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Chacina do Guamá: 11 mortos, 8 acusados e autoridades dão caso como encerrado. Será?

Ocorrida em 19 de maio, deixou 11 mortos e entre os 8 acusados de terem participado da matança 4 são PMs
Lúcio Flávio Pinto
Amazônia Real
Belém

Tradução:

Com 100 mil habitantes, o Guamá é o bairro mais populoso de Belém, que tem 1,5 milhão de moradores e é a 10ª do Brasil. Se fosse município, o Guamá seria o 19º em população dentre os 144 municípios do Pará, o 9º da federação, com mais de oito milhões de habitantes. Com quase 15% da população de Belém, o Guamá é um dos mais violentos numa cidade classificada como uma das mais violentas do mundo, com índice de homicídios muito acima da média nacional.

Muitos dos que moram no Guamá vieram do interior do Estado. Mantiveram parte dos seus hábitos no meio urbano. Um deles é circular pelas ruas, dando-lhes vida e animação, sobretudo nos fins de semana. Os domingos são ruidosos. Mesmo assim, oito homens decidiram atacar um dos muitos bares que viravam o dia com gente barulhenta bebendo e se divertindo no meio da tarde de domingo, 19.

A ação foi planejada porque o bar fica num dos característicos becos do bairro, a passagem Jambu, estreita e acidentada, com ocupação intensa de casas. O cenário desfavorável, porém, não intimidou o bando. Em três motos e num carro, encapuzados, os homens chegaram atirando para matar. Visavam a cabeça das vítimas. Mataram todas as 11 pessoas que encontraram no bar, e fugiram.

Menos de duas semanas depois, a polícia encerrou a investigação, considerando completamente esclarecida a chacina. Dos oito integrantes do grupo, todos presos (três deles se entregaram), quatro eram policiais militares, três deles da ativa, todos cabos. A razão das execuções ainda não foi definida, mas teriam sido por drogas, contra duas das cinco mulheres que foram mortas.

Ocorrida em 19 de maio, deixou 11 mortos e entre os 8 acusados de terem participado da matança 4 são PMs

Foto: Fabricio Rocha / Ponte Jornalismo
Protesto realizado no dia 26 de maio, uma semana depois da chacina, em frente ao bar onde ocorreram as mortes

Vingança ou disputa entre fornecedores seriam motivos suficientes para uma ação como a que foi executada, exigindo preparação e aparato, e para que policiais da ativa se expusessem a ser identificados, punidos pela corporação e levados para a prisão?

Tudo indicava que sim, desde a comunicação do crime. O tenente-coronel Jorge Wilson de Araújo, da Polícia Militar, um dos primeiros a chegar ao local, ainda na tarde do dia 19, deu, de imediato, a explicação que viria a ser a conclusão da investigação. Com a autoridade de ser o comandante 20º batalhão da PM (com jurisdição na área), e, nessa condição, ter atuado no bairro, ele declarou a um repórter do jornal O Liberal, que gravou a conversa (sem assinar a matéria):

“Este local aqui é um ponto muito conhecido, o Bar da Wanda, como um local para o consumo de entorpecentes. Inclusive já fizemos vários levantamentos aqui, só que, se vocês adentrarem [no estabelecimento] vão perceber que há várias rotas de fuga, e por isso a gente nunca conseguia ter êxito nas prisões. Então, o bar, realmente é uma fachada e é utilizado para o consumo de drogas.

No corpo das pessoas que vieram a óbito tem droga, inclusive nós tiramos várias fotos, mas estamos preservando para fins de levantamento junto à Polícia Civil. Não sei dizer se [há vestígio de drogas] em todos os corpos, até porque a gente não pode violar o local de crime”.

Por causa desses pontos de fuga, a polícia não conseguiu flagrar traficantes ou usuários de droga nas batidas que já fizera no local. Com a aproximação dos policiais (certamente em viaturas de serviço), quem se sentia ameaçado escapava rapidamente. Apesar dessa experiência, o bar foi licenciado pela mesma polícia, através da delegacia competente para a expedição da licença de funcionamento, com vigência até 29 de junho.

No dia seguinte à declaração dada pelo seu subordinado imediato, o comandante geral da PM, coronel Dilson Melo Júnior, foi direto e enfático: a instituição não tinha conhecimento de atividades ilícitas no estabelecimento até o dia do crime. Até o momento da chacina, a PM desconhecia a informação de que o bar era um ponto de venda e uso de drogas. “O bar já havia sido fechado por poluição sonora, por perturbação do sossego, mas nós não tínhamos essa informação de que lá seria um ponto de venda de drogas, até porque, se tivéssemos, teríamos autuado”, garantiu o comandante. Depois disso, ele e o tenente-coronel Wilson se calaram.

Surpreendentemente, a vizinhança do bar declarou ao jornal que não tinha queixas do funcionamento do bar. Moradores admitiram que frequentadores poderiam ser usuários de drogas, mas essa presença se espalha por quase todos os locais de diversão da cidade, especialmente os que funcionam à noite. A proprietária do estabelecimento, Maria Ivanilda Pinheiro, tinha ficha criminal por poluição sonora e por consumo. Mas seus vizinhos diziam que ela não usava nem traficava drogas. 

Os indiciamentos de outros dois mortos também não indicavam especial gravidade. Nada proporcional à chacina. Negaram também a existência de rotas de fuga no fundo do bar. O que há ali é um muro com 10 metros de altura, que protege uma igreja adventista, das maiores da cidade.

Os oito homens encapuzados pareciam conhecer o lugar tanto quanto a polícia, que rondava a área. Não se preocuparam com eventuais câmeras de segurança (se realmente existentes). Abusaram dos tiros sem recear deixar cápsulas no chão e nos corpos.  Mataram todas as pessoas que encontraram, sem selecionar alvos, mesmo quem só ocasionalmente foi ao bar. Se mais houvesse, mais matariam. Fugiram sem deixar pistas. Pareciam muito seguros do que estavam fazendo ­– e decididos a fazer o que fizeram.

Fim da história?

*Lúcio Flávio Pinto é jornalista desde 1966. Sociólogo formado pela Escola de Sociologia e Política de São Paulo

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Lúcio Flávio Pinto

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