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ToggleAlgumas semanas atrás, o anúncio de que a ex-presidente Dilma Rousseff seria indicada ao comando do Novo Banco de Desenvolvimento (NBD) do Brics ensejou interpretações distintas sobre as motivações e balizas que teriam circundado a deliberação oficial. De um lado, argumenta-se o descompromisso com o caráter técnico de um perfil que administrará uma instituição financeira como o NDB. De outro, que a escolha se insere bem nos aspectos estratégicos da agenda de política externa do terceiro governo Lula.
Desde a eleição do atual presidente Lula, Dilma tem participado de diversas cerimônias em Brasília, e embora o período eleitoral tenha sugerido que a campanha petista evitaria sua presença ou que legitimaria algumas das críticas sobre seu governo, pouco disso se concretizou e Dilma foi bastante referenciada nos discursos de Lula até então.
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Em meio a dúvidas do papel que ela desempenharia na nova administração, o governo anunciou sua indicação já contando com a aprovação dos integrantes do Brics (Rússia, Índia, China e África do Sul, além do Brasil) e a renúncia de Marcos Troyjo, que preside o NBD atualmente, indicado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro.
Até o momento, o NBD é composto dos cinco países integrantes do Brics, além de Bangladesh, Emirados Árabes Unidos, Egito e Uruguai, mas a presidência do banco é restrita à indicação rotativa dos membros fundadores, sendo o indiano K. V. Kamath o primeiro presidente eleito, em 2015, substituído apenas por Troyjo em 2020.
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Diversas críticas emergiram em torno da indicação de Rousseff ao NBD, englobando o perfil da presidente Dilma, a mudança da presidência do banco em meio de mandato e interesses do Partido dos Trabalhadores (PT). O deputado federal Aécio Neves (PSDB-MG), por exemplo, afirmou que “o PT e o presidente Lula não [a] queriam por perto”, mas enviá-la para Xangai (sede do banco) “chega a ser cruel”.
O embaixador aposentado José Alfredo Graça Lima avaliou como negativa a mudança da nomeação brasileira em meio de mandato no banco, que se estende até 2025. O atual indicado brasileiro, ainda sob a gestão de Bolsonaro, o diplomata Marcos Troyjo iniciou seu mandato em 2020 e a troca poderia sinalizar instabilidade na diplomacia brasileira.
Por fim, a ausência de perfil técnico para administrar uma instituição financeira como o NBD foi frequentemente abordada pela oposição ao presidente Lula, principalmente no Senado. Chegou ao ponto do líder da oposição no Senado, Rogério Marinho (PL-RN), apresentar um projeto de lei que exige que indicações de brasileiros aos comandos das instituições financeiras internacionais passem por avaliação na casa. Caso aprovada, a medida poderia servir para barrar a indicação de Rousseff prevista para a visita de Lula à China na segunda quinzena de março.
Em geral, o debate entre perfis técnicos e políticos em altos comandos não só carece de casos puros para viabilizar comparações, como arrisca atribuir a tais decisões um fator que é constante e não variável entre os governos.
Troyjo, que possui formação em economia, atuava como secretário especial de Comércio Exterior e Assuntos Internacionais do Ministério da Economia (chefiado pelo então ministro Paulo Guedes) quando foi indicado por Jair Bolsonaro à presidência do NBD, além de ter participado ativamente da assinatura do acordo Mercosul-União Europeia e coordenado um centro de estudos sobre o Brics na Universidade de Columbia
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
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Formação profissional e experiência
A presidente Dilma Rousseff, também economista de formação, possui experiências amplas de gestão, com destaque ao comando dos ministérios de Energia e Casa Civil, e principalmente o cargo de presidente da República. Após dois anos em que a criação do banco dominava os encontros de cúpula do bloco, o NBD foi criado em 2014 durante a 6ª Cúpula do Brics, no Brasil, com o objetivo de mobilizar recursos das principais economias emergentes do mundo para projetos de infraestrutura e desenvolvimento do bloco.
A ideia partiu do governo indiano, mas, depois de ser divulgada, Dilma trazia o tema do banco como o principal objetivo do Brics desde então. Ela era sempre muito vocal sobre a importância da construção de alternativas à arquitetura financeira global e, no encontro de criação do banco, Dilma Rousseff afirmou que o grupo do Brics enfim “ganhava em densidade”.
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Do ponto de vista externo, a nomeação de Rousseff certamente suscita essa experiência. Além de ser difícil imaginar que elementos técnicos possam inviabilizá-la para o cargo ou até que as expectativas do próprio posto fossem de menos proeminência em detrimento de um perfil especializado.
O presidente Lula afirmou há poucos dias que considera Dilma capacitada tecnicamente para o cargo e que ofertará maior visibilidade à organização. De fato, a estatura política de Dilma Rousseff é um aspecto significativo. Tanto do ponto de vista simbólico, para o status reputacional do NBD em geral, quanto prático, da maior possibilidade de convergência entre a agenda do banco e da política externa brasileira nos próximos anos.
O comando do NBD por uma pessoa alinhada e de livre trânsito com Lula aproxima o governo da mediação dos atores corporativos que tentam influenciar atualmente as decisões do banco e aumenta as chances do NBD em ocupar mais espaço na arquitetura da matriz brasileira em termos de demanda por investimentos estrangeiros.
Orçamento, investimentos e o NBD
Os números do orçamento brasileiro para investimentos não são animadores, fazendo da captação internacional de recursos uma pedra angular dos objetivos da política externa atual. O NBD foi fundado com o capital inicial de US$ 50 bilhões, e contribuições igualmente distribuídas entre os cinco membros.
Desde 2015, ele disparou como destino orçamentário do Brasil. A título de comparação, até 2021, o NBD foi o destino de R$ 8 bilhões do orçamento brasileiro, um volume que ultrapassa sete vezes o cedido para o Focem do Mercosul em seus quatorze anos de iniciativa.
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Do lado do dispêndio do NBD, até 2022, China e Índia tiveram, respectivamente, US$ 8,1 bi e US$ 7,5 bi de projetos aprovados. Em seguida vêm África do Sul e Brasil, com US$ 5,3 bi e US$ 5,2 bi, respectivamente. Por fim, a Rússia obteve US$ 3,9 bi em projetos aprovados no banco. Um desafio de Dilma será o de ampliar a carteira de projetos do banco, administrando a expansão de países sócios em andamento.
Enquanto presidia o País, o estilo de liderança de Dilma Rousseff foi frequentemente reportado pela imprensa, a academia e elites políticas do País. Em geral, atribuíam-lhe um perfil tecnocrata e rígido politicamente, que teria mais apreço por planilhas que conquistas intangíveis, e que se expunha em menções da própria presidente como a “diplomacia de resultados” que Dilma teria exigido à chancelaria em 2011.
O perfil de liderança da mandatária foi objeto de um estudo que nós desenvolvemos comparando características de líderes presidenciais brasileiros do período recente, e nossas conclusões chegaram a um perfil de fato voltado à execução de tarefas, guiado por causas bem definidas e pelas metas nas quais ele se engaja.
Cargo precisa de respaldo
Um cargo de comando em uma organização internacional não supõe um salvo-conduto para a defesa das preferências do país de origem de seu dirigente, mas normalmente a liderança dessas burocracias tem razoável espaço de influência em decisões de governança das instituições.
Os critérios que envolvem o desempenho dos países na aprovação de projetos, por exemplo, devem estar entre essas definições. E um perfil como o de Dilma pode ser proveitoso para ter atenções concentradas ao incremento dos projetos brasileiros contemplados, e apontar a mira do banco a seus objetivos primários ao invés de interferências como as que a conjuntura russa pode levar à organização.
Os tempos mudaram desde que Dilma compunha a cúpula do Brics nos anos 2010, mas as características pelas quais a ex-presidente já foi bastante criticada parecem mais adequadas do que nunca ao que lhe será requisitado à frente do banco.
Pedro Feliú Ribeiro e Tamiris Burin | Jornal da USP
As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul
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