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ToggleSilvia Regina Brandalise diz que não é uma médica “corajosa”, mas “indignada pelas coisas assombrosas” que vê no Brasil. Na década de 1980, ela descobriu e reportou às autoridades competentes, durante um governo militar, que o Ministério da Saúde estava importar um remédio de baixa eficácia para o tratamento de câncer de um laboratório americano. Sua denúncia levou famílias a acionar a Justiça em busca de reparação. Ela recorda que entre nove crianças tratadas com o medicamento ruim, apenas uma sobreviveu.
Após aquele caso, o Ministério da Saúde, alegando necessidade de facilitar a compra de remédios em situações excepcionais, como o risco de “desabastecimento”, passou a “afrouxar” ainda mais as regras que exigiam a comprovação de segurança e eficácia dos itens importados. Neste contexto, em que interesses difusos se misturas, ainda hoje é difícil de ver “uma linha” divisória entre o papel do Ministério e o da Anvisa, a agência reguladora que deveria fiscalizar os medicamentos.
Em meados de 2017 e 2018, lançando mão desse sistema de controle já afrouxado, o ex-ministro da Saúde do governo Temer, Ricardo Barros – hoje, pivô do escândalo Covaxin, sob o governo Bolsonaro – criou uma situação de excepcionalidade para importar um medicamento chinês para o tratamento de câncer em crianças. À época, segundo a jornalista Cristina Serra, cerca de 4 mil crianças precisavam dos remédios.
Brandalise, assim como fez na ditadura militar, denunciou a baixa eficácia do remédio chinês importado por Barros. Ela mesma se recusou a usá-lo nos pacientes da clínica Boldrini, um hospital especializado em hematologia e câncer da criança. Quando o caminhão do Ministério da Saúde chegou com o lote, ela escreveu na nota fiscal que o produto “é sujo, não serve nem pra rato, muito menos pra criança”, e devolveu tudo.
Jornal GGN
Silvia Regina Brandalise
Rio Grande do Sul
No Rio Grande do Sul, porém, crianças foram tratadas com o medicamento disponibilizado pela gestão Barros. A experiência, na prática, confirmou o que os estudos já mostravam: o uso do medicamento nas crianças era ainda pior do que o manifestado em animais. Se em camundongos o remédio chinês tinha eficácia inferior a 20%, nas crianças, o índice caiu para apenas 1%.
A compra do medicamento chinês rendeu várias reportagens assinadas pela jornalista Cristina Serra para o programa Fantástico, da TV Globo. Para além das vidas de crianças em jogo, havia fortes suspeitas de direcionamento, superfaturamento e outros crimes envolvendo a aquisição da droga chinesa. Mas a grande imprensa, possivelmente para poupar Temer de um escândalo, não repercutiu o caso (assista aqui à entrevista de Cristina Serra ao GGN).
Porta para a corrupção
Para Silvia Brandalise, tanto o caso dos anos 1980 quanto o que ocorreu sob a gestão Barros no Ministério, mostram que “a compra na excepcionalidade talvez seja a porta da corrupção”.
Para ela, gestores públicos usaram a ameaça de “desabastecimento” de remédios para criar “legislação mais fácil, mais genérica”, para facilitar a importação. “Acho que para medicamentos não poderia ter isso. Se você faz uma boa programação, você encontra lugares para comprar. A compra na excepcionalidade é uma porta para a corrupção”, disse ela em entrevista exclusiva à TVGGN com Luis Nassif.
A médica também criticou a portaria RDC número 8, de 2014, do Ministério da Saúde, que versa sobre a importação dos medicamentos constantes na lista de medicamentos liberados em caráter excepcional. Para ela, foi essa a primeira portaria a afrouxar as regras. “Se aprova uma portaria onde você tira uma frase chave – ‘eficácia e segurança comprovadas e publicadas em revistas cientificas internacionais’ – que é fundamental. E caminhou mais um pouco quando vem outra portaria que diz que o laboratório agora não precisa mais dizer de onde ele importou os insumos.”
“Percebi que na nossa legislação, a gente não tem a firmeza da fiscalização dos procedimentos”, frisou ela. “Eu recomendaria ao Ministério da Saúde rever essas portarias cujo único objetivo é afrouxar o controle.”
Silvia Brandalise também defendeu que o Ministério Público faça uma investigação independente, usando os bancos de dados públicos, para descobrir quantas crianças em tratamento para câncer perderam a vida porque nelas foram administrados o remédio chinês sem eficácia adquirido na gestão Barros.
Assista à entrevista completa na TVGGN:
Cintia Alves, para o Jornal GGN
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