás, a direita venceu as eleições legislativas por 42,5% a 33,9% dos votos, com uma ligeira reação do governismo após as primárias de setembro (41,5% a 31,8%). Na província de Buenos Aires (a mais importante), a diferença em relação à derrota anterior foi muito menor: o candidato da oposição, Diego Santilli, venceu Victoria Tolosa Paz por 39,81% a 38,53%. Uma vitória agridoce, considerando os resultados anteriores, que foram 37,33% a 33,25% em favor de Santilli.
Mas o dado a destacar é que, pela primeira vez desde a volta da democracia, em 1983, o partido governante não terá maioria no Senado, e por isso terá que negociar com diferentes setores para realizar qualquer projeto futuro. A Frente de Todos, do presidente Alberto Fernández, caiu de 41 cadeiras para 35 (37 seriam necessárias para garantir a maioria), e o macrista Juntos por el Cambio subiu de 25 para 31 assentos.
Já na Câmara dos Deputados, o peronismo ficou com 118 cadeiras, contra 116 deputados do Juntos por el Cambio. A esquerda terá 4 cadeiras e os libertários, 5 cadeiras. Portanto, o partido no poder ainda detém a maior parte das cadeiras em ambas as câmaras, mas isso não lhe garante a maioria para aprovar projetos sem negociar com setores da oposição e independentes.
É preciso que se diga que, embora a oposição tenha saído vencedora na eleição legislativa argentina, a tímida reação da Frente de Todos fez com que parecesse uma derrota para a oposição; tanto é que a Frente de Todos festejou a derrota como se fosse uma vitória. Horas depois de saírem os resultados, o Dia da Militância foi celebrado na Plaza de Mayo, data em que se comemora o retorno de Juan Perón ao país após 18 anos de exílio. Com a praça lotada, o governo Fernández fez uma necessária demonstração de apoio popular a dois anos das eleições presidenciais.
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Não é preciso fazer uma análise muito profunda para ver que, com uma força de 34 pontos percentuais em meio a uma pandemia, o peronismo tem boas chances de conseguir a reeleição. Com 80% da população vacinada com uma dose e mais de 60% com o esquema completo, o fim da crise parece iminente. Mas, embora existam indicadores de crescimento econômicos melhores que no último ano do governo Macri, a meta para o futuro será reduzir a inflação drástica (41,8% neste ano até outubro) e, fundamentalmente, diminuir os altíssimos índices de pobreza que assolam o país (40,8%).
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A grande surpresa das eleições, porém, ocorreu na cidade de Buenos Aires, onde o candidato libertário (fascista), Javier Milei, obteve 17% dos votos, garantindo uma cadeira como deputado. Com um discurso violento também semelhante ao de Bolsonaro, Milei, um bufão de aparência espalhafatosa e cabelos bagunçados à moda de Trump, é um fiel representante da extrema direita argentina. No passado, foi assessor do genocida Domingo Bussi, condenado por delitos de lesa humanidade, e a candidata que o segue em sua lista, que também ingressou como deputada, Victoria Villarruel, é uma negacionista da ditadura e uma defensora de genocidas.
Milei trabajó para el torturador Domingo Bussi, cobrando del Estado.
En pandemia cobró los ATP del Estado.
Trabaja en una empresa que recibe subsidios del Estado. Fin del discurso no?— Alejandrina Barry (@Barry__Ale) September 1, 2021
Com frases nazistas como “nós somos esteticamente superiores”, ou gritando “Esquerdistas de merda!“, emulando os milicos dos anos 1970, Milei conquistou o voto jovem de uma parte que o entende como a “nova cara” da política, sendo que em seus ideais, abertamente expostos, representa nada mais e nada menos que os militares da ditadura, apenas camuflado de terno e gravata.
Antivacina, negacionista das mudanças climáticas e antiaborto, o “bolsonaro argentino” é visto com bons olhos pela oposição dita “liberal”, que já não descarta uma aliança com Javier Milei para 2023, como já destacou a presidenta do Juntos por el Cambio, Patricia Bullrich. O episódio mais emblemático do que eles representam foi quando a deputada negacionista eleita, Victoria Villarruel, fez seu discurso e um dos seguranças a interrompeu no meio do palco ameaçando desembainhar a arma diante de alguma “confusão” em meio ao público.
“Liberdad Avanza” é o slogan usado por aqueles que representam um profundo revés para a democracia, e nada além disso – nunca vamos esquecer que “defender a liberdade” também foi o mote dos nazistas, desde o primeiro discurso de Hitler, em 1933. Mas estes resultados sem dúvida apontam que o fenômeno da extrema direita permanece com força em nosso continente. É preciso estar atento e forte.
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