Os acontecimentos ocorridos em mais de 700 municípios da Colômbia a partir da realização da Greve Nacional de 28 de abril não foram fabricados por alguém, assim como o governo do Duque e seus funcionários tentam inutilmente afirmar.
O que tem acontecido faz parte de um período histórico de greve de massas com raízes profundas objetivas na situação socioeconômica e política, que se manifestou na Colômbia desde o dia 21 de novembro de 2019 e durante todo o mês de dezembro daquele ano. O governo e a maioria governista do congresso acreditaram que podiam lançar sobre as grandes mobilizações de protesto a aprovação de uma reforma tributária em favor das transnacionais e dos mais ricos, multiplicar o assassinato de líderes sociais e que tudo iria ficar por isso mesmo.
Temos que entender qual é o caráter latino-americano e internacional do que está em curso. Não se trata de um “plano” de alguém, mas sim do resultado da crise mundial das políticas neoliberais e da situação de miséria e de opressão política que o capitalismo tem submetido aos povos.
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A ditadura de Duque se nega a corrigir sua política econômica e responde com mais e mais opressão
Em 2019 as mobilizações no Haiti e Porto Rico, a greve de outubro no Equador, as mobilizações gigantes no Chile, e a valente luta dos indígenas, camponeses e operários da Bolívia contra o golpe de estado policial fascista, antecederam e impulsionaram a dimensão da greve na Colômbia.
Em 2020 a pandemia adiou as mobilizações, mas em maio, os protestos nacionais massivos nos EUA contra a violência policial e o racismo após o assassinato de George Floyd quebraram o gelo. A greve massiva que bloqueou totalmente as vias da Bolívia em agosto obrigou a convocação de eleições. Os grandes protestos contra a violência policial na Nigéria contra a corrupção, a tentativa de golpe de estado parlamentar em novembro no Peru, a greve geral na Indonésia e as manifestações pela democratização da Tailândia quebraram a quarentena, assim como em 2021 a greve camponesa da Índia e as manifestações contra o golpe militar em Myanmar.
Na Colômbia, como nos EUA e na Nigéria, foi a violência policial que quebrou a quarentena no dia 9 de setembro de 2020 e desencadeou um levantamento geral dos bairros populares de Bogotá, depois da marcha solidária dos povos do Cauca e dos indígenas de Caldas, Huíla e do Valle que marcharam pela cidade dia 21 de outubro e a tomada do aeroporto Eldorado que os Misak fizeram por 7 horas.
O treinamento, adaptação e equipamento das polícias para oprimir e humilhar ao povo pobre e para tentar esmagar as mobilizações populares, é uma constante internacional que cada habitante de um bairro popular sofre na maioria das cidades do mundo, por qualquer motivo.
A pandemia enfatizou os graves danos do neoliberalismo sobre a maioria da população. Especialmente, evidenciou as falências do negócio com a área da saúde, mas além disso, na Colômbia, o governo não vacilou em tomar medidas econômicas em favor da banca enquanto apenas entregou migalhas aos mais pobres, negou auxílios aos pequenos empresários e microempresários e deixou sozinhos aos camponeses que tinham suas colheitas prontas. Para completar, não se preocupou, a tempo, em fazer pedidos de vacinas para deter o vírus.
O terremoto que se sentiu na Colômbia desde o dia 28 de abril, que alguns chamam “explosão social”, é o aprofundamento do período de greve de massas em nosso país. O epicentro foram as favelas de Cali. O estopim foi a “nova” reforma tributária com a que quiseram fazer os trabalhadores e a classe média pagar o que se descontou às transnacionais e aos mais ricos e o que lhes tem dado aos bancos. A crise do sistema de rodovias em concessão expressada na multiplicação dos pedágios e suas altíssimas tarifas colocou o ingrediente para estender o protesto.
As marchas gigantes em Bogotá, Medellín, Bucaramanga, Cali, Pereira, Manizales, Armenia, Villavicencio, Barranquilla, Buenaventura, Pasto, Ibagué, Neiva, Barrancabermeja, e Popayán, com importante presencia indígena apoiando os bairros e derribando estatuas dos colonialistas; os bloqueios de vias que realizaram os caminhoneiros em diversas regiões do país (Meta, Boyacá, Caldas, Quindío, Tolima), se uniram a mobilizações nas rodovias de camponeses de Catatumbo, Curumaní (Cesar), Arauca, Boyacá, Meta, Yondó (Antioquia), Sumapaz y Cauca, indígenas, comunidades negras e população da periferia das cidades.
A diáspora colombiana se tem manifestado massivamente em apoio à greve nacional em Nova Iorque, Londres, Berlim, Paris, Bruxelas, Madri, Valência, Buenos Aires, Santiago, Quito, San José (Costa Rica), Panamá, México, Miami e Washington. Outros atos com presença significativa aconteceram em muitas outras cidades do mundo, incluídas São Paulo, e Rio de Janeiro.
Tudo isso provocou a ira da oligarquia que sentiu que lhe pisavam os dedos dos pés. Em vez de negociar, tem desencadeado sua resposta assassina com balas, não só da polícia a suas ordens, mas também de grupos paramilitares urbanos que atuaram em coordenação com as forças do estado e máfias da delinquência.
A “democracia restringida” colombiana, que assassina líderes sociais diariamente, que quer fazer destruir os acordos de paz, não tem duvidado em instaurar uma ditadura contra o protesto popular:
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mediante os decretos que ordenam os prefeitos e governadores a aceitar uma “assistência militar” para atacar as mobilizações;
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processos de extinção de domínio contra os caminhoneiros que protestam contra os pedágios caros e imputações contra manifestantes e líderes sociais;
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processos contra os congressistas de oposição, ordenados pela procuradoria do bolso e ex-ministra do Duque e o trâmite de urgência de um projeto de lei inconstitucional que torna em juiz da república que pode ditar sentenças penais, à procuradoria, que na Colômbia é um organismo de mera vigilância administrativa.
A ditadura das balas do Duque se baseia no dogma de que os bloqueios são um delito, com o qual criminaliza os bloqueios de vias, apesar de que mantiveram por semanas corredores humanitários para a missão médica e para o abastecimento de alimentos e artigos de primeira necessidade. Assim se incitou o tiroteio dos manifestantes que já tem custado a vida de 76 deles e um olho a dezenas.
A “assistência militar” é um truque para burlar os controles constitucionais e de conveniência à declaração do Estado de Exceção, que não se declara para que o governo use as forças armadas à vontade e enfrente a tiros a mobilização popular. Já não é só o ESMAD que mata manifestantes, mas desde o dia 9 de setembro, os patrulheiros, e desde 2021 o GOES, e como sempre os paramilitares, que agora se atrevem a se deixar filmar atuando em conjunto com policiais.
Embora o ministro de defesa assegure que o ESMAD só matou 3 manifestantes desde que foi criado, na realidade há 45 denúncias de assassinatos cometidos por esse esquadrão em diversos lugares do país até 2020. Embora durante a greve de 2021 esse esquadrão tem sido acusado de 19 das mortes, é evidente que já não se trata apenas da questão comportamental de uma das forças que integra a polícia, mas de um aparato ditatorial à frente do qual o ministro Molano se tem colocado.
A ditadura de Duque se nega a corrigir sua política econômica e responde com mais e mais opressão. Com isso, não faz mais do que aprofundar as causas da greve de massas, que não é simplesmente uma greve, mas uma cadeia de mobilizações que se aumentou a partir do dia 21 de novembro de 2019. Assim o tem ensinado Chile e Peru com maestria. Estamos em um momento em que qualquer conflito econômico ou político desencadeia uma ampla resposta popular. Por exemplo, Usme se levantou contra as medidas para impor o monopólio do Transmilenio e, de agora em diante, a população não vai ficar quieta em cada lugar quando violem seus direitos.
O mais importante da greve de 2021 tem sido o protagonismo dos bairros populares das cidades e povoados, dos jovens, das mulheres e dos artistas. A dinâmica da greve de massas tem levado a que surjam formas de auto-organização autônomas como as primeiras linhas em todo o país, as grandes assembleias populares, as panelas comunitárias e festas de protesto nos Portais de Bogotá, os comitês locais e a prometedora União das Resistências em Cali, que têm sido reconhecidos como interlocutores por alguns prefeitos e governadores.
O magistério que faz parte do comitê nacional tem desempenhado um papel destacado durante a greve. Também alguns sindicatos têm sabido se articular às mobilizações locais. Por decisão própria, os portuários de Buenaventura pararam a atividade do porto. Claro, o comitê nacional de greve não podia nem pode ser capaz de lidar com o turbilhão da mobilização de uma greve de massas. Seu papel, além de convocar, é tratar de orientar. Mas é inevitável que surjam novas coordenações de setores mobilizados, que só se podem unificar em quanto se lhes reconheça.
Sem dúvida, a luta pela renda básica de emergência é vital para todos os setores mobilizados e primeiro que tudo para a juventude que é a mais afetada pelo empobrecimento, falta de oportunidades e o desemprego. Os caminhoneiros precisam de uma redução de tarifas e do número de pedágios, mas o país precisa do fim do esquema neoliberal de rodovias por concessão. Assim como deteve a lesiva reforma da saúde, o Congresso não deveria permitir o trâmite de uma reforma tributária que não seja pactuada com os setores que pararam.
Os caciques políticos temem como a morte que as eleições de 2021 lhes causem uma derrota eleitoral histórica. Por isso fazem coro à favor da ditadura. Tem armas velhas de fraude como a falta de controle de impressões digitais e assinaturas dos votantes, a transmissão errada de dados e a intervenção dos computadores da Registraduria por hackers. Mas sabem que sem esmagar ditatorialmente o protesto vão de qualquer forma perder as eleições.
No entanto, o processo atual não tem como objetivo umas simples eleições. Como dizem os jovens dos bairros, se trata de que eles conquistem um futuro diferente para eles e para a Colômbia, em que o povo organizado decida e dirija seu destino em paz. Se conseguimos nos unir, assim será.
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