O mundo se divide em duas metades: os ‘analfabites’ e os familiarizados com as tecnologias de informática, em que se sobressaem os nerds, aqueles capazes de fazer as máquinas interagirem com você.
Tem uma classe média de alta e de baixa renda em que todo mundo está conectado, seja por celular, seja por computador. O mesmo ocorre no mundo empresarial, que vai da simples conexão com a internet à robotização e uso de inteligência artificial.
Cerca de 80% das crianças entre 5 e 12 anos possuem celular e ficam pelo menos 2 horas on-line. Crianças de um ano já estão expostas e, dessa faixa até os cinco, estar conectada é bastante prejudicial ao desenvolvimento cognitivo. A solução é a volta aos brinquedos e jogos até a adolescência.
Quem controla essa nova geração? Pesquisa da Nielsen para o Google indica que só 17% dos pais monitoram seus filhos na utilização das redes. Como controlam? Bloqueando conteúdo. Controle de verdade só com o bloqueio de acesso às máquinas e acompanhamento, o que é praticamente impossível.
Eu pertenço a essa classe média conectada por todos os meios por dever de ofício. Não se concebe jornalismo sem a parafernália eletrônica e cibernética, mas estou longe de ser um nerd. Tenho dificuldade em manejar certos portais de serviço.
Em suma, uso a tecnologia como uma questão de sobrevivência. Por incrível que pareça, estou ficando para trás a cada dia. Não consigo mais acompanhar a velocidade com que as coisas caminham e se modificam.
Umberto/Unsplash
Toda empresa tem que oferecer a opção de atendimento por telefone ou presencial para os analfabites, ou com dificuldade de acesso às redes
Tem prestadores de serviço, inclusive na área da saúde, que só funcionam por aplicativos, e abandonaram de vez o atendimento presencial. Nem mesmo por telefone você consegue resolver certos problemas. Do outro lado da linha um robô ou alguém com cérebro de robô treinado para dar respostas copiadas de um manual. Nenhum diálogo interativo.
Tem que haver uma lei regulamentando os prestadores de serviço on-line que os obrigue a atender pessoalmente ou por telefone aquelas pessoas com dificuldade de manejar os complicados sistemas. Pessoas com mais de 80 anos estão sendo maltratadas por jovens atendentes sem preparo e sem o mínimo de carinho. Toda empresa tem que oferecer a opção de atendimento por telefone ou presencial para os analfabites, ou com dificuldade de acesso às redes.
Os bancos resolveram bem esse problema. Pelo menos no banco com que eu me relaciono, quando tenho problema sempre há uma voz gentil do outro lado da linha para me indicar passo a passo a solução, ou simplesmente resolver o problema sem minha interferência. Na área da saúde deveria ser assim.
Aliás, deveria ser assim na área do governo. No portal Meu Governo – onde funcionários e pensionistas estão cadastrados e têm acesso ao seu cadastro e sua conta de rendimento, podem baixar o holerite do mês ou a declaração de renda de fim de ano – eu tive o acesso bloqueado e há mais de um mês tento resolver o problema sem resultado. Há um interlocutor, mas a solução tem que ser através do sistema e até agora não consegui. Falta a voz amiga e solidária.
Em outros casos, prefiro pedir ajuda a algum jovem do que ficar brigando com um sistema burro.
As tecnologias estão aí, disponíveis para todos. Usufruí-las, no entanto, é outro departamento.
A população de idosos com mais de 60 anos no Brasil era 11% em 2012, passou a 15% em 2022, chegando a 31 milhões de pessoas, e vai mais do que dobrar até 2050. Aumenta também a população com 80 anos ou mais, faixa etária mais sujeita a problemas de motricidade, de visão e auditivo, as quais merecem atendimento especializado. Segundo o Pnad Contínuo do IBGE, a população brasileira está ficando cada vez mais idosa, morando cada vez mais sozinha e de aluguel. Não se pode deixar para essas pessoas como única alternativa o manejo de um sistema.
Paulo Cannabrava Filho, jornalista editor da Diálogos do Sul e escritor.
É autor de uma vintena de livros em vários idiomas, destacamos as seguintes produções:
• A Nova Roma – Como os Estados Unidos se transformam numa Washington Imperial através da exploração da fé religiosa – Appris Editora
• Resistência e Anistia – A História contada por seus protagonistas – Alameda Editorial
• Governabilidade Impossível – Reflexões sobre a partidocracia brasileira – Alameda Editora
• No Olho do Furacão, América Latina nos anos 1960-70 – Cortez Editora
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