Nisreen Khalid Dibdulahi é iraquiana. E poeta. As poesias que escreve, ela recita no Sarau Vozes Femininas, que reúne mulheres de diversas nacionalidades em situação de migração e refúgio no Brasil.
O evento que acontece nos Sescs paulistas propõe a criação de espaço de diálogo sobre cultura, valores e desafios com outras 10 mulheres de Angola, Uganda, Moçambique, Congo, Nigéria, Senegal, Paquistão, Irã, Colômbia e Venezuela.
As artistas que compõem o grupo foram reunidas justamente para se apresentarem no Sesc. O evento, antes com elenco misto, ganhou formato que dá lugar especial às mulheres, e roda pelos Sescs da grande São Paulo há cerca de um ano.
“Como o Sesc fala muito de empoderamento feminino, tivemos essa ideia. Todas nós somos perseguidas. Não só nós, brasileiras, elas também. Todas nós somos mulheres”, afirmou a produtora do Sarau Vozes Femininas, Neide Salles. Para que essas mulheres possam contar suas história o evento tem diversos elementos como poesia, dança e canto.
ANBA / Arquivo pessoal
Poesia iraquiana
Entre aquelas que recitam poesias, Nisreen faz questão de frisar que é também a autora do que declama. “Eu sou escritora. As palavras saem do fundo do meu coração. Escrevo em árabe. Em português, é uma língua difícil, não consigo colocar na rima, mas consigo dizer o que quero dizer. Consigo, graças a Deus, fazer a tradução, uma coisa muito difícil”, revelou.
Nascida em Bagdá, capital do Iraque, em 1961 a escritora construiu lá sua primeira vida. “Está muito calor hoje. Mas lá no Iraque é muito, muito mais! Lá, as escolas tem horário de frio, no calor todos ficam em casa”, lembra ela, tentando expressar, no seu português, que as escolas funcionam no período de frio. Nisreen era diretora de uma escola particular na cidade, que atendia crianças em idade pré-escolar.
Foi quando a guerra se tornou mais intensa, no entanto, que a vida no país passou a ser de tensão diária. “A guerra estava muito forte desde 2003, quando a América invadiu o Iraque. A situação do Iraque era muito ruim. Sem leis, sem paz. Era muito perigoso viver lá, com bombas, ladrões. Eu estava trabalhando no meu país como diretora de escola particular. Eu era uma pessoa boa e rica. Depois de três anos, estava muito perigoso. Eu quase morri. Então, fugi e deixei Iraque”, contou.
A segunda chance de viver, a iraquiana conta que encontrou no Brasil, desde que chegou em 2006. Hoje, ela, o marido, os cinco filhos e seis netos vivem no País. “Comecei tudo de novo. O importante é a vida. A vida se vai e não volta. Se perde uma menina, ou menino? Não volta. O dinheiro, se você trabalha, volta”, declarou.
Desde que chegou, Nisreen já trabalhou fazendo comida, participando de saraus e fazendo palestras em faculdades. “Eu tinha muita força, coisa que vem de dentro muito grande. Eu sou uma mulher forte”, afirma ela que sempre gostou de escrever e conta com carinho do irmão jornalista e poeta.
No ofício de poeta em saraus, ela conta como tenta trazer a realidade iraquiana para o público brasileiro. “Primeiro eu falo em árabe e depois em português. E, se temos tempo, explico para eles a história de cada poema”, diz ela, que conta como o público costuma reagir as obras. “Todo mundo gosta. Eles falam que gostariam que eu ficasse mais tempo com eles.”
Muçulmana, ela explica que sua poesia tem muito sobre a família, sobre a fé. E sobre a força das mulheres iraquianas. “No Iraque, o homem sempre estava na guerra e a mulher em casa sozinha. A mulher fazia toda vida sozinha, sem homem. Essa mulher é nobre, tem confiança, é religiosa. Por isso, eu declamo e mando um exemplo de mim para todas as mulheres iraquianas porque no meu país é sempre guerra, guerra, guerra. Por isso, digo e sei que as mulheres iraquianas são nobres e fortes”, revelou a poeta.