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Fiscais da democracia em outros países, Estados Unidos não conseguem sequer garantir o direito ao voto das minorias

"Uma tentativa de suprimir e subverter o direito ao voto em eleições imparciais e livres. (…) Estamos enfrentando a prova mais significativa de nossa democracia desde a Guerra Civil", declarou Joe Biden
David Brooks
La Jornada
Nova York

Tradução:

No começo da semana, dezenas de legisladores democratas estaduais fugiram de seu estado, Texas, para pedir socorro em Washington; o presidente Joe Biden declarou que a democracia em seu país enfrenta sua batalha mais vital desde a Guerra Civil, isso enquanto milhares marcham e se manifestam pela direita do direito mais elementar em uma democracia: o sufrágio efetivo. 

“Há um assalto em desenvolvimento hoje em dia nos Estados Unidos, uma tentativa de suprimir e subverter o direito ao voto em eleições imparciais e livres, um assalto à democracia, um assalto à liberdade, um assalto sobre quem somos…”, afirmou o presidente Biden na terça-feira (13), em um discurso na cidade da Filadélfia, chamada de berço da democracia estadunidense. “Estamos enfrentando a prova mais significativa de nossa democracia desde a Guerra Civil”, declarou. 

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Disse que apenas neste ano, 17 estados promulgaram 28 novas leis para dificultar o voto, junto a outros projetos de lei pendentes em legislaturas estaduais impulsionados por republicanos com o mesmo propósito. “Não têm vergonha?”, perguntou. Sublinhou ainda que a decisão agora é entre “democracia e autocracia”. 

Biden atacou diretamente Donald Trump e seus cúmplices por não aceitarem a derrota na eleição de 2020, afirmando que neste país “se aceita os resultados, se cumpre a Constituição… não se chamas de ‘falsos’ os fatos e depois se tentar dar fim à experiência americana só porque se está descontente… Isso não é democracia, é negar o direito ao voto”.

Suprimir e subverter o voto “é a coisa mais antiamericana que podemos imaginar, o mais antidemocrático, mais antipatriota”, acusou. 

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Ao indicar que o resto do mundo está observando, Biden disse: “me perguntam… se vai estar OK a cidadela da democracia no mundo”.  

Biden estava falando de duas ameaças, uma antiga de esforços para suprimir o voto, e outra, segundo especialista, mais nova, estreada no nível nacional no ano passado com as eleições presidenciais, da subversão ou anulação do voto.

"Uma tentativa de suprimir e subverter o direito ao voto em eleições imparciais e livres. (…) Estamos enfrentando a prova mais significativa de nossa democracia desde a Guerra Civil", declarou Joe Biden

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Apenas neste ano, 17 estados promulgaram 28 novas leis para dificultar o voto

Situação extrema

A tal extremo chegaram as coisas que na segunda-feira (12), 54 legisladores democratas estaduais fugiram do Texas, com o que fizeram impossível o quórum necessário para que os legisladores republicanos e o governador promovessem uma lei elaborada para suprimir o voto, sobretudo de comunidades latinas e afro-estadunidenses e cuja participação eleitoral ameaça seu controle do estado.

Diante disso, o governador Greg Abbott ameaçou prender todos esses legisladores quando regressem ao estado, e disse que convocará sessões especiais do congresso estadual até alcançar seu objetivo. 

“Estamos aqui em Washington porque queremos proteger o direito civil ao voto para milhões de texanos”, resumiu a legisladora estadual texana Rhetta Bowers em uma entrevista coletiva na terça-feira (13) junto com seus colegas, os quais apelaram para o Congresso federal agir o mais rápido possível para aprovar o projeto de lei Pelo Povo que inclui proteções federais para exercer o voto.

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Por sua vez, movimentos como a Campanha dos Pobres e defensores de liberdades e direitos civis afro-estadunidenses e latinos se viram obrigados a retomar a batalha pelo direito ao voto.

Foi só em 1965, com a promulgação da Lei de Direitos ao Voto, um triunfo do movimento de direitos civis dos anos sessenta, que pela primeira vez foi garantido esse direito para todo estadunidense. 

Luta pela democracia

Agora esta luta pela democracia eleitoral alcançou níveis sem precedentes durante o último ano, incluindo uma crise constitucional provocada pelo então presidente Donald Trump, cujo mandato culminou com uma intentona de golpe de Estado em 6 de janeiro.

As novas iniciativas para limitar o voto impulsionadas por republicanos são justificadas com o que agora se chama de “a grande mentira”, que começou ainda antes da eleição, quando Trump e seus cúmplices insistiram em que sua derrota era resultado de uma grande fraude eleitoral.

É algo que o ex-presidente Trump e seus seguidores continuam propagando diariamente, inclusive hoje. Isso apesar de que não há evidência de fraude e dezenas de tribunais, inclusive a Suprema Corte, recusaram o argumento por falta de evidências.

Novas leis

As novas leis e projetos de lei buscam suprimir e/ou controlar o voto de várias maneiras, desde obstaculizar o processo com novos requisitos de identificação, dificultar o acesso aos locais de voto (limitando horários e localizações) e a maneiras de emitir o voto através do correio ou de depósitos especiais.

Outras medidas estão desenhadas para outorgar mais poder às cúpulas políticas estaduais em contar e certificar o voto, o que implica até o poder de descartar o resultado se não for o desejado. 

Na quarta-feira (14), o republicano eleito mais poderoso do país, o líder da minoria republicana no Senado, Mitch McConnell, burlou-se tanto do discurso de Biden ao qual qualificou de “um disparate”, como dos legisladores texanos, dos quais disse que “na realidade, vieram a Washington tirar selfies de si mesmos, gozar dos refletores e rogar aos democratas no Senado que controlem a eleições no Texas”.

Republicanos dobram as apostas  

Entre McConnell em Washington e Abbott no Texas, tudo indica que os republicanos no nível federal e em vários estados importantes só aceleram seus esforços para suprimir e/ou controlar o suposto sufrágio efetivo. Sabem muito bem que o futuro de seu partido depende desse tipo de esforço.

Por sua vez, a disputa sobre o voto é nutrida pela campanha direitista de fake news impulsionada desde a Casa Blanca sob Trump há cinco anos, qualificando os meios que o criticavam como “inimigos do povo”.

Isso acelerou a desconfiança que já era ampla dos meios a ponto de que, segundo uma sondagem recente do Instituto Reuters de consumidores de notícias em 46 países, Estados Unidos ocuparam o último lugar — só 20% dos pesquisados confiam nos meios de comunicação.

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Assim, enquanto Washington despacha assessores ao Haiti para supostamente resgatar o que resta dessa democracia, condena Cuba e outros países (embora não alguns aliados) por não respeitar os direitos democráticos, e afirma que sua política exterior está baseada nos dois pilares de democracia e direitos humanos, dentro dos Estados Unidos ainda não se conseguiu garantir o sufrágio efetivo e universal.

David Brooks, correspondente de La Jornada em Nova York

La Jornada, especial para Diálogos do Sul — Direitos reservados.

Tradução: Beatriz Cannabrava


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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David Brooks Correspondente do La Jornada nos EUA desde 1992, é autor de vários trabalhos acadêmicos e em 1988 fundou o Programa Diálogos México-EUA, que promoveu um intercâmbio bilateral entre setores sociais nacionais desses países sobre integração econômica. Foi também pesquisador sênior e membro fundador do Centro Latino-americano de Estudos Estratégicos (CLEE), na Cidade do México.

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