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Cannabrava | Juros altos paralisam economia; Brasil precisa de Estado forte e industrialização

Se não há uma razão técnica para manutenção dos juros em 13,75%, Banco Central fica sob suspeita de estar fazendo politicagem
Paulo Cannabrava Filho
Diálogos do Sul Global
São Paulo (SP)

Tradução:

Pela sétima vez consecutiva, contrariando gregos e troianos, o Banco Central, sob o comando de Roberto Campos Neto, manteve a taxa referencial de juros, a Selic, em 13,75%. Era o que o tal de mercado previa. Ou seja, quer dizer que quem traça a política monetária e fiscal é esse tal de mercado.

Que mercado é esse? Não é o setor industrial nem muito menos o varejista. Parece ser birra do tal de Roberto Campos Neto, que preside um Banco Central “independente” a seu bel prazer.

O varejo está travado e a queda no varejo trava a indústria. Não é por conta da recessão, mas pelos juros altos seguindo a taxa referencial de 13,75%, a mais alta do mundo. É um círculo vicioso que acaba por afetar toda a cadeia de produção e consumo.

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A inflação está em declínio, apontando inclusive para deflação em julho. O déficit fiscal está sob controle com o Arcabouço Fiscal, aprovado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). Para os especialistas, não há razão para manter tão alta taxa de juros. Passou da hora de sinalizar a baixa dos juros.

Luiz Carlos Trabuco, capo de tutti capi¹ e presidente do conselho do Bradesco, disse, em artigo publicado no Estadão, em 22 de maio, que os analistas do mercado já vislumbravam a possibilidade de começar mais cedo o processo de redução de juros. A inflação, de 0,61% em abril, foi inferior à de março, que por sua vez foi inferior à de fevereiro. A taxa acumulada em 12 meses é de 4,18%, a menor desde novembro de 2018.

Também o mercado bursátil se ressente e não vê melhora por causa dos juros.

Se não é uma decisão técnica, é política, com a intenção de travar os projetos do novo governo de botar a economia para funcionar.

Leia também: Cannabrava | Para combater os juros altos, povo precisa lutar contra independência do BC

A quem serve a paralisação da economia? Só tem um ganhador: os Estados Unidos e seu projeto colonizador. Não é teoria conspiratória… é resultado da conspiração permanente levada a cabo pelos agentes do império. Essa gente, ao fazer o jogo de uma potência estrangeira, deveria ser julgada e condenada como traidores da pátria.

Para a indústria funcionar, assim como os demais setores, é preciso capital de giro, inacessível por conta dos juros estratosféricos.

Se não há uma razão técnica para manutenção dos juros em 13,75%, Banco Central fica sob suspeita de estar fazendo politicagem

Foto: Foto Lula Marques/ Agência Brasil
Até a meca do capitalismo, a S&P Global Ratings, diz que o Brasil melhora como lugar seguro para investimento, só o senhor Roberto Campos nã

Para o presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Robson Baga de Andrade, “não há atividade que possa pagar os juros de hoje”, como afirmou ao Estadão, criticando a ideia do carro popular lançada no início do mês pelo governo. Para ele, o que gera impacto no mercado de autos e caminhões é o crédito de longo prazo e baixa taxa de juros.

Na semana passada, a representante de uma das mais importantes cadeias de lojas varejistas, Luiza Trajano, do Magazine Luiza, na mesma linha, argumentou que muita gente está quebrando porque não suporta mais os juros.

Até a meca do capitalismo, a S&P Global Ratings, diz que o Brasil melhora como lugar seguro para investimento, só o senhor Roberto Campos não vê.

Leia também: Cannabrava | No Brasil, trabalhador tem que lutar por liberdade econômica e política

Ele não está só. São muitos ainda os áulicos do neoliberalismo com hegemonia do capital financeiro. Mailson da Nóbrega foi ministro da Fazenda do governo de José Sarney em finais dos anos 1980, auge da inflação. Parece que nada aprendeu e chama de anacronismo as ideias reformistas de Lula. Não podia ser diferente para quem atua como executivo da Tendência Consultoria, empresa de assessoramento financeiro.

Ou seja, o ex-ministro assessora os ricos sobre como fazer o dinheiro render mais dinheiro. Eu dou um exemplo. O sujeito é dono de um apartamento que vale R$ 600 mil. Se alugar, conseguirá no máximo entre R$ 5 mil e R$ 6 mil, com a dor de cabeça de administrar o aluguel e o risco de inadimplência. Se aplicar os R$ 600 mil num fundo imobiliário, terá facilmente uma renda mensal de R$ 8 mil. Imagine alguém que vendeu uma fábrica por R$ 600 milhões? Terá R$ 8 milhões mensais sem ter que pagar empregados nem impostos.

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Trabalhar para quê? É assim que funciona e é com essa farra que o país tem que superar para crescer. Esta é a modernidade dos Mailson, dos Guedes, dos porta-vozes do pensamento único imposto pelo capital financeiro a toda mídia hegemônica e nas universidades. É isso que o país tem que superar para voltar a crescer.

Mailson argumenta que foi a social-democracia que abandonou o modelo de estatização dos meios de produção. De fato, isso ocorreu sob a égide de Margaret Thatcher e Ronald Reagan, precursores do Consenso de Washington. Ele diz isso como se a Europa vivesse ainda os anos dourados da belle époque. A realidade europeia é bem outra. Consequência do neoliberalismo: desestatização, privatização, desnacionalização, desregulamentação, precarização, desemprego e fome. Os europeus estão mergulhados em crise econômica e social, sob ocupação militar e econômica dos Estados Unidos.

Leia também: Ditadura do Centrão mascara a democracia dos venais. Há que se pensar em uma nova Constituição!

As soluções para sair da crise têm sido adotar “o anacronismo das ideias econômicas”, voltar ao keynesianismo do capitalismo produtivo, voltar a industrializar, voltar a estatizar os serviços essenciais.

Não obstante, como a União Europeia está em guerra — guerra não declarada contra a Rússia — a situação de crise só tende a se agravar. Os bloqueios assumidos contra a Rússia funcionam como um tiro no pé. Um só exemplo. O gás necessário para gerar energia e calor no inverno vinha de gasoduto e era barato; agora vem engarrafado dos Estados Unidos e custa mais que o dobro.

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Na Alemanha, na França, o povo está nas ruas a exigir emprego, aposentadoria e energia barata.

A revista Foreign Affairs, porta-voz do ministério de relações exteriores (Departamento de Estado) dos Estados Unidos, comenta que as sanções, como os bloqueios, pesam mais sobre quem as aplica do que sobre a Rússia ou a China e está provocando uma migração em massa para associações que se antepõem à hegemonia do dólar como moeda de referência.

Sanções e outras medidas de bloqueio
 Rússia  15.958
 Irã  2.474
 Síria  1.343
 Ucrânia  1.195
 Venezuela  930
 Rep D. da Coreia  803
 Iraque  330
 Belarus  255
 Cuba  240

As consequências podem ser desastrosas para os Estados Unidos. Estão apressando o questionamento do dólar como moeda de referência. Os países membros da Organização de Cooperação de Shangai já realizam as operações comerciais cada um em sua moeda. O Brics está funcionando como um ímã entre os países emergentes, que não veem a hora de se livrar da hegemonia do dólar e das regras impostas pelo FMI e Banco Mundial, transformados em agentes operacionais do imperialismo.

Notas

[1] Frase empregada para se referir ao líder supremo das organizações criminosas sicilianas, tanto da máfia italiana quanto da Cosa Nostra, nos Estados Unidos.


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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Paulo Cannabrava Filho Iniciou a carreira como repórter no jornal O Tempo, em 1957. Quatro anos depois, integrou a primeira equipe de correspondentes da Agência Prensa Latina. Hoje dirige a revista eletrônica Diálogos do Sul, inspirada no projeto Cadernos do Terceiro Mundo.

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