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ToggleUm amigo meu, Herman Melville, contou-me certo dia uma história muito interessante a respeito dos direitos e regulamentos da pesca às baleias e como aqueles se aplicavam à vida na sociedade moderna.
Pelos anos de 1840, ele viajara o mundo no baleeiro Acushnet, afinal, precisava com seu salário de marujo manter a família. Somente dez anos após ele escreveu o monumental romance semi-autobiográfico “Moby Dick”.
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De suas viagens pelos sete mares ele comentou comigo sobre como um único código baleeiro formal, que era já muito antigo, que, na essência, possuía apenas dois itens mandatórios:
1. Um peixe preso pertence à parte que o prende;
2. Um peixe solto é a caça legítima de quem o apanhar primeiro.
Uma “legislação marinheira” baseada apenas nestes parâmetros muito prejudicava a aplicação do mesmo, dado que necessitava muitos comentários para ser interpretado!
Isso me causou enorme espanto!
Afinal, qual o segredo de um peixe preso? Ou solto?
Melville explicou-me que, vivo ou morto, um peixe está preso do ponto de vista técnico quando amarrado a um navio ou a um bote tripulado, quer seja pela corda de um arpão, por uma linha, por um remo, ou até mesmo por uma teia de aranha, pouco importa.
De modo semelhante, o peixe também é dado como preso quando carrega algum símbolo reconhecível de posse, sempre que o navegante demonstre claramente capacidade de carregá-lo a bordo de seu barco.
A parte estas considerações, meu amigo contou-me uma história antiga de apropriação indébita ocorrida nos mares da Inglaterra e que terminou nas barras da justiça.
Oolmadefoto/Pixabay
Eu garanto, que assim como eu mesmo, você é peixe preso, mas também peixe solto
Um juiz, uma jurisprudência
Os autores da ação declararam que após uma caçada difícil a uma baleia, a teriam arpoado, mas devido a risco de naufrágio e morte haviam sido obrigados a abandonarem a presa, assim como o arpão, a arpoeira e o próprio bote.
Os réus, que estavam em um navio próximo, não se fizeram de rogados e empulhando suas lanças terminaram por matar o cachalote e dele se apropriaram na frente daqueles que o haviam arpoado, como todo o mais que flutuasse. Deste modo, a parte queixosa pleiteava receber o valor da baleia, da arpoeira, dos arpões e barco. Durante o julgamento, o advogado da defesa espertamente recorreu a um caso criminal recente por aqueles tempos.
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Um homem, depois de tentavas vãs de “repressão aos instintos sexuais da mulher”, abandonara-a nos mares da vida e partira para outras relações; entretanto, no decorrer dos anos arrependera-se e movera uma ação na tentativa de recuperar “a posse” da mesma, sem, entretanto, obter ganho de causa na justiça. O rábula dizia que se era verdade que o cavalheiro, no passado, arpoara a senhora e a tivera presa, ao abandoná-la, transformara-a em peixe livre para que qualquer outro fincasse-lhe o arpão e dela se apropriasse. Dizia, em conclusão, que o caso da baleia e da senhora se ilustravam reciprocamente, e constituiria uma “certa jurisprudência”. Muito bem, o magistrado julgou a comparação pertinente.
Que os réus tinham direito à posse da baleia, pois no momento em que ela fora abandonada pelos autores da ação, ela era um peixe livre. Que os arpões e arpoeiras que a baleia trazia presos ao costado, constituíam posse do próprio cetáceo morto e, desta forma, passariam à propriedade de quem o caçasse, ou seja dos réus. Somente o bote, devido suas inscrições, deveria retornara aos queixosos.
Peixe preso, peixe solto: fundamento das relações humanas
Ao perceber a minha reação contrária à disposição do juiz inglês, Melville simplesmente sorriu e disse-me que os preceitos relativos ao peixe preso e peixe solto, constituem os fundamentos de toda a jurisprudência humana, pois “apesar de seus complicados traçados, os Templos da Lei e o dos Filisteus têm apenas duas colunas a apoiá-los”.
E prosseguiu: “Não se diz por aí que a posse é meia propriedade, sem se levar em conta como se obteve essa posse? Mas frequentemente a posse, mesmo obtida à força, torna-se com o tempo, direito de propriedade”.
Passou, então, a citar-me alguns exemplos: o que seriam os músculos e as almas dos escravos e dos servos, senão peixes presos cuja posse significa todo o direito de propriedade do mais forte?
O que é para um proprietário de terras a última migalha de uma viúva senão peixe preso?
O que é a mansão de um vilão encoberto, senão peixe preso?
O que significa o ágio que os bancos cobram daqueles que necessitam de dinheiro emprestado senão peixe preso?
O que são os salários altíssimos dos altos dignitários senão peixes presos?
O que seriam as fazendas herdadas e as propriedades citadinas senão peixes presos?
Não seriam as grilagens todas formas de posse que se transformam em propriedade, portanto, peixe preso?
Apressou-se meu amigo a dizer-me que se a doutrina do peixe preso é bastante disseminada, a do peixe solto o é ainda mais amplamente, sendo internacional e universalmente aplicada.
Os Direitos Universais do Homem
O que era a América em 1492 senão peixe solto quando aqui aportaram os colonizadores? O que era o Brasil com suas imensas riquezas e seus índios mansos, senão peixe solto, cuja posse tornaram-nos peixe preso? E a índia para a Inglaterra? E os países árabes para os Ianques? Todos peixes soltos.
Mas os que são os Direitos Universais do Homem, sua Liberdade senão peixes soltos? O que são as mentes e opiniões de todos os homens senão peixes soltos? O que é o princípio da crença religiosa dentro dos mesmos senão peixe solto? E as reflexões dos pensadores? Que é o grande globo terrestre senão peixe solto?
E você que me lê, o que você é?
Eu garanto, que assim como eu mesmo, você é peixe preso, mas também peixe solto, senão jamais perderia tempo com minhas leituras e com meu amigo Herman Melville.
Carlos Russo Junior | Colunista na Diálogos do Sul.
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