“Queridos:
Amanhã vou precisar de toda a minha força e de toda a minha vontade. Por isso, não posso pensar nas coisas que me torturam o coração, que são mais caras que a minha própria vida. E por isso me despeço de vocês agora. É totalmente impossível para eu imaginar, filha querida, que não voltarei a ver-te, que nunca mais voltarei a estreitar-te em meus braços…
Carlos querido, amado meu: terei que renunciar para sempre a tudo de bom que me destes? Conformar-me-ia, mesmo se não pudesse ter-te muito próximo, que teus olhos mais uma vez me olhassem. E queria ver teu sorriso. Quero-os a ambos, tanto, tanto… E estou tão agradecida à vida, por ela haver me dado a ambos.
Mas o que eu gostaria era de poder viver um dia feliz, os três juntos, como milhares de vezes imaginei. Será possível que nunca verei o quanto orgulhoso e feliz te sentes por nossa filha?
Querida Anita, meu querido marido, meu garoto: choro debaixo das mantas para que ninguém me ouça, pois, parece que hoje as forças não conseguem alcançar-me para suportar algo tão terrível. É precisamente por isso que me esforço para despedir-me de vocês agora, para não ter que fazê-lo nas últimas e difíceis horas.
Depois desta noite, quero viver para este futuro tão breve que me resta. De ti, aprendi querido, o quanto significa a força de vontade, especialmente se emana de fontes como as nossas.
Lutei pelo justo, pelo bom e pelo melhor do mundo. Prometo-te agora, ao despedir-me, que até o último instante não terão porque se envergonhar de mim. Quero que me entendam bem: preparar-me para a morte não significa que me renda, mas sim saber fazer-lhe frente quando ela chegue. Mas, no entanto, podem ainda acontecer tantas coisas… Até o último momento manter-me-ei firme e com vontade de viver. Agora vou dormir para ser mais forte amanhã.
Beijos pela última vez.
Olga Benário Prestes.
*Esta carta jamais chegou ao seu destino, prisioneira ficou dos facínoras nazistas, tendo sido publicada somente 73 anos após escrita.
ASCOM
O Supremo Tribunal Federal aprovou o pedido de extradição de Olga
Em março de 1936, Olga e Luís Carlos Prestes foram capturados pela polícia política. Olga, de origem alemã, foi levada para a Casa de Detenção quando descobriu estar grávida. Logo veio a ameaça de deportação para a Alemanha sob o governo de Hitler; pelo fato de ser judia e comunista isto significava uma provável sentença de morte.
Começou na Europa um grande movimento pela libertação de Olga, encabeçada por D. Leocádia e Lígia Prestes, mãe e irmã de Prestes, intelectuais franceses e alemães exilados.
O julgamento de Olga foi feito atendendo a um pedido de extradição do governo nazista. O advogado de defesa de Olga arguiu por indulto, argumentando que a extradição era ilegal por Olga estava grávida do filho de um brasileiro. Ademais já era de conhecimento público os centros de detenção extrajudiciais alemães, onde os internos eram tratados com incrível crueldade, assim como o assassinato de judeus e comunistas.
Mas o Supremo Tribunal Federal aprovou o pedido de extradição. O ditador Getúlio Vargas assinou o ato de expulsão. Em 1998, o então presidente do Supremo, Celso de Mello, declarou que a extradição fora um erro: “O STF cometeu erros, este foi um deles, porque permitiu a entrega de uma pessoa a um regime totalitário como o nazista, uma mulher que estava grávida”.
Após a decisão, Olga foi transportada para a Alemanha, sob os protestos do próprio capitão do navio pela violação do Direito Marítimo internacional – afinal, Olga já estava grávida de sete meses.
No porto de Southampton, os serviços de informação ingleses evitaram que comunistas fizessem o resgate de Olga, tornando-se a Inglaterra partícipe do futuro assassinato.
Ao chegar à Alemanha, oficiais da Gestapo a levaram presa, sem que nenhuma acusação formal contra ela existisse. No entanto, a legislação nazista autorizava a detenção extrajudicial por tempo indefinido (definido como “custódia protetora”) e Olga foi levada para Barnimstrasse, prisão da Gestapo, onde teve a filha, a qual a mãe deu o nome de Anita Leocádia.
Em consequência da enorme pressão internacional sobre o governo nazista, Anita ficou em poder da mãe até o final do período de amamentação e, depois, foi entregue à avó, D. Leocádia.
Em março de 1938, Olga foi transferida para o campo de concentração de Lichtenburg, e em 1939, para o campo de concentração feminino de Ravensbruck.
Em Ravensbruck as prisioneiras viviam sob escravidão e eram sujeitas a experiências pseudocientíficas pelo médico nazista Karl Gebhardt. Relatos das poucas sobreviventes contam que Olga organizou atividades de resistência com outras prisioneiras, com aulas de ginástica e história.
Sua resistência na prisão e nos campos de concentração chegou a ser assunto de documentação interna da Gestapo, que assinalavam a absoluta falta de colaboração em interrogatórios, que lhe valeram castigos físicos, confinamento e até mesmo privação de comida.
No dia primeiro de setembro, com o ataque contra a Polônia, a Alemanha Nazista principiou a Segunda Guerra Mundial e Olga seria um alvo óbvio para as políticas de extermínio nazistas: em 1942, com 34 anos, Olga foi enviada para o campo de extermínio de Bernburg, onde foi executada na câmara de gás com mais 199 prisioneiras. A notícia de sua morte foi denunciada através de um bilhete escondido na barra da saia de uma das prisioneiras.
A família somente então soube de sua morte, em 1945, após o fim da guerra.
Em 2015 os arquivos da Gestapo que os russos haviam conseguido capturar, foram tornados públicos pela Fundação Max Weber e o pelo Instituto Histórico Alemão em Moscou. O mais extenso dossiê sobre uma única pessoa é o referente a Olga Benário –“Processo Benário”, composto por oito dossiês num total de mais de 2 000 folhas.
Estes documentos mostram a importância dada a Olga pela direção do III Reich. O próprio Heinrich Himmler, segundo homem na hierarquia nazista, recebera aquele extenso relatório, classificando-a como “uma comunista perigosa e obstinada” e que “durante o interrogatório realizado não relatou nada sobre sua atividade comunista”.
Estes documentos também revelam cartas trocadas na prisão entre Olga, Luis Carlos Prestes e seus familiares, a última delas de abril de 1941, uma tentativa de informar e se manter informada sobre a filha Anita.
Esta carta jamais chegou ao seu destino, prisioneira ficou da documentação dos facínoras, tendo sido publicada somente 73 anos após escrita. E é esta missiva que transcrevemos.
Carlos Russo Jr, colaborador de Diálogos do Sul
As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul
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