Apesar de ter se reafirmado nas eleições do dia 27 como a força política mais votada no Uruguai, a governista Frente Ampla vai ter problemas em um segundo turno para o qual os restaurados partidos de direita estão se coligando com olhos no passado.
A coalizão de esquerda obteve 40% dos votos, 11 pontos percentuais a mais que seu principal rival, o Partido Nacional, o que em outros países seria o suficiente para ganhar, mas no Uruguai rege a regra de metade mais um.
Sob essa regra, o candidato do PN, Luis Lacalle Pou, se dedica a dar toques a uma promovida aliança conjuntural tentando somar aos seus 29%, os 12% do Partido Colorado, outros 11% do Cabildo Abierto, e até mesmo o 1% que aportariam o Partido de la Gente e o Partido Independiente.
Mas o que chama a atenção é que no fundo todos esses componentes se detestam mutuamente e por isso, caso cheguem ao poder com essa aliança, experientes analistas políticos têm péssimos prognósticos sobre a viabilidade executiva.
Frente Ampla / Divulgação
A chapa governista Daniel Martínez-Graciela Villar
Para a experiente senadora da Frente Ampla, Mónica Javier, ao longo da história, “as coalizões entre blancos e colorados cedo ou tarde apodrecem” e pergunta: “quais vão ser as atitudes em matéria de direitos humanos, de segurança e de conquistas alcançadas?”
Por sua vez, Juan Raúl Aldunate, filho do desaparecido caudilho e referência do Partido Nacional Wilson Aldunate Ferreira, evocou sua emblemática frase: “quem acredita que pode ser blanco e colorado ao mesmo tempo não entendeu absolutamente nada”.
Segundo advertiu o historiador e cientista político Gerardo Caetano, em um eventual governo de coalizão de direita poderia ocorrer a “instalação de medidas prontas de segurança”, com a inclusão do Cabildo Abierto como “um partido de ultradireita que tem ideias extremistas em temas sensíveis, tais como segurança, agenda de direitos, política de direitos humanos, reclamação de autoridade, o que pode devir em autoritarismo”.
Denunciou que esse novo partido “capturou” a direita dura que estava dispersa, incluindo autores de sequestros e maus tratos a prisioneiros políticos durante a ditadura, sob forte crítica da Associação de Mães de Presos e Desaparecidos.
Na noite em que foram conhecidos os resultados eleitorais, do lado da Frente Ampla, seu candidato presidencial Daniel Martínez compartilhou com destacados companheiros de partido a observação crítica de que se esperava um pouco mais de porcentagem para chegar com folga a um segundo turno que se vislumbrava.
Mas bem longe de qualquer onda negativa, a noite dominical vibrou com um “arriba esses corações, que podemos, vamos conseguir!”.
Depois do desabafo emocional apelou para uma campanha de pessoa a pessoa, aos que votaram em outros partidos, dirigida à inteligência do povo diante de ofertas de garantias e certezas e não pela possibilidade de ajustes, incertezas e um cheque em branco para eliminar proteções sociais.
Inclusive confia em que se repita uma tendência de eleições anteriores em aumentar as cifras em favor da Frente Amplia em segundos turnos e conquistar votos de colorados identificados com o Batllismo (do histórico José Batlle Ordóñez) e blancos do Nacional com o Wilsonismo (por causa do desaparecido contra a ditadura Wilson Ferreira Ardunate), distanciados respectivamente do economista neoliberal Ernesto Talvi e de Lacalle Pou.
Em uma declaração posterior às eleições o Partido Comunista do Uruguai, uma das principais forças da Frente Ampla, pronunciou-se por não pretender eludir a realidade de que a votação foi a esperada, e a que o país e o povo necessitam, já que não se contou com a maioria parlamentar absoluta da esquerda; e que é preciso perceber auto criticamente sinais e causas disso.
Mas em seguida rechaçou a pretensão dos grandes meios de considerar como uma derrota da Frente Ampla a vontade restauradora do bloco conservador nessa mesma noite para fazer retroceder todos os avanços conquistados nos últimos 15 anos de governo.
Apelou a não se deixar enganar pelo discurso único instalado e que não há lugar para o derrotismo, e “o desafio é pôr em pé de luta tudo o que nosso povo tem organizado e abordar a milhares para gestar uma maioria social que derrote a restauração”.
Sem pausa, a campanha eleitoral da Frente Ampla para o segundo turno reforçou-se com a incorporação, como porta-voz do comando, do carismático intendente do departamento de Canelones, Yamandú Orsi, elogiado por ter um estilo próximo à cidadania, a qual projeta orientar no tempo que falta para a nova eleição.
Em suas primeiras declarações à imprensa na qualidade de porta-voz disse que os eleitores uruguaios são mais independentes do que geralmente se crê e por isso a gestão de votos requer mobilização, contato e diálogo com as pessoas, “fortalecer o vínculo com a cidadania e não apostar tanto em reuniões e eventuais acordos com líderes políticos de outros partidos”.
Sintonizado com esta percepção o ex-presidente José Mujica percorrerá o país junto com Daniel Martínez-Graciela Villar, em um esforço a ser seguido por dirigentes e militantes de base.
O veterano lutador, e senador mais votado, insistiu que entre as causas da perda de votos está a insuficiência no combate à insegurança, problema que vem desde o governo colorado de 1985-1990, sob ataques de cômoda oposição, e a falta de melhor comunicação sobre as substanciais conquistas sociais garantidas pela coalizão governante.
Reagindo a esta caravana em prol da vitória popular, centenas de jovens lotaram a sede central da FA para expressar seu apoio ao candidato presidencial, a disposição de sair às ruas para falar com os cidadãos e organizar atividades para defender o projeto de país e os interesses do povo.
Por sua vez, a central sindical Pit-Cnt, se expressa claramente “contra a restauração conservadora” e segundo seu secretário geral, Marcelo Abdala, vai propor com todas as forças a estar atento, a não deixar “que nos retirem conquistas que a classe trabalhadora conseguiu com tanta luta, tanto sacrifício e esforço”.
Do precoce triunfalismo da direita após a eleição de domingo, passou-se à cautela, enquanto os dirigentes políticos prosseguem tentando coligar-se e os prognóstico variam, como se nada estivesse definido ainda.
Um consultor independente sustentou aqui que “qualquer coisa pode acontecer” em 24 de novembro. Inclusive uma proeza.
*Hugo Rius é Correspondente de Prensa Latina no Uruguai.
**Tradução: Beatriz Cannabrava
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