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Peru: Queda de PPK é outro episódio da busca dos Fujimori pelo poder

Deve prosseguir com a força do povo até varrer definitivamente a máfia apra-fujimorista que hoje está cantando vitória
Gustavo Espinoza M.
Diálogos do Sul
São Paulo (SP)

Tradução:

Bem que se poderia dizer que a queda de Pedro Pablo Kuczynski (PPK, como é conhecido) foi determinada no dia 24 de dezembro de 2017, quando o país se surpreendeu com o inusitado indulto concedido a Alberto Fujimori, o mais importante réu da máfia mantido preso na última década do século passado.

Essa funesta decisão teve uma dupla origem. Por um lado, respondeu à afinidade ideológica do presidente com à a política econômica do presidente-genocida, ditada diuturnamente pelo Fundo Monetário (FMI) e o Banco Mundial, sob a máscara de ajuste fiscal neoliberal. Por outro lado, foi consequência de um cálculo político claramente equivocado. PPK pensou que, libertando o genocida, teria o apoio da família Fujimori, que ocupa as sombras do poder desde o início deste século.

A identificação de PPK com o neoliberalismo vem de longa data. Como Sánchez de Losada, Kuczynski nasceu por acaso nesta parte da América. Na realidade, ele sempre esteve na outra parte, no Norte. Como funcionário do Banco Central da Reserva, nos anos 1960, serviu docilmente os planos do império ao beneficiar a empresa estadunidense International Petróleum Company (IPC). Posteriormente, esteve à disposição do grande capital realizando todo tipo de tarefa. A sorte o colocou no caminho da presidência peruana e se dedicou ferozmente a isso nos últimos 17 meses, sem alterar os vínculos com Wall Street e com os mandatários ianques. É como se tivesse um cordão umbilical atado ao Império.

Certamente foi essa trajetória que o levou a indultar o Fujimori, nos finais de 2017. As circunstâncias colocaram a ele e a Keiko (Fujimori, ex-candidata à presidência [NT]) em situações opostas na campanha eleitoral de 2016, mas PPK estava consciente de que para vencer, tinha que se opor a ela, mas sem alterar os pontos de vista sobre economia ou sobre política.

Deve prosseguir com a força do povo até varrer definitivamente a máfia apra-fujimorista que hoje está cantando vitória

Agência Brasil
A identificação de PPK com o neoliberalismo vem de longa data.

Os que votaram em Kuzcynski nas últimas eleições o fizeram em repúdio a Keiko e a sua turma, considerados como uma máfia a ser detestada. Vencedor, em junho desse ano, PPK iniciou sua gestão e conseguiu, em seu melhor momento, 65% de aprovação da cidadania. Depois, despencou, por sua debilidade diante do assedio dos adversários, e sua vontade conciliadora com a turma de Keiko. E por essa trilha chegou ao descalabro final.

Quando firmou o indulto, em dezembro, pensou que estaria assegurando sua estabilidade política; que com a gratidão dos filhos do ditador deposto, poderia governar sem perturbações e concluir seu mandato nas vésperas do bicentenário, coroando assim sua carreira. Crasso engano. A máfia jamais o perdoaria por ter sido candidato contra Keiko e tê-la derrotado. Desde o início se sabia que não teria a mínima condição de governabilidade. Uma morte anunciada como a segunda posse da presidenta Dilma Rousseff, no Brasil.

E está claro que quem fez mérito para sua queda foi o próprio PPK. Seus contínuos desacertos, seu apego ao lucro, sua voracidade em acumular riqueza, unidos a seu servilismo aos chefes ianques. Tudo isso só serviu para desacreditá-lo, ante os olhos do povo, que passou a vê-lo como simples lacaio do império. Sua obsessão com a Venezuela e seu afã por guerrear contra os processos emancipadores latino-americanos o marcaram definitivamente. O resultado da percepção do povo sobre suas políticas não deixa dúvida: apenas 14% de aprovação da cidadania. Em outras palavras, 86% dos peruanos eram partidários de sua saída do poder. Tudo isso colaborou para o fim de seu mandato.

O texto de sua renúncia tem o sabor de lamento e de denúncia. Lamenta pelos ataques recebidos e denuncia as atitudes adversas dos opositores. Mas está longe de reconhecer sua própria contribuição. Soberbo, não foi capaz de admitir que seu mais grave erro foi abrir as portas para a saída de Alberto Fujimori. Tampouco se refere às manipulações e compra de votos de parlamentares para evitar sua deposição. De nada adiantou.

Sua queda era previsível e se tornou inevitável com os “kenyivideos” vídeos mostrados no dia 20 de março. Eram a prova de uma corrupção nas mais altas esferas da administração nacional. A compra de congressistas a troco de privilégios e de projetos. Uma velha prática da democracia burguesa que se converte em delito quando convém ao juiz da vez.

Neste caso, os juízes foram os réus de ontem, a máfia fujimorista, antes condenada exatamente pelos mesmos e piores delitos. Atuaram atormentando devagarinho até conseguir o perdão.

Ninguém vai sentir pena nem se alegrar pela queda de PPK. O fato está no contexto da picardia cabocla. É um acontecimento a mais no drama de um país aviltado, que não tem como livrar-se das correntes que o mantém preso ao sistema.

A luta não termina. Deve prosseguir com a força do povo até varrer definitivamente a máfia apra-fujimorista que hoje está cantando vitória. Não. Ela não ganhou. É necessário um pouco mais de força para que se faça justiça.

Com a assunção à presidência da República de Martin Vizcarra não se terá consumado um golpe de estado, mas sim um troca na estrutura do poder. O que se espera de um modesto provinciano no poder é que honre seus ancestrais e rechace as práticas costumeiras. Tem pela frente um desafio: o êxito da Cúpula das Américas, que será um fracasso sem a presença de presidentes que a CIA quer ver fora da reunião. Vamos ver se os peruanos têm a firmeza necessária e não se imponha a palavra de Washington.

*Colaborador de Diálogos do Sul, em Lima, Peru

Tradução: Beatriz Cannabrava


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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Gustavo Espinoza M. Jornalista e colaborador da Diálogos de Sul em Lima, Peru, é diretor da edição peruana da Resumen Latinoamericano e professor universitário de língua e literatura. Em sua trajetória de lutas, foi líder da Federação de Estudantes do Peru e da Confederação Geral do Trabalho do Peru. Escreveu “Mariátegui y nuestro tiempo” e “Memorias de un comunista peruano”, entre outras obras. Acompanhou e militou contra o golpe de Estado no Chile e a ditadura de Pinochet.

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