Entre estreitas ruas, rodeadas ou salpicadas pela água e a brisa do oceano Pacífico, irrompe San Felipe, o segundo centro urbano mais antigo da Cidade do Panamá, próxima a cumprir 500 anos.
Antigas igrejas, praças, pequenas lojas de artesanato e souvenir, prédios governamentais, restaurantes, bares e café integram o entorno deste assentamento, onde o visitante encontra emblemáticos lugares como a Praça dos Próceres ou a sede do Congresso Anfictiónico, convocado em 1826 pelo Libertador Simón Bolívar.
Fundado em 21 de janeiro de 1673, dois anos depois do saque do assentamento original de Panamá Velho pelo pirata inglês Henry Morgan, o Casco Antigo não só oferece os ares coloniais da urbe capital, mas é um testemunho fiel de tradição, história e lendas.
Declarado como Patrimônio Cultural da Humanidade pela Unesco, em 1997, este lugar resguarda o Palácio Municipal, onde se proclamou a independência do Panamá da colônia espanhola (1821) e a separação da grande Colômbia (1903), entre outros prédios históricos como a Catedral Basílica Santa María la Antigua, sede episcopal da Arquidiocese da metrópole.
Testemunha da história da nação e casa da padroeira do Panamá, o imponente templo não apenas regala sua beleza, mas é um marco de transcendência para uma nação tão católica, o fato de que o altar fora abençoado em janeiro de 2019 pelo papa Francisco durante sua primeira visita à nação centro-americana.
Entre os atrativos desta comunidade se destacam o Museu do Canal do Panamá, localizado no primeiro edifício administrativo da via aquática; as ruinas de velhas edificações devoradas pelos incêndios de 1737, 1756 e 1781; e a Praça Catedral, ponto de encontro de turistas, aposentados, artistas e vendedores.
E justamente antes de ascender às posições artilheiras que defendiam a cidade, encontra-se o conjunto monumental à etapa francesa do canal, uma homenagem aos homens que iniciaram esta centenária obra em um obelisco que reúne vários bustos e placas, entre elas as do médico cubano Carlos J. Finlay.
O ambiente boêmio que rodeia o local, que durante quase 300 anos foi o centro social da cidade, pode ser apreciado nos bares e restaurantes localizados nos arredores do parque, que conservam suas paredes e fachadas intactas; e embora antigamente tenha sido o ponto de encontro da intelectualidade local com suas tertúlias, hoje é quase exclusivamente para turistas estrangeiros.
Segundo dados históricos, o também conhecido como Casco Velho nem sempre teve sua fisionomia atual, pois durante o século XVIII foi vítima de três incêndios grandes que o destruíram parcialmente e ocasionaram a modificação da sua estrutura inicial em fins do século XIX e na primeira metade do século XX.
Esta reestruturação permitiu inserir dentro das ruínas e edifícios coloniais, construção neoclássicas, afro-antilhanas e pequenas mostras de art deco, mistura que na opinião de muitos visitantes estrangeiros minimiza o encanto do antigo.
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San Felipe, o segundo centro urbano mais antigo da Cidade do Panamá
História e origens de uma velha cidade
Situada originalmente em uma pequena península a oito quilômetros de Panamá Velho, ao redor de um manto de arrecifes rochosos dentro do atual distrito de San Felipe, a vila se caracterizou pelo traçado reticular de suas ruas e portões nos quatro pontos cardeais.
Integrada inicialmente por cerca de 300 vivendas pertencentes às famílias ricas da época e rodeada por grossas muralhas que a excluíam do resto da população, o ponto central da nova urbe era ocupado pela Praça Maior, em frente à qual se ergue a Catedral Metropolitana.
Três poderosos baluartes: Barlovento, Mano de Tigre e a Puerta de Tierra formaram parte do sistema de muralhas construídas ao redor da cidade para evitar um novo ataque dos piratas, o qual no fim do século XVIII reforçou a frente do mar com o baluarte e ponta de Chiriquí, ao que se somou um sistema de abóbadas.
Além de seu propósito militar, a Puerta de Tierra também foi o acesso de entrada e saída para o arrabalde, como era conhecida a área extramuros.
Pelo menos umas sete edificações religiosas formam parte da história deste lugar, sendo uma das mais concorridas a igreja de São José, construída entre 1671 e 1677 e famosa por seu altar barroco lavrado em madeira preciosa e coberto de ouro, o qual, em certa ocasião, foi pintado de preto pelos monges para salvá-lo da cobiça dos piratas, segundo uma lenda.
Outro dos prédios representativos é a Iglesia de la Merced, que data de 1680 e é a única de seu tipo no Casco Antigo que conserva a fachada original de sua primeira construção em Panamá Velho.
O Convento da Companhia de Jesus tem o mérito de haver albergado a primeira casa de altos estudos no Istmo: a Real e Pontifícia Universidade de San Javier, que encerrou sua função conventual e docente em 1767 quando Carlos III expulsou os jesuítas.
Chama a atenção também o Convento de Santo Domingo (1678), onde seus muros y arcos, especialmente o chato, construído para suportar o coro de madeira da igreja, conseguiram se manter em pé apesar do fogo, como exemplo da estabilidade sísmica que gozava o istmo, referem alguns textos.
O Teatro Nacional, atualmente em fase de restauração, os palácios de Governo, Bolívar e Municipal, a Presidência da República, o Instituto Nacional de Cultura e a Casa da Municipalidade são outras das edificações que distinguem esta velha parte da capital.
Às emblemáticas construções somam-se as residências, que sobressaem por seus dissimiles estilos arquitetônicos: colonial, neoclássico, art deco, pois as originais foram arrasadas no fim do século XVII pelos incêndios que assolaram a cidade.
Não obstante, algumas ainda conservam o encanto antigo como a Casa Góngora, construída em 1756 pelo capitão Pablo Góngora de Cáceres, do qual leva o nome, ou a Casa Boyacá, um imóvel de madeira que serviu de morada a muitas famílias e antes de desaparecer em 2018 por causa de um sinistro, chamou a atenção por seu desenho de proa de navio.
Porém, a Cidade do Panamá não apenas albergou algumas das obras mais importantes da época colonial como a Torre da Catedral (Panamá Velho), em seu momento a mais alta do continente construída pelos espanhóis, também a rota do ouro e das expedições de conquista para a América do Sul.
Do Istmo partiu a frota de Francisco Pizarro ao Peru, ao mesmo tempo em que o Caminho das Cruzes, cujos restos ainda afloram, desempenhou um papel estratégico como eixo de um dos itinerários comerciais mais importantes da época, que conectava por mar com Havana.
Apesar de certo abandono, o Casco conserva, por momentos, o doce encanto do que é antigo, embora talvez a gritos clame por um plano diretor de restauração que lhe devolva o glamour pleno do ambiente colonial, sem perder a essência de museu vivente de um passado glorioso e triste, conforme a lente com que se olhe.
*Correspondente Chefa de Prensa Latina no Panamá.
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