Conteúdo da página
ToggleBons ventos de Oxford
Não dá para sonhar que uma vacina segura e eficaz estará disponível num piscar de olhos, mas ontem (20) tivemos notícias animadoras vindas de ensaios clínicos. A primeira delas já havia sido adiantada pela imprensa britânica alguns dias atrás e agora foi confirmada por um estudo revisado por pares, publicado na revista The Lancet: em testes com 1.077 voluntários saudáveis, a vacina da Universidade de Oxford e da gigante farmacêutica AstraZeneca demonstrou induzir fortes respostas, tanto de anticorpos neutralizantes quanto de células T. Não houve efeitos colaterais graves.
Para lembrar: anticorpos são pequenas proteínas que atacam diretamente os vírus (e os anticorpos neutralizantes podem desativar o coronavírus, impedindo que ele ataque células humanas), enquanto as células T conseguem identificar células infectadas e destruí-las. Nos últimos tempos, pesquisas indicam que as células T parecem ter um papel fundamental no combate ao coronavírus dentro do corpo.
Porém, as conclusões apresentadas ontem ainda não indicam que o caminho está perto de acabar. Elas são referentes às fases 1 e 2 dos ensaios, quando se analisa a segurança e, de modo preliminar, a eficácia da vacina – mas ainda é preciso saber se os voluntários se tornam realmente imunes ao coronavírus e quanto tempo essa imunidade dura. Resultados positivos nas primeiras fases apoiam a realização da fase 3, em larga escala, que vai enfim trazer essas respostas. É dela que o Brasil está participando, com cinco mil voluntários para testar essa vacina específica. Também há voluntários inscritos no Reino Unido e na África do Sul.
Os testes aqui estão sendo feitos em parceria com a Unifesp (em São Paulo) e com o Instituto D’Or (no Rio). Caso haja conclusões favoráveis até o fim deste ano, o imunizante poderia ter o registro liberado em meados de 2021, segundo a reitora da Unifesp Soraya Smaili. Para a produção, há um acordo com a Fiocruz.
Outros resultados
Também no periódico The Lancet e com revisão de pares, foram publicados os resultados de fase 2 de outro imunizante: a potencial vacina da chinesa CanSino Biologics, desenvolvida com a Academia Chinesa de Ciências Militares, que mostrou segurança e induziu resposta imune em um ensaio com cerca de 500 pessoas.
Mas, nesse caso, já havia algumas preocupações desde que a fase 1. Essa é uma vacinha de vetor viral, que usa um vírus de resfriado humano enfraquecido (o adenovírus 5, ou Ad5) para ensinar o sistema imunológico a reconhecer o SARS-CoV-2. Mas, como muitas pessoas já tiveram infecções anteriores com Ad5, há um risco de o organismo reconhecer o adenovírus, em vez do SARS-Cov-2.
Segundo o site Health Policy Watch, candidatos a vacina contra o HIV que usam esse vetor acabaram aumentando o risco de infecção em estudos anteriores, e ainda não se sabe se o imunizante em questão pode ter um efeito parecido para o coronavírus.
Nessa fase da pesquisa, os voluntários fizeram exames para avaliar a resposta imune, mas não foram expostos ao SARS-CoV-2, de modo que não dá para saber se o seu risco de infecção caiu ou subiu.
Foi essa a vacina que recebeu licença para uso das Forças Armadas chinesas, mesmo sem aprovação. Em paralelo, a CanSino está planejando sua fase 3.
Outras Palavras
Surge também uma esperança real contra a microcefalia provocada por zika
Aqui, agora
Outra candidata chinesa, a CoronaVac (da Sinovac Biotech) vai começar a ser testada no Brasil hoje. O Instituto Butantã recebeu 20 mil doses de imunizante e de placebo que vão ser usadas nos ensaios com cerca de nove mil participantes, em 12 centros de referência brasileiros. Assim, são duas as vacinas em testes no país agora.
E a Anvisa revelou que avalia mais dois pedidos de autorização para estudos clínicos com imunizantes no Brasil – mas não disse nomes. A previsão é que um deles saia nos próximos dias.
Algumas perguntas
Hoje, executivos de cinco gigantes farmacêuticas envolvidas na pesquisa de vacinas contra o novo coronavírus (AstraZeneca, Johnson & Johnson, Merck, Moderna e Pfizer) devem comparecer a uma audiência no Congresso dos Estados Unidos para falar de seus progressos.
O STAT lista algumas perguntas que precisam ser feitas (mas não sabemos se serão): os cronogramas que falam em distribuição generalizada de uma vacina até o fim do ano que vem são mesmo realistas? O que garantiria essa rapidez na distribuição? Quanto vão custar as doses? Quem vai receber as vacinas?
Há uma questão importante em relação à segurança. Quando se demonstra segurança em fases 1 e 2 (como vimos agora, com a vacina de Oxford), ou mesmo na fase 3, isso se refere a um número relativamente baixo de voluntários – no máximo algumas dezenas de milhares. E, segundo o STAT, algumas empresas estão sugerindo que autorizações de uso emergencial sejam dadas a partir de outubro, com apenas meses de testes em humanos.
No caso específico dos EUA, diz o texto, os fabricantes ficam isentos de responsabilidade se uma vacina ou medicamento desenvolvido em resposta a uma emergência de saúde causar danos às pessoas que a receberem. Se não houvesse essa “proteção”, as empresas arriscariam lançar no mercado um produto testado por pouco tempo? O processo será mais lento em países onde precisam se responsabilizar?
No horizonte
Embora a covid-19 domine o noticiário na saúde, uma novidade importante do dia vem das pesquisas com o vírus zika. Cientistas do Brasil, da Argentina e dos Estados Unidos conseguiram barrar sua ação em camundongos, evitando danos no cérebro de fetos.
Primeiro, eles descobriram o mecanismo de ataque do zika e descreveram como o vírus atravessa a placenta, se espalha pelo cérebro do feto e se multiplica pelos neurônios, causando a microcefalia.
Quando invade uma célula, esse vírus atua sobre uma proteína (o receptor AHR) que é ativado e limita a produção de células imunes; a imunidade própria das células também é suprimida, e então o vírus fica livre para se multiplicar.
A partir dessas descobertas, os pesquisadores decidiram testar em camundongos um medicamento que impede a ativação desse receptor AHR. E deu certo: a resposta imune das mães melhorou, houve um bloqueio total da ação do vírus e melhora nas lesões cerebrais dos fetos.
“Os fetos tratados com a droga voltaram a nascer com peso normal. O comprimento total dos animais também melhorou. Na placenta e no cérebro, pudemos observar que a remissão do vírus foi total,” afirma o imunologista brasileiro Jean-Pierre Schatzmann Peron, ao G1.
Agora, o próximo passo é fazer testes em macacos e, depois, estudos clínicos em humanos. Mas só depois que a pandemia de coronavírus passar. Até lá, as atividades nos laboratórios envolvidos estão voltadas para pesquisas sobre o SARS-CoV-2.
Crescendo sempre
Por mais rápido que possam vir as vacinas contra a covid-19, terão no mínimo mais alguns meses de espera. Não à toa, o diretor da OMS Tedros Ghebreyesus disse ontem que “não precisamos esperar por uma vacina, podemos salvar vidas agora” – referindo-se à urgência de os países aplicarem técnicas de rastreamento de contatos para conseguir identificar e isolar casos (muitas vezes assintomáticos).
No Brasil, ao contrário, só nos tem restado observar os números, enquanto não há imunizantes. O que, obviamente, não é uma solução. Ontem chegamos a 80.251 óbitos e 2.121.645 casos confirmados, sendo 718 novas mortes e 21.749 novos casos nas 24 horas anteriores. A média de óbitos dos últimos sete dias ficou em 1.047.
Na região Sul – onde ainda há poucos casos em números absolutos – o número de infecções triplicou em apenas um mês, saindo de 49.908 no dia 20 de junho para 155.078 na manhã de ontem. As mortes, idem: saltaram de 1.095 para 3.264.
O presidente Jair Bolsonaro já foi denunciado ao Tribunal Penal Internacional (TPI), em Haia, em três queixas por sua conduta na pandemia. O El País conversou com o advogado argentino Luís Moreno Ocampo, primeiro promotor-chefe do TPI, que avaliou as chances de que seja aberta uma investigação e que haja um julgamento. Não parecem ser muito altas:
“A Corte exige que seja provada a intenção de cometer um crime contra a humanidade. Para ter um crime julgado em Haia, precisa ter sido demonstrada a intenção. Genocídio é provado pela intenção de destruir um grupo. Crimes contra a humanidade pressupõem uma política para conduzir um ataque contra a população. É preciso provar a intenção. (…) Não é suficiente negligência”, sublinhou.
Sem problemas
O repórter Ranier Bragon, da Folha, entrevistou uma série de parlamentares para uma avaliação de Eduardo Pazuello, o interino da Saúde. Na mesma linha do que governadores e secretários de saúde vinham fazendo, houve elogios – e, claro, no barco da boa vontade com o general estão a base do governo e o Centrão.
O líder da bancada do DEM, deputado Efraim Filho (PB) chega a defender a permanência de Pazuello: “Vimos o que ocorreu com a saída do Mandetta, que fazia um bom trabalho, e ao alterar o ministro, altera toda a equipe, e se perde um longo tempo de ajuste, tempo que já não dispomos. O que deveria ser feito era focar no trabalho do ministro Pazuello e contribuir com ele e a sua equipe. Pensar menos na política e mais na nação”.
Apesar dos números inegavelmente desastrosos da pandemia no país, os políticos justificam seu apreço citando o “empenho” do interino em relação ao diálogo e sua capacidade de gestão e logística, com entrega de equipamentos e insumos. É interessante porque a distribuição dos testes, por exemplo, segue caótica, e a pasta sequer informa quantos testes rápidos já foram feitos na rede pública – mesmo que, ao que parece, seus resultados estejam entrando nas estatísticas.
Uma coordenação federal para garantir que os testes disponíveis sejam usados de forma racional, não temos. Para rastrear contatos, menos ainda. A baixa execução dos gastos não cansa de ser manchete. Remédios necessários para intubação ficaram em falta durante semanas em vários estados… A distribuição de hidroxicloroquina, por outro lado, vai bem.
Em família
A Casa Civil, comandada pelo general Walter Braga Netto, liberou a contratação pela ANS da filha do próprio Braga Netto para uma vaga de gerente, com salário de R$ 13.074. Se confirmada a nomeação, Isabela Oassé de Moraes Ancora Braga Netto vai ocupar o cargo do servidor de carreira Gustavo de Barros Macieira.
Trump e os dissidentes
Os Estados Unidos já estão com 3,8 milhões de casos confirmados e o número de mortes passa de 140 mil em todo o país. Vendo seus estados chegarem a níveis alarmantes, alguns políticos republicanos começam a contrariar o presidente Donald Trump.
Governadores, por exemplo, estão emitindo ordens sobre o uso de máscaras e fechamentos de negócios; segundo a matéria do New York Times traduzida pelo Globo, alguns deles “conversam por telefone tarde da noite para trocar ideias e queixas; e buscaram outros parceiros no governo que não o presidente, incluindo o vice-presidente Mike Pence, que apesar de ratificar Trump em público, é visto pelos governadores como muito mais atento ao desastre contínuo”.
Entre os parlamentares, mesmo o senador Mitch McConnell, líder o governo, rompeu com Trump em quase todas as questões importantes relacionadas ao vírus. Isso sem falar nos eleitores: uma pesquisa publicada na sexta-feira pelo ABC News e pelo Washington Post mostrou que dois terços dos americanos têm pouca ou nenhuma confiança nos comentários de Trump sobre a covid-19.
A propósito: em um tuíte no mês passado, o presidente afirmou que o número de casos da doença nos EUA subiu porque o país começou a testar mais. É óbvio que a desculpa não colou, mas ainda assim o STAT analisou os dados de testes em todos os estados para confirmar que de fato não foi nada disso.
Foram comparados dados de maio, junho e julho; e, para obter uma medida da prevalência da doença, a reportagem calculou em cada data o número de casos encontrados a cada mil testes. Dos 33 estados que viram o número de casos explodir, em apenas sete o aumento foi impulsionado principalmente pelo aumento de testes. Nos outros 26 estados, a contagem aumentou porque as pessoas de fato de infectaram mais.
Alertas pelo mundo
A OMS está preocupada com o avanço do coronavírus no continente africano, puxado principalmente pela África do Sul, que responde por mais da metade das infecções. Só nesse país, o número de casos cresceu 323% em um mês, e no último sábado o número de novos registros (13,3 mil) foi o quarto maior do mundo. Ao todo, houve cerca de 360 mil contaminações e cinco mil mortes por lá.
As UTIs em Johannesburgo e na Cidade do Cabo estão lotadas. E, segundo Mike Ryan, diretor do programa de emergências da OMS, em outros países começa a haver também uma aceleração contínua da transmissão.
“Infelizmente, a África do Sul pode ser um precursor, pode ser um aviso para o que acontecerá no resto da África. Então, acho que isso não é apenas um alerta para a África do Sul. Precisamos entender o que está acontecendo lá”, disse ele, ontem.
Em Hong Kong, onde a vida havia voltado mais ou menos ao normal, uma nova onda de infecções voltou a assustar. Segundo o New York Times, há agora mais casos por dia do que em qualquer outro momento da pandemia (no pior dia foram 73, o que para nós parece pouquíssimo).
O pior é que as autoridades não estão mais conseguindo identificar a origem de muitos dos casos (o que é nossa realidade no Brasil há meses…), mesmo que haja um sistema bem robusto de rastreamento de contatos. Segundo especialistas, o problema e que as medidas de restrições foram levantadas muito rapidamente.
E, na Europa, as infecções estão crescendo em 28 de 55 países monitorados pela OMS. Os piores números vêm de Luxemburgo, Suécia, Portugal, Bulgária e Romênia.
Reconstrução
Após quatro dias de reuniões, líderes dos países da União Europeia aprovaram nesta madrugada a proposta de um fundo de reconstrução das economias. O bloco vai emitir títulos conjuntos de dívida para captar € 750 bilhões (R$ 4,57 trilhões).
Desse total, € 390 bilhões (R$ 2,37 trilhões) vão ser oferecidos aos países em forma de subsídios; os outros € 360 bilhões (R$ 2,19 trilhões) serão para empréstimos.
Vai começar
Paulo Guedes deve entregar hoje ao Congresso a primeira parte de sua proposta de reforma tributária. Vamos acompanhar.
Raquel Torres | Outras Palavras
As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul
Veja também