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Braço direito de Pazuello no Ministério da Saúde, Airton Cascavel teve gastos suspeitos de combustível quando deputado

Ex-deputado chegou a apresentar nota de R$ 27.602,30 (valor corrigido) para reembolso de combustível durante o mandato de deputado; gasolina seria suficiente para abastecer frota mensal de veículo
Lúcio de Castro
Agência Sportlight
Rio de Janeiro (RJ)

Tradução:

Não foi um mandato expressivo.

Tampouco deixou grandes marcas no parlamento.

Duas décadas depois, o que mais chama atenção na atuação de Airton Antônio Soligo, o Airton Cascavel, como deputado federal entre os anos de 1999 e 2002 (então pelo PPS-RR), é a quantidade de combustível que alegava consumir e pela qual recebia reembolso de verba do congresso.

Números estratosféricos, suficientes para abastecer uma frota, estão revelados nas notas fiscais mensais daquele que depois viria a ser o braço direito e o número 2 do general Eduardo Pazuello no ministério da saúde em plena pandemia. Na análise de muitos, o verdadeiro ministro. E que logo após a saída do amigo general do cargo, não ficou de mãos vazias: imediatamente assumiu como secretário de saúde em Roraima, onde está. Aírton Cascavel está na relação dos pedidos para convocados da CPI da Pandemia, mas a demanda sequer foi apreciada ainda.

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O ressarcimento de despesas relacionadas ao exercício do mandato foi novidade exatamente nos anos em que Cascavel estava na câmara. A chamada “verba indenizatória do exercício parlamentar” (VIEP), foi instituída pelo “ato da mesa 62/2001” e a concessão aos deputados começou em maio de 2001. Portanto, como seu mandato teve fim em 31 de dezembro de 2002, quando renuncia para assumir mandato estadual na assembleia de Roraima, desfrutou da benesse apenas por 20 meses. Mas, como os registros obtidos através de Lei de Acesso à Informação mostram, desfrutou bem enquanto pode.

Logo no primeiro mês da novidade, no citado maio de 2001, cravou uma nota de R$ 3.291,02, (atuais R$ 17.543,41 quando corrigidos pelo IGP-M) pelo gasto em combustível naquele mês.

Duas décadas depois, olhando aquela nota fiscal de maio de 2001, entende-se que ela era muito mais do que uma declaração de um gasto de combustível. Ela era a inauguração de uma prática sistemática. Que se repetiu religiosamente mês a mês do mandato de Aírton Cascavel:

Todo mês uma nota com alto valor emitidas por um mesmo posto de gasolina. Em meio a algumas outras de pequeno valor em nome de outros postos. Questionado pela reportagem através da assessoria de comunicação da secretaria de saúde de Roraima, Aírton Cascavel alegou que o gasto teria sido em virtude de uma viagem de barco para a região do Baixo Rio Branco. A reportagem replicou que não estávamos nos referindo a uma viagem, mas a uma prática sistemática de notas de altos valores, repetidamente. Aírton Cascavel não voltou a responder. (ver íntegra da resposta de Aírton Cascavel em “outro lado”, ao fim da reportagem.

Ex-deputado chegou a apresentar nota de R$ 27.602,30 (valor corrigido) para reembolso de combustível durante o mandato de deputado; gasolina seria suficiente para abastecer frota mensal de veículo

Agência Sportligth
Airton Cascavel e o general Pazuello

Todo santo mês, religiosamente, estava lá no “departamento de finanças, orçamento e contabilidade” da câmara dos deputados, no setor de “coordenação de cota parlamentar”, a nota de Airton Cascavel emitida no Posto Trevo de Boa Vista, capital de Roraima.

NOTAS FISCAIS DE REEMBOLSO DE AIRTON CASCAVEL

5/2001   R$ 3.291,02  ATUAIS R$ 17.543,41

6/2001   R$ 3.900,00 ATUAIS  R$ 20.611,62

7/2001  R$ 5.274,00  ATUAIS R$ 27.602,30

8/2001  R$ 3.700,00  ATUAIS R$ 19.081,45

9/2001  R$ 3.980,00  ATUAIS R$ 20.245,22

10/2001 R$ 3.810,00 ATUAIS R$ 19.321,46

11/2001 R$ 4.300,00 ATUAIS R$ 21.552,27 

12/2001  R$ 4.280,00 ATUAIS R$ 21.218,70

1/2002 R$ 5.270,00    ATUAIS R$ 26.068,98  

2/2002 R$ 5.250,00   ATUAIS  R$ 25.876,56

3/2002 R$ 5.265,00  ATUAIS   R$ 25.934,95

4/2002 R$ 5.200,00  ATUAIS   R$ 25.590,95

5/2002 R$ 5.210,00  ATUAIS   R$ 25.498,17

6/2002 R$ 5.250,00  ATUAIS   R$ 25.483,29

7/2002 R$ 5.260,00 ATUAIS    R$  25.144,20

8/2002 R$ 5.220,00 ATUAIS   R$  24.474,96 

9/2002 R$ 5.208,00 ATUAIS   R$  23.865,02   

10/2002 R$ 5.200,00 ATUAIS R$ 23.270,40

11/2002 R$ 5.300,00 ATUAIS R$ 22.833,41

12/2002 R$ 5.280,00 ATUAIS R$ 21.624,95 

Airton Cascavel apresentava diversas notas de diferentes postos durante esse período. De baixo valor. Apenas a de um estabelecimento era de alto valor. Invariavelmente no “Posto Trevo”. Na beira da Avenida Venezuela, no bairro de São Vicente, na capital de Boa Vista, o posto leva o nome em referência ao trecho da via onde está, exatamente em frente a um trevo rodoviário. Na ilha rotatória, os destinos da placa de sinalização indicam a localização de Boa Vista estando no pedaço fronteiriço de Brasil. As setas para a direita apontam o caminho do aeroporto e da Venezuela. Para esquerda está Manaus e seguindo reto vai dar nas Guianas.

Mas Airton Cascavel parava mesmo era no posto. Mensalmente. E saia com sua nota para reembolso no congresso. Como a de 25 de março de 2002, em que o posto emitiu a nota do mês com despesa de R$ 5.265,00, atuais R$ 25.934,95 (correção pelo IGP-M). E 4.210,5 litros de óleo diesel consumidos. E não era só óleo diesel. Na mesma nota está discriminado o consumo de 780,8 litros de gasolina, mostrando que o deputado exerceu com louvor o então novo instrumento de reembolso parlamentar.

POSTO É DE SÓCIO DO GOVERNADOR ANTÔNIO DENARIUM, ALINHADO COM BOLSONARO

O posto em que eram emitidas as notas mais altas de Airton Cascavel pertence a Clever Ulisses Gomes. Bem relacionado ao poder local e empresário do agronegócio, com histórico de cultivo de milho e soja em Mucajai, no interior do estado, além de uma fábrica de laticínios em Iracema, ambas no interior do estado, Clever deu um passo maior na direção dos mais influentes locais ao virar sócio do governador local, Antônio Denarium.

O Frigo 10 foi aberto em 2017, com investimento de mais de R$ 30 milhões. Além do governador e de Clever Ulisses, estão mais oito empresários locais.

Mas as relações de Clever com o poder não fica aí. O Posto Trevo é uma referência quando se fala em abastecimento de combustível de políticos locais. Uma relação de 10 deputados e 4 senadores apresentaram notas do local para reembolso. A reportagem não conseguiu contato com o proprietário do Posto Trevo.

O senador por Roraima Chico Rodrigues, que se notabilizou por esconder o dinheiro na cueca durante uma operação da polícia federal quando era vice-líder do governo Bolsonaro, enquanto deputado batia ponto mensalmente no posto. Suas notas entre 2009 e 2010 são como um relógio suíço, com exatidão impressionante: abastecia sempre no valor de R$ 4.500. Nem um litro a mais, nem um litro a menos. R$ 4.500,00 todo mês, num caso exemplar a ser estudado de veículo bem disciplinado e com consumo rigorosamente igual todos os meses.

Entre mais de uma dezena de deputados que apresentaram notas regulares do Posto Trevo, o recordista foi o deputado Remidio Monai (PR-RR), que teve mandato entre 2015 e 2019. No período, sempre com altos valores mensais, apresentou no congresso 55 notas do posto. Logo no ano de batismo na câmara, bateu o recorde na nota de R$ 6.000,00, em 6 de março de 2015.

Uma série de reportagens da Agência Sportlight de Jornalismo mostrou o histórico de Airton Cascavel antes de virar o braço direito do general Pazuello. Denúncia de corrupção ativa por parte do Ministério Público Federal, grilagem de terra e nepotismo.

No ano passado, a Agência Sportlight fez uma série de reportagens mostrando que Jair Bolsonaro, durante seus mandatos de deputado federal, também apresentou notas com consumo de combustível em altas quantidades. Em uma dessas reportagens, uma das notas descrevia consumo de 2.831,38 litros de gasolina em 2006. O então parlamentar também repetiu as notas mais altas em um determinado posto.

Outro lado:

A reportagem enviou questionamento para Aírton Cascavel sobre os altos valores e grandes quantidades de combustível alegadas como despesa em notas entre os anos de 2001 e 2002. Através da assessoria de imprensa, o atual secretário de saúde de Roraima alegou que fez “uma” viagem de barco em longa distância, o que explicaria tal alto consumo. A reportagem enviou réplica, dando conta de que estávamos nos referindo a apresentação das notas de alto valor como uma prática sistemática e repetida ao longo de meses. Aírton Cascavel não voltou a responder. Segue a íntegra da resposta enviada pela assessoria do secretário de saúde de Roraima:

Resposta:

“Sobre a demanda, o então deputado federal Airton Soligo esclarece que o pedido de reembolso feito à época em que exerceu o cargo de deputado federal e referia-se a uma viagem à região do Baixo Rio Branco.

O objetivo da viagem foi verificar de perto a situação das comunidades para a destinação de recursos por meio de emenda parlamentar para a realização de obras na região.

O acesso à localidade é via fluvial e o combustível foi utilizado no barco que o levou até a localidade e para os deslocamentos entre uma comunidade ribeirinha e outra.

A distância entre o ponto de partida, que é o porto do município de Caracaraí, e o de chegada, que é a comunidade de Santa Maria do Boiaçu é superior a 260 quilômetros. A ida, a volta e o deslocamento entre as comunidades da região resultaram em mais de 700 km navegados e mais de 72 horas de consumo de combustível. Tudo apresentado em nota fiscal”.

Lúcio de Castro, da agência Sportligth


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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