Apenas dois anos após o início da Revolução Cubana, em 1961, o destino de um milhão de pessoas que viviam na ilha e que não sabiam ler, nem escrever, mudou drasticamente.
Camponeses e trabalhadores pobres, fadados à enxada e aos calos nas mãos, passaram a empunhar canetas e livros, protagonizando o maior processo de erradicação do analfabetismo da história.
Proposta por Fidel Castro, a campanha de alfabetização libertou os cubanos do domínio colonial e da ignorância. Tal processo é retratado na obra Revolução de Anita, de Shirley Langer, destaque do Clube do Livro da editora Expressão Popular.
A publicação é um relato ficcional da trajetória da jovem Anita Fonseca que, aos 14 anos, impactada pelo processo revolucionário, se torna brigadista voluntária da campanha de alfabetização cubana.
Ao abrir mão de seus privilégios, Anita vivencia as contradições de um mundo que se transformava radicalmente, assim como as condições de vida e futuro dos camponeses Ramon, Clara e Zenaida, a quem Anita ensinou a ler e escrever.
A campanha teve início oficialmente em 1 de janeiro de 1961 e mobilizou cerca de 270 mil alfabetizadores. Apenas no primeiro ano, reduziu o analfabetismo de 25% para 3,9%.
Foto: Leonardo Milano/Mídia Ninja
Projeto de alfabetização já atendeu quase 2 mil indígenas no Maranhão
Responsável pelo prefácio do livro, a historiadora Adelaide Gonçalves conta que a autora Shirley Langer viveu durante anos com a família em Cuba e escreveu a obra inspirada por entrevistas que realizou e com base no processo que viu com os próprios olhos.
“O que devemos destacar em relação a esse livro é a história de uma revolução feita com o entusiasmo, com um largo envolvimento de camadas e camadas do povo cubano, para fazer a sua revolução. Anita, neste caso, faz a sua própria revolução. Anita são meninos, Anita são meninas, que saem de suas casas, de seu fazer cotidiano, para empreender a que foi a mais crucial tarefa revolucionária em Cuba: recuperar o direito à palavra falada, o direito à palavra escrita”, explica Gonçalves, professora da Universidade Federal do Ceará (UFC).
“Esse livro traz para nós o sentido da juventude. Alguns ainda crianças que são movidas pelo entusiasmo, pela alegria de ir aos campos, de realizar essas pequenas e médias turmas de alfabetização em todos os lugares da ilha, em todos os lugares que haviam sido privados do direito ao livro e do direito à leitura”, complementa.
A historiadora, que também leciona na Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF), em Guararema, destaca ainda o papel de José Martí, um dos grandes revolucionários cubanos, e sua atuação junto aos charuteiros.
A partir do autodidatismo e das práticas sociais da leitura no mundo de trabalho como forma de mobilização cultural e política, os profissionais eram considerados “doutores do proletariado urbano”.
Inspirada pelo processo de alfabetização da década de 60, nos anos 2000, o governo cubano concebeu o método educacional “Yo, sí puedo”, (Sim, eu posso, em português), desenvolvido pela educadora cubana Leonela Relys.
Com um caráter internacionalista, o método já alfabetizou mais de 3,5 milhões de pessoas em países como Bolívia, Venezuela, Argentina, México, Equador, Nicarágua e Colômbia. O projeto também foi adotado em lugares como Nova Zelândia, Espanha e países da África.
O “Sim, eu posso” chegou ao Brasil trazido pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e já formou milhares de pessoas.
Adelaide Gonçalves ressalta ainda que “A revolução de Anita” registra, para além da alfabetização, um grito de liberdade.
“Tínhamos um enorme contingente de várias idades condenados à subalternidade estrutural. Homens e mulheres acostumados, a partir de uma perversão da história, a dizer: ‘não posso’. O que temos, doravante, é um processo de restituição do direito ao pensamento, à fala, à leitura e ao livro. E a frase, portanto, que será repetida com plena vigência até os dias de hoje é ‘Sim, eu posso’!”.
Para participar do Clube do Livro e receber essas e outras obras mensalmente, acesse o site da editora Expressão Popular.
Edição: Leandro Melito
As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul
Veja também