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ToggleO povo peruano saiu em massa às ruas. Mas nas entradas de Lima, a pedido do intendente, dono da concessão do Macchu Picchu, a polícia pedia passaporte, como se, para o resto dos peruanos, os cholos e cholas da serra, entrar em Lima fosse como entrar em outro país.
Existe a impressão generalizada de que o devido processo não importa. Tornar vulneráveis as garantias processuais não configura um ato menor em uma democracia. Violar os direitos políticos de um professor rural de Cajamarca não é excepcional. Violar os direitos civis – como a livre circulação e o direito de manifestação – tampouco parece importar muito no Peru quando os afetados são pobres.
“Sou o legítimo Presidente do Peru”. Exclusivo: da prisão, Castilho fala pela primeira vez
Houve um tempo nem tão distante em que no Peru foram impostos tribunais militares com juízes sem rosto julgando civis. O arquiteto desta barbárie foi Montesinos. Emitiam sua condenação em voz muito alta, deformada. Os condenados não sabiam muitas vezes nem porque iam presos nem quem os julgava. A aprendizagem processual e jurídica não foi fácil no país irmão. E não terminou. Está ainda por se fazer.
O caso Castillo é parte desta dura aprendizagem: Castillo está preso pelo que é e representa (direito penal de autor, antiliberal). O povo de baixo. E pelas medidas que adotou: não fez nenhum negócio com nenhum setor de poder. Por isso foi derrubado de forma inconstitucional e espúria. Não encontraram uma única prova contra ele.
Nada. Buscam levantar o segredo de suas comunicações como presidente porque chegando já aos 8 meses não encontraram uma só prova para incriminá-lo. Nada. O que mostra quão ilegal é todo o processo contra ele e ilegal é sua prisão atual. Até inventaram notícias falsas na procuradoria; decretos sem assinatura que não existem.
Ao contrário, há sobejas provas de delitos graves na procuradoria e demais, e ninguém está preso por estes delitos de falsificação de prova, falsidade ideológica, títulos que não existem, lavagem de dinheiro. Em muitos casos há provas graves, e ninguém está preso.
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Não há uma única prova contra Castillo e está preso sem condenação há 7 meses, de forma ilegal. Porque é pobre. Porque é de Cajamarca. Nada mais. E porque cometeu o temerário ato de levar o povo, silenciado e negado do interior, ao governo, no centro de Lima. Quando os montes descem.
Reprodução/Twitter
Que um juiz da corte suprema tenha que esclarecer que Castillo "não está sequestrado" implica por si que a pergunta merece ser respondida
Perseguição
A perseguição contra líderes progressistas não é nova. Antes davam violentos golpes de Estado com tanques. Hoje se inventam causas para manter processados os dirigentes que incomodam o poder financeiro. Castillo é um deles.
Como Evo, Lula, Correa, Lugo, Cristina, Zelaya, Pedro Castillo, um filho do povo, primeiro presidente rural na história do país irmão, não aceitou negociar com a imprensa local nem com o congresso corrupto e racista que existe naquele país, regido ainda pela constituição neoliberal de Fujimori, que chamam de “apócrifa”.
O Congresso peruano promove a mineração ilegal. Paradoxos de nossas democracias lastimáveis: Fujimori está preso por delitos de lesa humanidade, esterilizações de mulheres indígenas, mas sua legislação antiterrorista, que utilizou para perpetrar crimes atrozes, continua em vigor.
Que um presidente seja destituído sem ser ouvido, que seja preso violando o regulamento do congresso e a constituição do país, sem os votos necessários, sem moção formal, sem notificação, sem direito de defesa, devia gerar sensação de alarme em todos os defensores do constitucionalismo.
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Que armas de guerra apontem contra a filha menor do presidente configura uma extorsão criminosa. Idem a incomunicabilidade atual de Castillo com sua família. São todas violações graves.
Arbitrariedade
É tal o nível de arbitrariedade institucional, que o sistema penitenciário peruano emite normas ad hoc, especiais, para entorpecer de forma deliberada a defesa do presidente sequestrado há sete meses. Não lhe permitem tampouco comunicar-se com seus advogados estrangeiros.
Quando sua filha enviou uma carta a seus dois advogados argentinos (nós), no dia seguinte, sem dissimulação de nenhum tipo, o INPE impôs medidas arbitrárias, cortando o acesso às prisões do país aos advogados “estrangeiros”. Deviam homologar seu título.
Esta medida é arbitrária e inconstitucional. Viola um direito básico. O direito de Castillo de ser defendido. De escolher seus advogados. De poder conferenciar com eles em condições de segurança e privacidade, como proclama a Convenção Americana, abertamente violada no país irmão.
Esta medida não existia até que começamos a defender Castillo. Do mesmo modo, quando a cunhada do presidente quer enviar uma carta a seus advogados, o que é privado, e tem a ver com a essência da defesa, também querem requisitar e fotografar estes materiais, vulnerando o trabalho da defesa do presidente.
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Estas arbitrariedades estão na ordem do dia. Continuam a ser cometidas. Não há direitos civis nem políticos para Castillo. É um sequestro. Não uma detenção legal. E sim uma detenção arbitrária, fruto de uma vacância inconstitucional.
Uma detenção ilegal é de fato e de direito um sequestro. Pelos 70 assassinatos não há ninguém detido. Parece que no Peru é mais grave ler um discurso do que assassinar 70 pessoas. Os mortos, ainda que não sejam de Miraflores, importam.
Volta
Para a democracia a alternativa é uma só: a volta de Castillo à presidência, de que foi ilegalmente privado. E garantir-lhe em todo caso o que ainda não teve: um processo justo. Um processo onde sua voz possa por fim ser ouvida.
Que um juiz da corte suprema tenha que esclarecer que Castillo “não está sequestrado” implica por si que a pergunta merece ser respondida. E merece resposta porque a forma como se depôs Castillo é inconstitucional, violando a constituição e o regulamento do congresso.
O que perverte qualquer fundamento legítimo ulterior para sua prisão. É uma prisão ilegal. E uma prisão ilegal, prezados juízes supremos, é um sequestro. Não admite outro nome.
Eugenio Zaffaroni e Guido Croxatto | Página|12
Tradução: Ana Corbisier
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