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Vitória de Castillo fortalece sonho de uma América Latina unida contra o imperialismo, diz líder do Peru Livre

A aliança reúne 26 organizações acadêmicas e da sociedade civil, incluindo movimentos negro, feminista e LGBTQIA+
Leonardo Wexell Severo
Diálogos do Sul Global
São Paulo (SP)

Tradução:

Membro do comando nacional do Partido Peru Livre, secretário de Organização  em Lima, Yuri Castro, afirmou nesta entrevista exclusiva que “a chegada de Pedro Castillo à presidência fortalece o sonho de Bolívar de uma América Latina unida frente a um império que nos trata como seu quintal”. 

“É hora de avançarmos juntos para nunca mais sermos colônia”, destacou Yuri, para quem é fundamental ampliar a arrecadação fiscal do Estado, revertendo a lógica neoliberal que repassa às mineradoras transnacionais de 70% a 80% dos lucros. “Nós propomos inverter este cálculo e que o país fique com a maior parte”, frisou o dirigente, apontando que é daí que virá o dinheiro necessário para investimentos públicos tão necessários, e dos quais o povo peruano é tão carente, como educação e saúde. 

Para avançar, Yuri enfatizou a necessidade de romper com a camisa de força da dependência, imposta pela desindustrialização/ desnacionalização. “No Peru praticamente não há indústrias, porque repetindo o conto de que ‘o Estado é um mau administrador’ os neoliberais deixaram que tudo fosse sendo quebrado. Nós temos o compromisso de investir na industrialização”, sublinhou.

 

Na sua avaliação, qual o significado da eleição de Pedro Castillo para a história do Peru?

Na realidade está é a primeira vez em 200 anos que o nosso país escolheu um homem do povo, vindo da área rural, que soube canalizar de maneira brilhante o sentimento popular para realizar as transformações que o nosso país tanto precisa. Pedro Castillo chega à Presidência conectado com os mais esquecidos, com os que menos têm, precisamente por sua origem andina e por ser um professor de escola. Esta vitória é um ato histórico, pois não é somente a eleição do primeiro presidente de esquerda da história do Peru, mas do primeiro presidente camponês.

 

E do ponto de vista da integração latino-americana?

Nós acreditamos que a América morena, a América Latina precisa estar coesa, unida, para seguir em frente. Há pouco estivemos reunidos com os companheiros da Argentina, com quem sempre estamos compartilhando, da mesma forma que com vocês [brasileiros], valorizando os encontros entre os nossos povos.

Para nós, o projeto da União de Nações Sul-Americanas (Unasul) é extremamente importante porque a Comunidade Andina de Nações (CAN) não cumpriu com o seu papel. Precisamos impulsionar uma integração latino-americana muito maior, para podermos competir em condições de igualdade e ter uma posição muito mais forte frente às grandes potências. Neste sentido, acredito que a vitória do Peru Livre fortalece o sonho de Bolívar de uma América Latina unida frente a um império que nos trata como seu quintal. É hora de avançarmos juntos para nunca mais sermos colônia.

Durante a campanha, Pedro Castillo reiterou a importância do papel do Estado, a fim de garantir melhores condições de vida para os peruanos. Como fazer para tirar do papel a agenda de mudanças e os compromissos assumidos?

Nós temos apontado, claramente, que a atual Constituição do Peru tem uma concepção neoliberal, criada pela ditadura de Alberto Fujimori (1990-2000) para presentear as empresas transnacionais com recursos que são de todos. Consideramos essencial recuperar estes recursos, ampliando a arrecadação fiscal para garantir mais benefícios à população, principalmente aos mais necessitados.

Antes, quando as mineradoras cobravam preços extorsivos todos os superlucros extraídos por estas transnacionais eram transferidos para fora do país, servindo para enriquecer as potências mundiais.

Na atualidade, lastimosamente, entre 70 a 80% dos lucros destes conglomerados ainda vão para o estrangeiro, deixando o país com somente 20% ou 30%. Nós propomos inverter este cálculo e que o povo peruano fique com a maior parte, uma vez que o recurso é nosso, o subsolo de onde este minério é extraído é nosso e não há nenhum sentido na manutenção desta lógica. Por isso, precisamos renegociar cada um desses contratos e fazer uma mudança constitucional.

A aliança reúne 26 organizações acadêmicas e da sociedade civil, incluindo movimentos negro, feminista e LGBTQIA+

Reprodução
“É hora de avançarmos juntos para nunca mais sermos colônia”, destacou Yuri Castro, membro do comando nacional do Partido Peru Livre.

Quais os passos a serem dados para garantir esta mudança e romper com as amarras impostas pela atual Constituição fujimorista?

Nós temos duas alternativas, legalmente falando. A primeira é que o Congresso aprove a mudança constitucional por meio de uma moção. A segunda é modificar a Constituição por meio de um referendo. Esperamos que o Congresso saiba captar a voz do povo peruano, que está majoritariamente a favor da mudança constitucional, e facilite a transformação. Se isso não ocorrer, precisaremos fazer as alterações por um caminho mais longo.

 

Para este processo de avanços políticos, econômicos e sociais, qual o papel da industrialização?

Nós, como Peru Livre, defendemos que se deve priorizar a industrialização, a fim de fortalecer a independência. Em nosso país temos uma indústria manufatureira incipiente, instalada pelo governo de Juan Velasco Alvarado (1968-1975) com as montadoras de veículos vindos do Japão. Com a queda de Velasco e a passagem dos demais governos até a chegada de Alberto Fujimori (1990-2000) foi destruído o pouco que até então havia e se preferiu a importação de produtos acabados, agora fundamentalmente da China.

Inclusive a indústria têxtil peruana, que chegou a ser uma das mais importantes, encontra-se extremamente golpeada porque as produtoras de tecido foram obrigadas a fechar por não ter havido a proteção necessária, não terem sido colocadas barreiras protecionistas.

Em muitas eleições os assentos do parlamento foram tomados por representantes de um conjunto de lobistas para favorecer as transnacionais.

Na área têxtil, por exemplo, trazem roupas importadas por um dólar o quilo. Desta forma, atualmente, apenas uma em cada dez peças é nacional. Assim uma das nossas indústrias mais importantes encontra-se sucateada. Uma indústria que era resultado de puro empreendimento nacional quebrou porque os governos não investiram, o Estado se “esqueceu” de proteger os seus.

E é importante frisar que temos um dos melhores algodões do mundo, mas com a indústria têxtil extremamente golpeada. Então os empresários se queixam constantemente de que não lhes é dado apoio. E nós daremos.

No nosso país há uma lei, que não se cumpre, que determina que os grandes supermercados, atacadistas e lojas deveriam vender pelo menos 40% de roupa peruana e que os outros 60% poderiam ser importadas. E isso não é cumprido, embora seja lei.

Isso tem levado à quebradeira da indústria nacional. Somente Gamarra [um conjunto de pequenas e microempresas de confecção e do ramo têxtil] chegou a gerar quase dois milhões de empregos, muita mão de obra e renda, e um comércio muito grande. Havia centenas de unidades de produção, milhares de lojas, que simplesmente desapareceram. Essas pessoas a única coisa que pedem é que olhem para eles e que deixem de ser mantidos à margem, no esquecimento.

No Peru não há refinarias, não há absolutamente nada de indústrias, porque repetindo o conto de que “o Estado é um mau administrador” os neoliberais deixaram que tudo fosse sendo quebrado. Nós temos o compromisso de investir na industrialização.

Na mesma semana da eleição, fomos informados de que o número de mortos pelo coronavírus no país supera os 180 mil mortos, mais do que o dobro do anteriormente anunciado. O que fazer para enfrentar a pandemia?

Como partido Peru Livre, já tivemos conversações com o governo da Rússia para a compra de 20 milhões de vacinas Sputnik e o atual presidente [Francisco Sagasti, interino desde novembro de 2020] também informou que já há um contrato de compra de 60 milhões de vacinas. Esperamos uma vacinação rápida e eficiente para evitar a multiplicação de mortes.

Com este compromisso, temos ao nosso lado a presidente do Sindicato das Enfermeiras, que são as que trabalham, se dedicam ao tema da vacinação e o conhecem muito bem.

A vacina Sputnik serve para chegar aos locais mais distantes do país, porque não necessita um sistema de refrigeração muito avançado, podendo se manter com gelo seco e durar vários dias. E esta questão da temperatura é importante.

Nós também temos a intenção de passar a fabricar uma vacina própria, que se desenvolva com investimentos do Estado em ciência e tecnologia, para deixarmos de depender da indústria farmacêutica internacional.

 

Uma palavra aos brasileiros.

Que estejamos cada vez mais unidos e mobilizados para combater o imperialismo, que é o nosso inimigo comum. Que nossa experiência sirva para fortalecer a imprensa alternativa, comprometida com os fatos, com a verdade e a libertação dos nossos povos.


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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