Quando se fala de neoliberalismo, geralmente é como um modelo de desenvolvimento, cujas políticas econômicas caracterizam-se por privatizar empresas públicas, cortar o investimento do gasto público, conter o crescimento dos salários, desregulamentar a economia financeira, fomentar o chamado livre-comércio e outorgar maior importância ao privado sobre o público.
Apesar de que, em termos gerais, estas políticas econômicas, com efeito, constituam parte essencial da agenda neoliberal, esta definição é incapaz de oferecer um panorama mais profundo e completo. A primeira coisa que seria preciso começar a mostrar é que isso que chamamos de neoliberalismo, mais do que um modelo econômico (como se fosse um mais dos vários existentes) é um conjunto de políticas econômicas, políticas e sociais que essencialmente foram projetadas durante a década de 30 do século passado e aplicadas a partir da década de 70 por uma classe social que pretendia favorecer seus interesses, em detrimento do interesse público, nacional e ecológico.
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Esta distinção é muito importante, já que permite livrar-se da tentação de omitir a relação entre capital e neoliberalismo, algo que geralmente fazem alguns economistas críticos do neoliberalismo, mas não do capitalismo, como Paul Krugman, Joseph Stiglitz e Thomas Piketty. Com base no que foi dito, convém assumir o neoliberalismo como aquela categoria que se refere ao atual padrão de acumulação hegemônica do capitalismo e, portanto, seu marco histórico cronológico, em termos gerais, bem pode traçar-se do final dos anos 70 do século 20 à atualidade.
Deve destacar-se, ainda, que a hegemonia da qual gozou este padrão de acumulação, sobretudo entre os anos 80 e 90, nos últimos anos começou a erodir. Também é importante marcar distância da narrativa sobre a chamada globalização como sinônimo de neoliberalismo. Esta narrativa parte do pressuposto de que a ordem mundial se encontra em tensão, por um lado, entre as forças que apelam a desterritorializar os processos produtivos e o comércio, e por outro, as forças que propõem produzir e comercializar desde o Estado nacional.
De volta para o futuro
Embora seja certo que, do ponto de vista técnico, de uns anos para cá a ordem mundial transitou para o estatismo e a reabilitação da soberania, esta dicotomia ignora que, apesar de alguns atores terem posições anti “globalistas”, como foi o caso de Donald Trump, na prática, continuou aplicando e até aprofundando as demais políticas neoliberais (extensão fiscal a multinacionais, cortes no gasto público, desregulamentação dos mercados versáteis, etc.).
Além disso, não se deve ignorar que a narrativa da chamada globalização surgiu nos centros de poder do capitalismo mundial a fim de ocultar os efeitos perniciosos dos processos de desterritorialização, mundialização da produção e liberação do comércio, fenômenos que, dito seja de passagem, são indissociáveis do sistema do mundo capitalista, praticamente desde sua gênese no século XVI. Portanto, convém pensar nos fenômenos globais do capitalismo neoliberal a partir de categorias clássicas, como imperialismo, divisão internacional do trabalho e países centrais versus países periféricos.
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Em outras palavras, quando falamos de neoliberalismo, de igual maneira estamos nos referindo a um programa intelectual e ideológico que concebe para o ser humano, a riqueza e o meio ambiente de forma diferente a como eram concebidos em outros momentos da história do capitalismo mundial.
Por exemplo, nos “30 anos gloriosos” do capitalismo (1945-1975), tanto nos países centrais como nos periféricos, reconhecia-se a assimetria entre o capital e o trabalho; daí que muitos destes estados consideravam estratégicos os interesses das classes trabalhadoras, tendo como resultado que promovessem aumentos salariais, segurança sanitária, moradia, pensões, férias e mobilidade social.
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No entanto, com o ascenso do neoliberalismo, os governos projetaram políticas públicas inspirados em abstrações gerenciais, como a qualidade e a competitividade, ao mesmo tempo, em que contribuíram para construir uma subjetividade preocupada em alcançar a todo custo o “êxito”, o reconhecimento e a acumulação econômica.
Finalmente, falar de neoliberalismo também implica referir-se a uma temporalidade histórica. Por desgraça, em nosso país as políticas neoliberais aplicadas desde os governos de Miguel de la Madrid (1982) a Enrique Peña Nieto (2018) provocaram o aparecimento de uma complexa formação social extremamente dependente do mercado estadunidense, uma economia reprimida e maquiadora, assim como uma força de trabalho super explorada, marginalizada do consumo, o endividamento e o lazer esquizofrênico.
Por sorte, desde a insurgência eleitoral de 2018 o governo do México propôs-se a mudar este regime econômico e empreendeu uma série de ações pensadas para desmontar e superar esta injusta estrutura. Como se observa, o caminho será longo e não isento de problemas e contradições. No entanto, vislumbra-se um horizonte novo.