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ToggleEm fevereiro de 2021, o presidente argentino Alberto Fernández, em visita oficial ao México, propôs a seu colega Andrés Manuel López Obrador ativar um novo eixo de integração latino-americana. “Que o continente mude não depende de outros, depende de nós” — disse Fernández.
“A América Latina tem um futuro e esse futuro passa pela unidade dos esforços”, acrescentou, para propor: “Do país mais ao norte da América Latina até o mais austral temos que ser capazes de traçar um eixo que una todo o continente”.
Entre outras iniciativas, concordaram em impulsionar a colaboração entre suas nações em vários campos, como a produção conjunta de vacinas contra a Covid-19, para torná-las mais acessíveis aos países da região. Fernández e López Obrador já haviam demonstrado essa vocação solidária em novembro de 2019, quando colaboraram para resgatar com vida o recém-deposto Evo Morales.
Ao assumir que o destino de nossos povos “depende de nós”, os dois líderes voltaram a propor –a despeito dos ex abruptos imperiais do ainda presidente Donald Trump– a retomada do histórico processo de convergência latino-americana e caribenha. Coisa que pouco antes parecia impensável, quando os dois países ainda estavam isolados por seus governantes anteriores.
O desejo de continuar esse processo tem longa trajetória, como também os esforços neocoloniais para separar e subordinar nossas nações. Para situar-nos na etapa que agora — no início da terceira década do século 21 — pode começar, faremos aqui um breve resumo de seu percurso. Será inevitável cometer omissões. Mas o que hoje interessa não é o pormenor do sucedido, e sim a tendência geral e o sentido de sua evolução.
Esse desejo vem desde o propósito republicano das lutas pela independência das colônias hispano-americanas. Em seguida à constituição das jovens repúblicas, expressou-se nos esforços por confederá-las, desde o Congresso Anfictiônico do Panamá, convocado por Bolívar em 1826, até os congressos de Lima em 1847, Santiago em 1856 e novamente Lima em 1864, onde foi assinado o Tratado de Liga e Confederação dos Estados. A prioridade destes pactos era unir forças contra qualquer nova tentativa de reconquista colonial europeia, e cooperar no melhoramento das comunicações e no desenvolvimento mútuos.
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Durante esse mesmo período, a ambígua Doutrina Monroe (1823), a anexação do Texas (1830), a declaração do Destino Manifesto (1845) e a Guerra contra o México em 1847 para conquistar a Califórnia e as demais províncias do norte do México, deixaram claro algo mais: que os Estados Unidos, além de ser um interessante exemplo de democracia, constituía uma ameaça para seus vizinhos da América Central e do Caribe.
Não obstante, durante os anos da Guerra de Secessão (1861-65) e do reordenamento interno que se lhe seguiu, os Estados Unidos tiveram que voltar-se para suas prioridades internas. A França aproveitou para invadir o México (e os mexicanos aproveitaram não só para expulsar os franceses, como para realizar a Reforma liderada por Benito Juárez).
Fatos que para a América Latina confirmaram duas coisas: uma, que as demais potências europeias tampouco eram de confiança e, outra, que quando Washington se via com problemas o momento era oportuno para avançar na unidade e autodeterminação latino-americanas, e impulsionar nossas próprias mudanças.
No entanto, assim que os Estados Unidos superaram aquele conflito interno, retomaram seu projeto hemisférico. Em 1889 convocaram os demais países do continente para a Primeira Conferência Interamericana e criaram o Escritório Comercial das Repúblicas Americanas –antecedente da União Panamericana e da OEA–, dirigida pelo Secretário de Estado para regulamentar as relações comerciais e alfandegárias com todos eles. Ávidas de acesso ao mercado estadunidense, as jovens repúblicas latino-americanas dobraram-se. José Martí foi o mais lúcido crítico dessa Conferência, advertindo quanto à natureza imperialista da iniciativa.
Dez anos depois, em 1898, Washington provocou a Guerra Hispano-americana, que lhe permitiu apropriar-se das colônias da agônica Coroa da Espanha, desde as Filipinas e Guam no Pacífico, até Cuba e Porto Rico no Caribe. Os objetivos libertadores dos insurgentes filipinos e cubanos foram frustrados. Nos anos seguintes, como Martí previra, a projeção hegemônica norte-americana desenvolveu a política do Big Stick (grande porrete) e a Marinha estadunidense tornou-se a última palavra nas relações hemisféricas.
Desde então, no Continente, o projeto de integração se dividiu em dois polos: o representado pelo Escritório Comercial decidida em Washington — que tornou-se o projeto neocolonial “panamericano”, plasmado depois na OEA —, versus o ideal e propósito latino-americanista de unidade e integração para a emancipação e o desenvolvimento autodeterminado.
Primeira onda nacional-desenvolvimentista
Durante a primeira metade do século XX, o afã latino-americanista reapareceu na aspiração de fortalecer a identidade e cooperação que assumiram os grandes movimentos pluriclassistas da época, tão distintos como o nacionalismo revolucionário mexicano e o trabalhismo popular sul-americano, liderados por Lázaro Cárdenas, Getúlio Vargas e Juan Domingo Perón, movimentos aos que se alude como as grandes expressões do “populismo” latino-americano.
Esse populismo — ou movimentos populares e anti-oligárquicos de reafirmação nacional — alcançou sua maior visibilidade nos anos em que a ameaça fascista e a guerra na Europa frearam as ambições neocoloniais europeias e as pretensões estadunidenses na América Latina e no Caribe. Nesse período, depois do golpe da Grande Depressão, o regime intervencionista norte-americano do Big Stick foi temperado pelas políticas do New Deal e do Bom Vizinho, do período de Franklin Delano Roosevelt.
Ao mesmo tempo, nos anos 40, durante o lapso democrático gerado pela luta contra o fascismo e durante a primeira etapa da reconstrução europeia, a vocação latino-americanista também ressurgiu nas mobilizações democratizadoras, anti-oligárquicas e nacional-reformadoras que revitalizaram o ambiente latino-americano nos primeiros anos da pós-guerra.
Mas, concluída essa etapa, o contexto mundial mudou radicalmente. Assim que a reconstrução da Europa e do Japão avançou suficientemente para estabilizar-se, sob o guarda-chuva estadunidense, essas nações –habilitando-as como aliados capazes tanto de subjugar qualquer surto socialista nativo como de ajudar a conter uma suposta expansão do campo sob domínio soviético–, os Estados Unidos e seus principais aliados (e devedores) de ultramar entronizaram as políticas militares, civis e midiáticas do que constituiu a Guerra Fria. e com esta lógica, Washington relançou sua política “panamericana” para a América Latina e o Caribe.
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Seu principal instrumento político e ideológico foi o anticomunismo, e seu primeiro passo a retomada das Conferências Interamericanas, suspensas durante a guerra. Ao iniciar-se a fobia anticomunista, em 1946 foi constituído o TIAR, o tratado que implantou a articulação militar dos países da região com os Estados Unidos, a título de defender qualquer deles contra alguma eventual agressão “extracontinental”.
E em 1948, procedeu-se à fundação da OEA. Sua implementação ainda teve que enfrentar certa resistência, remanescente dos arroubos democráticos que tinham aflorado na recente pós-guerra. Durante a redação da Carta da nova organização, os delegados latino-americanos ainda insistiram em salvaguardar alguns direitos soberanos. Não obstante, a hegemonia estadunidense prevaleceria não muito depois, quando em 1954 a X Conferência Interamericana dedicou-se a estabelecer medidas contra a “propaganda e atividades subversivas” –isto é, passíveis de serem consideradas socialistas ou pró comunistas– no Continente.
Com o macartismo impondo-se nos Estados Unidos e a dominação norte-americana estruturando-se em cada um de nossos países por meio de seus respectivos cúmplices oligárquicos, encerrou-se a opção cidadã de reclamar pacificamente maiores reformas socioeconômicas e democráticas. O que pouco depois motivaria insurreições nacional-libertadoras mais radicais, como as de Porto Rico em 1950, Bolívia em 1952 e Guatemala em 1951-54, às quais, ao terminar a década, seguiu-se a revolução cubana, em 1959. Seu atraente êxito acelerou em Washington os motivos para retomar o intervencionismo e patrocinar regimes de mão dura, como instrumentos de controle do Hemisfério nas novas condições mundiais.
Sobre isto é muito ilustrativo o papel da OEA como “Ministério das Colônias dos Estados Unidos”, como a qualificou Raúl Roa. Assim o demostraram a condenação do legítimo governo de Jacobo Árbenz, em 1961, a aprovação da Carta de Punta del Este para apoiar a instauração continental da Aliança para o Progresso e, em 1962, a expulsão de Cuba desse organismo hemisférico, seguida em 1965 pelo aval “panamericano” à intervenção militar estadunidense na República Dominicana para impedir a revolução democrática neste país.
O período desenvolvimentista
Depois das experiências do populismo latino-americano, uma alternativa encontrou saída democrática por meio do desenvolvimentismo, de finais dos anos 50 até início dos 80. Ainda sob o efeito da pós-guerra, alguns setores estadunidenses e latino-americanos interessaram-se em auspiciar uma modernização capitalista de nossos países. Para isto contribuíram as anteriores concepções e resultados do New Deal e as conquistas da reconstrução econômica e sociopolítica dos países devastados durante a guerra.
Com a influência da recém-criada Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL), constituída pela ONU em 1948, foi possível promover um projeto regional no qual o Estado assumiria um papel interventor na economia, com uma estratégia de industrialização substitutiva de importações e de proteção ao crescimento da indústria nacional frente à concorrência estrangeira. O que se impulsionou mediante impostos sobre as importações e medidas para planejar o desenvolvimento, melhorar a distribuição da riqueza, fomentar grandes obras de infraestrutura e impulsionar reformas agrárias, junto com a normatização dos investimentos estrangeiros e suas atividades empresariais –etcétera–, ideias que até então haviam sido reprimidas como “pró-comunistas”.
Com a liderança de Raúl Prebisch e de um grupo de economistas latino-americanos, o cepalismo constituiu uma variante crioula do keynesianismo e conseguiu que a maior parte dos países da região compartilhassem uma doutrina socioeconômica comum, com vistas a impulsionar o desenvolvimento capitalista da economia e da sociedade. Em prazo relativamente curto avançou-se em alguns ramos da industrialização, incrementou-se a exploração de recursos de cada país antes limitada por falta de financiamento, fortaleceu-se o patrimônio nacional, ampliou-se o mercado interno e o consumo popular, fortaleceram-se as capacidades de comunicações e transportes, ao mesmo tempo em que se melhoravam as legislações trabalhistas e os serviços públicos.
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Nesse contexto apareceram vários organismos regionais focados na cooperação e integração regionais, como é o Parlamento Latino-americano (Parlatino), a Associação Latino-americana de Livre Comércio (Alalc) transformada depois na Associação Latino-americana de Integração (Aladi), assim como a Comunidade Andina e o Mercosul.
A Aliança para o Progresso –a estratégia concebida em Washington para enfrentar a influência revolucionária cubana na América Latina — tomaria para seus próprios fins algumas ideias da CEPAL, o que contribuiu para fazer com que fossem vistas como opções admissíveis, apesar das resistências reacionárias das oligarquias presas a formas mais primitivas da exploração capitalista tradicional, que as rejeitavam como “esquerdistas”.
Onde certos projetos como os de reforma agrária, e outros propostos pela burguesia industrial encontraram maior resistência da elite conservadora chegou-se a impô-los por meios autoritários, como os governos militares do Equador em 1963 e do Brasil em 1964. Com o que algumas ideias do desenvolvimentismo influíram em certas versões crioulas da chamada “doutrina de segurança nacional”, como úteis para contribuir para a paz social fomentando uma ordem interna socialmente mais aceitável, sem apelar para intervenções estrangeiras.
Em determinados países isto resultou em um nacionalismo reformista assumido por determinados líderes militares, como os movimentos encabeçados pelos generais Juan Velasco Alvarado no Peru (1968 a 75), Omar Torrijos no Panamá (1970 a 81) e Juan José Torres na Bolívia (1970-71), de quem uns anos depois Hugo Chávez seria admirador. Eles optaram por fortalecer a soberania e a autodeterminação nacionais frente ao hegemonismo neocolonial das potências dominantes, impulsionar reformas estruturais destinadas a promover o desenvolvimento como meio para solucionar as principais causas de descontentamento social em vez de reprimi-los, assim como adotar políticas externas mais independentes, afins às do Movimento dos Países Não Alinhados.
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A dimensão sub-regional do cepalismo
A estratégia cepalina de reservar o mercado interno preferencialmente ao desenvolvimento da indústria nacional, em seguida levou a procurar mercados, projetos e investimentos de maior tamanho. O que levou a integrar blocos sub-regionais de países vizinhos, associando-os mediante a adoção de taxas e políticas de desenvolvimento comuns em relação aos países ou grupos não pertencentes a seus respectivos blocos.
O que implicou em formar blocos de países vizinhos que, na maioria dos casos, tiveram um desenvolvimento econômico solidário e mais sinérgico, como a Comunidade Andina, a Caricom, o Mercosul, assim como, em menor grau, a Organização de Desenvolvimento Econômico Centro-americano (ODECA), depois transformada no Sistema de Integração Centro-americana (Sica). Cada um desses agrupamentos iria assumindo, por sua vez, outros âmbitos de integração. Em nível político, seus parlamentos sub-regionais, assim como nos campos educativo, sanitário, de turismo e de segurança. Ainda, em projetos compartilhados de comunicações, transportes e energia, entre outros.
Em geral, o desenvolvimentismo cepalino propiciou o fortalecimento do papel do Estado na orientação da economia, planejar o desenvolvimento e a criação –ou nacionalização– e o fortalecimento de indústrias e infraestruturas básicas. Com isto, fortalecer, tanto a identidade como a vontade de autodeterminação das respectivas nações ou grupos sub-regionais. No campo econômico e político, a formação desses blocos –dos quais participavam governos de distintas preferências político-ideológicas– foi, durante uma significativa etapa, a conquista de maior alcance institucional e prático do processo latino-americano de unidade e integração.
Fotomovimiento
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Emersão e agonia do Grupo do Rio
No final daquele período, surgiu ainda outro abrangente agrupamento latino-americano de caráter político-diplomático, o Mecanismo Permanente de Consulta e Articulação Política, mais conhecido como Grupo do Rio. Este Mecanismo foi sucessor da iniciativa de Contadora, criada em 1983 pelos presidentes do Panamá, México, Colômbia e Venezuela, que a tomaram para buscar solução às tensões e conflitos político-militares que penalizavam vários países centro-americanos.
O Grupo de Contadora foi constituído na ilha deste nome, célebre porque ali culminou a negociação dos Tratados do Canal, graças aos quais o Panamá recuperou a soberania e a propriedade dessa via interoceânica. Este Grupo foi idealizado com dois objetivos principais: um, buscar, em consulta a seus principais atores locais, os termos de uma negociação política de reformas estruturais capazes de resolver essa cruenta crise. O outro, evitar que os Estados Unidos interviessem militarmente na zona, já que isto agravaria os problemas até extremos mais perigosos. O interesse estadunidense estava em destruir a jovem revolução nicaraguense e impedir que as guerrilhas de El Salvador e da Guatemala pudessem levar os revolucionários ao poder e criar “outra Cuba” no istmo centro-americano. O esforço dos integrantes do Grupo de Contadora foi procurar uma solução latino-americana que superasse as causas de conflito sem intervenção estrangeira.
Ao avançar a gestão negociadora nos cinco países da América Central, outros governos sul-americanos foram decidindo apoiar política e diplomaticamente o Grupo, ampliando-o para oito e depois para doze “Amigos de Contadora”, liderados pelos quatro integrantes originais.
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Resolvido esse desafio por meio dos acordos de paz, democratização e desenvolvimento que os cinco governos centro-americanos assinaram em Esquipulas, em 1986 essa coletividade de doze nações latino-americanas, reunidas no Rio de Janeiro, optou por não se dissolver. Decidiram tornar-se um grupo de consulta e coordenação política, onde discutir os grandes temas de interesse regional e internacional –como os processos de democratização dos países latino-americanos ainda sujeitos a ditaduras, e a crise da dívida externa, entre outros–, visando adotar posições comuns.
A experiência do Grupo de Contadora foi reveladora de até onde, naqueles anos, já tinha se desenvolvido na América Latina e no Caribe, em nível governamental, uma vontade política autodeterminada e solidária, capaz de opor-se à política intervencionista estadunidense e buscar soluções próprias para seus problemas comuns.
Não obstante, essa política imperial já vinha se impondo novamente, como pilar do modo de dominação, hegemonia e controle imperial que voltava a estender-se em escala continental. Com o que, por sua vez, a experiência do Grupo do Rio –sucessor do de Contadora– ia mostrar como, no lapso dos anos 80, as pressões estadunidenses iriam quebrando, país a país, o caráter daquela emersão latino-americanista, até dobrar muitos de seus governos, transformando-o em um Grupo inócuo.
Ou para dizê-lo brevemente: a ofensiva neoliberal tinha começado.
A ofensiva neoliberal
Nos Estados Unidos, o período da pós-guerra manteve temporariamente o legado político de Franklin D. Roosevelt, enquanto o Reino Unido adotava as reformas socioeconômicas do governo trabalhista de Clement Attlee, tendentes um e outro ao que se conheceu como o Estado de Bem-estar, afím à filosofia política socialdemocrata. O que mudou drasticamente com a guinada imposta pelos mandatos de direita de Margaret Thatcher, em Londres (1978-1990), e de Ronald Reagan, em Washington (1981-89).
Ambos concordaram sistematicamente nos objetivos de reduzir as competências do Estado para intervir nas políticas econômicas e, em seu lugar, dar todo o poder ao mercado e à iniciativa privada, deixando em suas mãos a destinação de recursos. Foram baixados os impostos e reduzidos os gastos sociais, deixou de haver compromisso do Estado com o bem-estar social e se priorizou a eficiência que trouxesse maiores dividendos. Foram privatizadas as empresas pertencentes ao Estado, reduziu-se radicalmente a influência dos sindicatos e se deu fim às políticas de pleno emprego, liberando as empresas das normas e custos por desemprego.
A senhora Tatcher, mais educada e inteligente, e o presidente Reagan, com mais carisma, logo impuseram esse programa entre seus aliados europeus, fixando-o como norma nos organismos financeiros internacionais. Sua formulação doutrinária foi sistematizada no chamado Consenso de Washington, de 1989.
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A destruição do legado cepalino
Para justificar essas práticas na Europa e nos Estados Unidos, a crítica de direita afirmou que as políticas socialdemocratas tinham gerado um setor público excessivo, burocratização e deficiente administração da economia, excedendo-se em gastos improdutivos, como subsidiar grupos sociais “parasitários”, com perda de eficiência e competitividade empresarial. Isso para avalizar o pressuposto de que a gestão privada supostamente seria mais eficaz que a administração estatal.
O lançamento –sincronizado e em massa– da doutrina neoliberal contra o cepalismo na América Latina baseou-se nesses mesmos argumentos, com escassa contribuição original de seus promotores locais. Ainda assix m, esta invasão ideológica encontrou pouca resistência intelectual e política, por razões próprias desse período.
Certamente, segundo as diferentes realidades e expectativas de cada país, o cepalismo contribuíra para o crescimento econômico e favorecera o desenvolvimento social latino-americano, mas seu legado viera se deteriorando. Sobretudo, pela penetração da política eleitoral e o favoritismo paternalista na administração das empresas e serviços estatais. Sem dúvida, isso requeria revisão e depuração, reformas em sua instrumentação legal e um novo impulso político, conceitual e ético. Mas isso não justificava sua radical destruição, nem muito menos, saquear o patrimônio nacional acumulado em cada país.
O êxito da ofensiva neoliberal na América Latina não veio do mérito de seus argumentos. Ocorreu durante um debilitamento da resistência latino-americana nos anos 90, quando suas esquerdas tradicionais ainda buscavam superar as incertezas intelectuais e políticas aguçadas depois da queda da União Soviética, que durante anos perturbariam sua capacidade de enfrentar essa ofensiva e fazer contra-propostas.
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Entre os pretextos alegados para justificar o assalto neoliberal, figurou tanto a falta de recursos estatais para financiar o reequipamento tecnológico e aumentar a produtividade das empresas e serviços estatais, como a desculpa de vendê-las para obter fundos com os quais resolver a dívida externa e sanear as finanças públicas. Mas, concretamente, o objetivo foi desencadear a apropriação e o saque dos recursos nacionais pelos maiores licitantes estrangeiros ou locais. O fato de que estes se apressassem em apoderar-se desses bens foi clara prova de que tinham alcançado um valor atraente, além de seu potencial econômico.
A invasão neoliberal contou com o apoio imediato dos setores conservadores, organizações empresariais e camadas sociais mais acomodadas. E esse arrematar do patrimônio nacional ocasionou durante alguns anos uma prosperidade superficial, que justificou várias fantasias ideológicas e êxitos eleitorais da direita política.
Na Europa Ocidental e na América Latina, entre não poucos partidos socialdemocratas ou afins tornou-se moda “adaptar-se” à nova rota. Mas depois de alguns anos, depois dos devastadores efeitos sociais do neoliberalismo e do fracasso de seu modelo econômico, esse deslize não só causou a corrupção ideológica e perda de identidade da socialdemocracia; também precipitou sua queda política e eleitoral, na medida em que deixara de ser crítica do desaforo neoliberal e escudo da classe trabalhadora.
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As sequelas do neoliberalismo são hoje amplamente conhecidas: polarização da renda e dos setores sociais, com o rápido enriquecimento de uns poucos e o empobrecimento das maiorias; perda massiva de postos de trabalho, insegurança trabalhista e social, marginalização, anomia sociopolítica, desenraizamento e grandes deslocamentos migratórios. Em poucos anos isso passaria a motivar, em cada país, uma onda crescente de descontentamentos sociais, deterioração do sistema político pré-estabelecido e reiteradas manifestações sociais.
Depois da crise financeira de 2008, o próprio capitalismo teve que por freio aos excessos neoliberais e reconhecer a necessidade de que o Estado e os organismos financeiros internacionais restabelecessem regulamentações para o mercado e freios aos grandes especuladores.
Em escala hemisférica, a onda neoliberal desmantelou as organizações regionais de integração, ou as esvaziou de utilidade efetiva. O “panamericanismo”, como sistema hemisférico é, essencialmente, uma estrutura de relações bilaterais que os Estados Unidos hegemonizam separadamente com cada país da região. Por conseguinte, não é compatível com os projetos autônomos de integração latino-americana.
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A projeção neoliberal impregnou o campo ideológico
Cansa-se de argumentar que o neoliberalismo fracassou, o que é uma meia verdade. Se bem isso seja certo em nível acadêmico, como também na maior parte dos casos na gestão da economia e nas políticas públicas, a verdade é que as empresas que foram desnacionalizadas e o patrimônio público perdido não foram recuperados. Os danos causados e as pilhagens realizadas não foram revertidas. Assim como, geralmente, as estruturas, normas e medidas neoliberais implantadas na área das relações econômicas internacionais continuam vigentes.
Ainda que conceitual e moralmente derrotado, no começo da segunda década do século XXI o neoliberalismo persiste enquanto continua enraizado na “eficiente” amoralidade das corporações transnacionais, assim como na ideologia vigente na direção dos organismos financeiros internacionais, e nos reflexos dos líderes das classes e empresas mais enriquecidas, e ainda, nos de seus servidores profissionais em cada país.
Isto ocorre porque a ofensiva neoliberal também fez parte –e ainda faz– de um processo de reconstrução ideológica e moral da direita, introduzido durante a confusão e o reordenamento das esquerdas e o enfraquecimento dos Estados e empresas nacionais. Isto é, implantou-se assaltando um vazio onde o modo de pensar e o senso comum neoliberais invadiram sem grande resistência a cultura política de cada país, durante o que depois se conheceu como “a década perdida” dos anos 90.
Embora esses 10 anos de auge das políticas neoliberais tenham acabado no fracasso e crise de sua gestão econômica e social, no plano ideológico as noções matrizes de sua lógica e avidez ainda conservam sua influência. O que nos diz que hoje, uma das tarefas mais urgentes das esquerdas efetivas é reatualizar a cultura política latino-americana, para situá-la ao nível das demandas da inconformidade e indignação social já existentes.
O primeiro período progressista do Século 21
Hoje costuma-se chamar de “progressista” o clima político que se estendeu pela América Latina no início do século 21, desde a primeira eleição de Hugo Chávez, no final dos anos 90, até os primeiros quinze anos, aproximadamente, deste século. Período durante o qual, em diferentes circunstâncias nacionais, organizações e personalidades provenientes das esquerdas ganharam eleições presidenciais e chegaram ao governo em vários países da região. O que conseguiram propondo um projeto social e moralmente cheio de esperança, mas sem expectativas mais radicais do que a população e o contexto eleitoral desses anos já podiam assumir.
Essa onda progressista brotou do intenso repúdio que as políticas neoliberais já tinham obtido junto aos setores populares e as camadas médias da maioria dos países latino-americanos e caribenhos. Vinha dos efeitos da extrema exploração e insegurança no trabalho, do incremento da injustiça, da desigualdade e da pobreza, da perda de qualidade de vida, contrastando com a ostensiva corrupção e o nebuloso enriquecimento das elites que lucravam com tais políticas.
Esse mal-estar social propiciou uma sucessão de eleições ganhas –ou quase ganhas– por candidatos provenientes das esquerdas, graças ao voto de espontâneo repúdio à situação existente, sem que isto significasse que um novo desenvolvimento ideológico já se enraizara nas massas votantes. Este desenvolvimento ainda estava por ser produzido, compartilhado e divulgado por umas esquerdas em processo de renovação.
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O modo como estas personalidades e frentes de esquerda chegaram ao Governo, por meio de eleições legítimas, merece três esclarecimentos. O primeiro, que esse protesto eleitoral dos povos expressou sua rejeição às políticas e partidos tradicionais, mas não iniciava uma revolução. O segundo, que isso permitiu a estes grupos e personalidades chegar ao Governo, mas não ao Poder. E o terceiro, que chegaram ao Governo por meio de eleições enquadradas no marco constitucional e institucional pré-estabelecido, que implica normas e estereótipos político-culturais próprios de um sistema político projetado para conservar e reproduzir a ordem existente, não para mudá-la.
Por exemplo: Lula da Silva foi eleito e reeleito com a mais categórica maioria eleitoral obtida por um candidato brasileiro. Mas sempre teve que governar com minoria nas duas câmaras do Congresso e entre os governadores e prefeitos. No alto do êxito político, governou manietado pelo sistema pré-estabelecido.
Contudo, esse primeiro progressismo, em três lustros de gestão, produziu um legado continental extraordinário. Entre outras coisas –segundo as particularidades de cada realidade nacional–, deixou estabelecido que sim, é possível realizar transformações por meios democráticos. Seus governos recuperaram importantes cotas de autodeterminação nacional e soberania popular, ampliaram e fortaleceram a cidadania e conseguiram importantes reduções da pobreza; fortaleceram os direitos trabalhistas, melhoraram a distribuição de renda, ampliaram os serviços sociais –especialmente os de educação e saúde–, e obtiveram progressos na luta contra as discriminações e a marginalização, entre outras conquistas populares.
E, no plano latino-americano e internacional, fortaleceram os organismos de unidade e integração regional que já existiam e ampliaram suas atribuições –como no caso do Mercosul–, além de criar novos organismos de maior alcance e perspectivas, como a Unasul e a Celac. Ao mesmo tempo, avançaram no esforço pelo multilateralismo e a equidade internacionais. O que demonstrou novamente que a maior presença do nacionalismo progressista e das esquerdas nos governos latino-americanos –com o consequente aumento da autodeterminação e independência de seus países– incrementa o potencial regional de unidade, colaboração e integração.
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Não obstante, esses três lustros registraram também um conjunto de debilidades. Seus protagonistas foram geralmente solidários, mas sem que seus países chegassem a concretizar desenvolvimentos sub-regionais complementares, geradores de sinergias. Entre outros déficits, sua política econômica não superou a herança extrativista legada pelos anteriores governos liberais. Nos anos em que governaram os preços das matérias primas ou commodities estavam altos no mercado internacional e isso permitiu que uma maior extração e venda destes produtos ajudasse a financiar os programas de luta contra a fome e a pobreza, de educação e saúde, assim como as melhorias de outros serviços sociais, sem entrar em conflito direto com as respectivas burguesias, por não decretarem impostos mais altos e expropriações.
Mas com isso deixaram de enfrentar a necessária transformação da economia que permitiria processar em cada país essas commodities, exportando-as in natura e não como produtos elaborados. Ao mesmo tempo, ao ficar na dependência do preço externo das matérias primas para bancar investimentos sociais, quando caíram aqueles preços, estas resultaram insustentáveis. Em outras palavras, aquele progressismo mitigou os mais detestávels efeitos do capitalismo neocolonial e do subdesenvolvimento, mas lhe faltou capacidade, decisão ou apoio político para resolver suas causas estruturais.
Entretanto, durante todo esse período, a direita econômica conservou seu poder organizativo, seus operadores e clientelas e, sobretudo, a influência ideológica de seu poder de comunicação e reinterpretação dos acontecimentos, mediante seu domínio dos meios de comunicação mais influentes.
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Ao mesmo tempo, esse progressismo padeceu dos efeitos de um estilo político marcado por excessivo eleitoralismo. Por não serem governos resultantes de uma revolução, sua gestão focou na busca de apoios eleitorais adicionais entre setores e grupos que não necessariamente compartilhavam as expectativas populares. O que em vários casos levou a fazer alianças e adotar compromissos estranhos a essas expectativas, a fazer concessões no combate ao oportunismo e à corrupção, assim como a debilitar a participação dos movimentos sociais na elaboração de projetos e decisões.
Semelhante “realismo” induz um comportamento medroso, para sossegar o eleitorado das camadas médias e “centro” e evitar dar argumentos à crítica midiática de direita. O que no início se justificou como tática, ao reiterar-se constituiu uma mudança de identidade. Com isso, ao cabo de alguns anos tal progressismo seria a vítima de suas próprias omissões éticas. Até ser derrotado em países onde antes obtivera êxito, já não só pela malícia das direitas e de seus meios de comunicação, e nem apenas pela coordenação regional da inteligência estadunidense, mas também por suas próprias falhas. Porque estas tornaram esse progressismo mais vulnerável frente às maquinações inimigas, enquanto essas condutas decepcionaram muita gente que pedia uma conduta ética e política mais inequívoca.
Ante a degradação das alianças políticas do partido torrijista, uma vez o ex-presidente panamenho Ricardo de la Espriella comentou que “mais vale perder sozinhos do que ganhar mal acompanhados”. Porque podia-se perder o governo, mas não a perspectiva nacional-revolucionária, que lhe dava força estratégica.
A nova direita
O que veio em seguida é história conhecida. Com as sucessivas defenestrações de governos progressistas –já seja por meio de golpes militares, parlamentares, ou “suaves”, ou por fracassos eleitorais, mas sempre depois de desacreditar a opção progressista–, virou o balanço político continental. A renovada presença majoritária dos governos conservadores e submissos à dominação estadunidense teve imediatas consequências, contrárias ao processo de unidade e integração latino-americanas. Entre elas, a destruição da Unasul e o congelamento da Celac.
O reinado da nova direita foi bem mais do que um simples retorno ao governo dos núcleos conservadores e de seus operadores e políticos. Desde o início do passado período progressista, a condução estratégica da direita buscou superar os já gastos hábitos da política oligárquica e renovar métodos e formas de ação ideológica e política. Não lhe faltou diligente assessoria internacional, como a oferecida pelas organizações internacionais das direitas europeia e norte-americana.
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Desde então essa renovação dirigiu-se muito mais do que voltar ao Governo e à “normalidade” anterior ao progressismo. Aquela que agora conhecemos como nova direita busca o que os norte-americanos chamam de roll back profundo, ou seja, recuperar as prerrogativas econômicas e políticas que as elites conservadoras tinham acaparado desde antes da pós-guerra. Seu propósito vai além de reverter o alcançado pela democratização e pela justiça e equidade sociais nos anos do progressismo. Destina-se a eliminar as conquistas populares obtidas depois da Segunda Guerra mundial, e ainda antes, e reduzir o custo do salário real.
Objetivo que demanda um novo ideologismo, que inclui relançar o impulso doutrinário do neoliberalismo, remoçar o nacionalismo de direita, as políticas racistas e contrárias aos imigrantes, reciclar o fanatismo religioso, o machismo e a discriminação das minorias sociais –e a de grupos nem tão minoritários, como as mulheres, as comunidades rurais e os indígenas–. Ao que acrescenta-se obter uma base sociopolítica entre os setores mais angustiados pela crise geral, que anseiam por certezas e amparo, ainda que seja à sombra do autoritarismo. O que, com novas maquiagens, replica um neofascismo do século XXI.
Às vésperas de uma nova onda
Apesar de tudo, o que temos atualmente à vista na América Latina é uma retomada de crise econômica e social, tanto do capitalismo neocolonial como das opções de suas direitas políticas. O impetuoso ressurgimento da capacidade e avidez da direita econômica e política para retomar o poder, exibidos desde a segunda década do século 21, desencadeou outra onda de danos, desenganos e manifestações populares, que já puseram em questão os mais presunçosos governos de direita.
Ainda assim, o capitalismo neocolonial continua ativo e desenvolve técnicas e meios para concorrer no âmbito subjetivo. Não poucas ondas de protestos populares deflagram, comovem e com o tempo se dispersam, sem estruturar organização nem objetivos duradouros. No seio da pluralidade de grupos e territórios sociais de cada país, somam-se motivos de irritação, mas demoram a plasmar propostas e lideranças que articulem sua diversidade de expectativas, para aglutinar e manter perspectivas de maior alcance, como em sua época o cardenismo dos anos 30, o masnismo dos 40 ou o fidelismo dos 50 e 60 do século passado.
Quanto aprenderam o progressismo e as esquerdas a partir da análise dos 15 anos de sua experiência passada, para relançar e superar seus acertos sem repetir as falhas que os impediram de resistir à muito previsível contraofensiva do poder imperial norte-americano e seus renovados aliados domésticos?
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Continente em disputa
A América Latina é um continente em disputa. Há enormes interesses transnacionais, associados a fortes apetites domésticos, comprometidos com a situação reimplantada nos últimos anos. Mas ao mesmo tempo emergem setores populares crescentemente indignados e novas formas da esquerda –sobretudo da esquerda social–, assim como outras possibilidades de organização e mobilização do descontentamento popular. Tanto a direita aprendeu a desenvolver meios para dominar o pensamento das multidões, como a esquerda aprende novos modos de comunicar-se e persuadir, e de articular a diversidade de inconformidades sociais.
Não são poucas as indefinições e incógnitas que emergem no caminho do próximo período. Entre elas, as diferentes modalidades do momento que Antonio Gramsci descreveu, das circunstâncias que podem dar-se quando o pior da oligarquia dominante se debilita no controle do poder, mas os setores populares ainda não reúnem as ideias e forças requeridas para tomar o poder. Situações de empate e incerteza que, se demorarem para serem solucionadas podem ver-se diante do aparecimento de fenômenos monstruosos, como o fascismo em suas distintas modalidades.
No curto prazo, passada a Covid-19 ainda faltará enfrentar as intensidades e formas que tomará a crise econômica que já nos acossava antes da pandemia, e que esta acelerou e agravou. Fala-se frivolamente em ir para uma “nova normalidade”. Mas cabe chamar de “normal” a situação que padecíamos antes da Covid, a de lidar com a decadência do neocolonialismo neoliberal? Esta não seria uma normalidade que valha a pena “melhorar”; a questão é substituí-la por outro modo de vida.
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Estamos na rampa inicial de novos tempos: deve-se rever os objetivos, métodos e formas das alternativas sociais. Isso exige idealizar e experimentar novos modos de participações e alianças. Formas de organização e mobilização revolucionária e democrática de todo o povo, que precisam ser acopladas às atuais e próximas expectativas populares, geracionais e locais, e idealizar suas correspondentes estratégias. Cabe às esquerdas nacionais decidir entre ser observadores críticos, céticos e improdutivos, ou fazer propostas que o grosso da população possa assumir.
Não tem sentido –e seria decepcionante– entender o período que hoje começa como uma repetição dos mecanismos da anterior onda progressista. Entre aquela e a que se aproxima, há acumulação suficiente para tentar um salto maior. Como resume Guillermo Castro Herrera, “nossa América –toda ela– está ingressando em uma fase qualitativamente nova, a disjuntiva entre a revolução democrática e a contrarrevolução autoritária”.
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As opções
Desde meados do século 20 sabemos que no mundo do subdesenvolvimento sim, cabe derrotar o colonialismo e as formas mais brutais do neocolonialismo. Mas também consta que não é possível impulsionar e manter o desenvolvimento prescindindo de todos os mecanismos do mercado. Como, também, que sim, é factível controlar os instrumentos fundamentais da economia nacional e orientá-los de acordo com os interesses populares.
No entanto, para lutar eficazmente pela justiça e contra as desigualdades e a pobreza, é indispensável concretizar tanto o progressismo como o socialismo segundo as respectivas realidades, necessidades e possibilidades de cada sociedade nacional. Nenhum modelo é bom se não for econômica e socialmente sustentável.
E não é possível impulsionar um desenvolvimento progressista nem socialista sem fortalecer as adesões sociais necessárias, com a abertura e o debate plural e inclusivo que isso requer, dado que nem o socialismo nem o desenvolvimento são compatíveis com o monolitismo, o hegemonismo, nem a mera repetição de modelos passados.
Mas, antes de tudo isso é imprescindível ter presente que o mundo do neocolonialismo e do subdesenvolvimento é um mundo regido e re-produzido pelas potências exploradoras. Por isso, na América Latina as lutas pela justiça, contra o atraso, a exploração e a marginalização, pela equidade e o desenvolvimento material e espiritual exigem recuperar a soberania e a autodeterminação que isso demanda.
Para os latino-americanos e caribenhos essas lutas começam por serem patrióticas e nacional-libertadoras, anti-imperialistas. E se fortalecem no percurso para concretizar o caminho de tornarem-se nações complementares e solidárias para desenvolver sinergias.
Para tornar efetiva essa antiga possibilidade e anseio, a decisão está de novo em seu momento crucial, o momento de criar. E como adverte o primeiro parágrafo destas páginas, a mudança não pode depender de ninguém, senão de nós mesmos.
Panamá, julho de 2021.
* Tradução de Ana Corbisier
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