Neste sétimo ano de trajetória regressiva em matéria de justiça e de democracia no Brasil, temos estudos que indicam:
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no período 2015/2019, a renda per capita do brasileiro caiu 7,6%;
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considerando-se apenas os 1% mais ricos da população, Catar, Brasil e Chile ocupam os três primeiros lugares da lista de países com maior concentração de renda, observa o economista Fernando N. da Costa/ UNICAMP:
Segundo o Relatório Global da Desigualdade, os super-ricos, 1% dos brasileiros (em torno de 1,4 milhão de adultos) captam 28,3% dos rendimentos brutos totais e recebem, individualmente, em média, R$ 140 mil mensais… No entanto, os 50% mais pobres (71,2 milhões de adultos) dispõem de renda média mensal de R$ 1.200, ficando com apenas 13,9% dos rendimentos totais distribuídos pela atividade econômica[1];
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para outro professor, Márcio Pochmann (Unicamp), as perdas desse período não se distribuíram equanimemente; a recessão vem atingindo mais os pobres, os 10% melhor situados até “ampliaram a sua fatia do bolo nacional de rendimentos durante os últimos 5 anos” [2];
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fatos como os observados acima não são novidade na periferia mundial, de certa forma “sempre foi assim” ao longo da secular acumulação capitalista.
No caso brasileiro, o ineditismo decorre da incapacidade que a sociedade brasileira vem demonstrando quanto à identificação das raízes da desigualdade. Já deveríamos reconhecer, ter decorado, que o capitalismo, sobretudo em regime de financeirização, é um sistema que aprova a desigualdade e a favorece em sua institucionalidade.
Além da tendência estrutural à desigualdade, tanto internamente quanto no plano das nações, no caso brasileiro, pode-se observar a ocorrência de situações recorrentes de estrangulamento externo da economia, devido a condições de mercado ou de geopolítica mundial.
ConJur
Prédio sede da Odebrecht
Deveríamos estudar mais e melhor as muitas fases históricas em que o Brasil se encaminhou para uma trajetória autônoma de crescimento econômico e foi barrado por intervenção de poderes políticos. Afinal de contas, há mais de meio século, Celso Furtado já sinalizava:
“Uma sociedade exposta à penetração da técnica moderna que se mostra incapaz de criar em sua classe dirigente elementos aptos para liderar a reforma das estruturas sociais, não constitui necessariamente um sistema com possibilidade de preservar o seu statu quo.”[3]
Observação similar, quanto à incapacidade dos elementos que comandam o sistema político brasileiro, incapacidade de liderar um processo de desenvolvimento autônomo e sustentável, foi feita em diferentes ocasiões por Hélio Jaguaribe. Jaguaribe observou a existência de uma burguesia disfuncional.
Desde a eleição de Collor (1989), percebe-se com alguma clareza a incapacidade de dirigentes políticos comprometidos com as classes dominantes: Collor (e seu vice Itamar Franco), FHC e Temer. Fracassaram na questão assinalada por Furtado — transformação e adequação das estruturas sociais brasileiras às técnicas modernas da globalização. Nem tentaram.
Os governos petistas propícios a tal adequação, Lula e Dilma, foram perseguidos/expelidos pelo sistema político. Diferentemente dos quatro outros presidentes da República, no entanto, eles não dilapidaram o patrimônio estratégico e as riquezas naturais da nação e do povo brasileiro. Razão pela qual seria, e é insano, exigir deles qualquer autocrítica.
Nos duzentos anos decorridos desde a emancipação política do Brasil, houve ocasiões em que a sociedade tentou fazer a economia decolar, isto é, orientar-se para uma trajetória de desenvolvimento sustentável. São exemplos as décadas 1840/1850 e, um século mais tarde, os anos 1950 e 1960.
Recentemente, no período 2003/2014, pode-se apontar novas tentativas de orientar a economia e o quadro institucional para um modelo sustentável de desenvolvimento. Por isto, em visão histórica, é lícito supor, como proponho nesse texto, que houve momentos em que os esforços brasileiros de decolagem econômica foram sustados/abortados por ação combinada do sistema político disfuncional, associado ou dirigido por interesses da potência dominante. Vejamos.
No embate com a Grã-Bretanha, caiu o Visconde de Mauá[4], gaúcho de Arroio Grande. Aos norte-americanos coube a derrubada dos também gaúchos Getúlio Vargas e João Goulart, ambos nascidos em São Borja, município fronteiriço com a Argentina. Recentemente, o embate político e ideológico[5] levou ao golpe contra a “quase-gaúcha” Dilma Rousseff.
Assim como Mauá, que foi a principal vítima da investida imperialista da década 1850[6], a partir de uma situação financeira confortável — o montante de seu patrimônio empresarial era superior ao orçamento do Tesouro imperial—, na atualidade é o grupo Odebrecht que sofre, na fase pós-golpe, os efeitos de uma campanha midiática e jurídica de alcance continental. Está até ameaçado de falência, solicitada por órgão do governo — a Caixa Econômica Federal.
Para amplos setores da sociedade brasileira, a perseguição ao grupo Odebrecht tem raízes na superioridade técnica e tecnológica de seus funcionários, superioridade que levou a empresa a operar mercados localizados em mais de 40 países, incluídos os Estados Unidos da América.[7]
O grupo tornou-se, ao longo de sete décadas, um campeão nacional que ascendeu, por seus muitos méritos, ao mercado internacional. Posição invejável. Para o grupo e para o Brasil. Como bem disse Alain Touraine: “Na globalização atual, as grandes empresas são os soldados da nação”.
Ao liquidar o grupo Odebrecht, Caixa e os tribunais brasileiros estarão portanto liquidando nosso melhor soldado, o que soube enfrentar as poderosas legiões estrangeiras no ponto vital do capitalismo moderno: a engenharia.
Em 2012, antes da aparição da operação Lava Jato, a receita líquida do grupo Odebrecht, nas atividades de Construção e Engenharia, foi de R$ 28 bilhões, três vezes ou mais a receita líquida dos principais concorrentes nacionais e estrangeiros (Andrade Gutierrez, Cyrela, Gafisa, entre outros). Mauá já fizera tentativa similar no século XIX, nos segmentos de metalurgia e transporte ferroviário e naval. Foi igualmente massacrado. Até quando permitiremos?
Referências
[1] Blog Cidadania e Cultura do prof. Fernando Nogueira da Costa/UNICAMP, “Concentração de renda no Brasil, segunda pior do mundo”, post de agosto 2019, acessado em 7.10.2019 https://fernandonogueiracosta.wordpress.com/2019/08/27/concentracao-de-renda-no-brasil-segunda-pior-do-mundo/
[2] Marcio POCHMANN. Da destruição da economia e ambiental ao atraso como projeto de nação. In jornal GGN, 07.10.2019. Acessado em 07.10.2019.
[3] Cf Subdesenvolvimento e estagnação na América Latina (RJ:Ed. Civilização Brasileira, 1966, p.107)
[4] Ver as obras de Jorge CALDEIRA (Mauá, Empresário do Império), a Autobiografia de Mauá, e C. JURUÁ, Irineu Evangelista de Souza, Defensor do Nacionalismo Econômico do Oiapoque ao Chuí.
[5] Pessoalmente custa-me incluir o PT que governou o Brasil como esquerda. Para mim, é difícil considerar de esquerda setores não posicionados, claramente, contra o imperialismo. O PT ficaria melhor situado como centro esquerda (o social liberalismo da atual globalização).
[6] Foi obrigado a ceder o segundo Banco do Brasil ao governo, seu estaleiro e metalúrgica foi incendiado, sua empresa de transporte ferroviário, pioneira, foi a única não favorecida por subsídios do governo. São exemplos, outros empecilhos lhe foram colocados e o levaram à falência em 1875.
[7] C. JURUÁ. Carta aberta em defesa da Engenharia Nacional. In Carta Maior, janeiro de 2015.
Veja também