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Maduro: “Se EUA apostarem na intervenção, Venezuela se converterá no Vietnã da AL”

Confira entrevista exclusiva com mandatário venezuelano, que ressalta: seu país está moralmente pronto para responder à agressão imperialista
Luis Hernández Navarro
La Jornada
Caracas

Tradução:

Na pior crise desde que assumiu a presidência da República Bolivariana da Venezuela, Nicolás Maduro considera que o intento da direita de formar um governo paralelo em seu país é expressão do conflito entre a independência e a soberania da Venezuela e a intenção imperial estadunidense de recolonizar essa nação.

Em entrevista exclusiva ao La Jornada, o mandatário bolivariano rechaça que Venezuela seja uma ditadura, que se violem os direitos humanos ou exista uma crise humanitária. Segundo ele, os políticos que hoje estão presos são os organizadores de um golpe de Estado violento, que assassinaram, queimaram vivas muitas pessoas e destruíram propriedades. A imensa maioria dos meios de comunicação – assegura – está em mãos privadas, em sua maioria opositoras. E a chamada crise humanitária é um show montado pelo Comando Sul para justificar uma intervenção militar. 

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Presente na posse do presidente Andrés Manuel López Obrador, o mandatário venezuelano conta que não assistiu a cerimônia de investidura na Câmara de Deputados para evitar uma agressão contra ele que teria empanado o caráter histórico do triunfo do político mexicano. 

Nicolás Maduro assegura que, no caso de os Estados Unidos apostarem por intervir militarmente seu país, será criado na América Latina um novo Vietnã. Venezuela está moralmente pronta para responder à agressão. Seu exército está unido e aliado ao povo. As agressões de Trump – diz – buscam apropriar-se do petróleo venezuelano. 

Esta é a versão completa da entrevista com Maduro, que La Jornada fez no Palácio de Miraflores no dia 5 de fevereiro.

Confira entrevista exclusiva com mandatário venezuelano, que ressalta: seu país está moralmente pronto para responder à agressão imperialista

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Em entrevista exclusiva com La Jornada, o mandatário bolivariano rechaça que Venezuela seja uma ditadura

Presidente,  hoje se soube que o senhor enviou uma carta ao Papa Francisco propondo a ele que desempenhasse um papel na mediação do conflito. Podemos saber o que mais lhe dizia nessa carta? 

Primeiro, agradecia suas orações permanentes para que haja paz na Venezuela e lhe pedia que nos ajudasse na facilitação para um diálogo nacional. O Vaticano já nos ajudou numa fase em 2016. Isso quer dizer que ele conhece bem o terreno aqui na Venezuela. Creio que a autoridade moral do Papa pode ajudar muito para um diálogo que seja construtivo, de agenda aberta. Espero logo sua resposta. 

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No entanto, a Assembleia Nacional disse que rechaça todo diálogo ou grupo de contato que prolongue o sofrimento do povo. Ou seja, desqualifica qualquer possibilidade de diálogo.

Sim, a direita venezuelana golpista tem recusado os mecanismos de diálogo que a comunidade internacional está ventilando. Há dois dias, o governo dos Estados Unidos, o governo de Donald Trump, já tinha dito: não ao diálogo. E ontem, o Grupo de Lima, esse grupo de governos intolerantes de direita, disse também não ao diálogo. É uma posição irracional, insensata. É uma posição antinatural, porque o natural na política é o diálogo, a palavra, a conversação. 

“Eu insisto: sim ao diálogo, sim ao diálogo e sim ao diálogo. E mais cedo do que tarde, com a ajuda do governo do México, do Uruguai, dos 14 governos do Caribe do Caricom, da Bolívia, do grupo de contato da União Europeia – e oxalá também do Vaticano – vamos nos sentar em uma mesa de diálogo. Estou seguro de que assim será”.

Não deixe de assistir o programa da TV Diálogos do Sul sobre a Venezuela:

Texto continua após o vídeo:

A atitude do México, diplomaticamente correta

Qual a sua opinião sobre a atitude e a posição do governo mexicano?

O governo mexicano tem tido uma atitude diplomaticamente correta, que é respeitar a Venezuela, não se imiscuir em seus assuntos internos. E, no dizer do presidente López Obrador tem resgatado o espírito da Constituição mexicana e a tradição diplomática mexicana, tão admirada no mundo, de não intervencionismo, de diálogo. Creio que está desempenhando um grande papel neste momento histórico.

O senhor foi na posse do presidente López Obrador, mas não chegou à cerimônia no Congresso, só ao jantar. Por que isso? 

Isso foi proposital. Nós sabíamos que a direita tinha preparado um show para me agredir, inclusive fisicamente, e que a notícia fosse a agressão física a Maduro. Se algo assim tivesse ocorrido, eu teria reagido, porque sou um homem do povo. Se alguém me agredir fisicamente eu vou responder, não me importa o sobrenome ou a classe social, nem que seja de direita. Não me importa. Eu te digo, eu tenho sangue do Caribe. Eles queriam um show para tapar o carácter histórico da mudança que começou no México com o presidente López Obrador. E como eu não caio em provocações nem crio provocações, simplesmente decidi ir diretamente ao palácio presidencial para saudar o presidente López Obrador.

Tive uma grande surpresa no Zócalo. Milhares de pessoas nos receberam com cantos, com consignas, com cartazes, com saudações. Creio que todo a campanha que se fez contra nós com motivo da posse saiu ao contrário. Gerou-se um interesse e uma simpatia do povo mexicano que agradecemos. 

Como justificativa da ofensiva contra o senhor, assegura-se que na Venezuela se violam os direitos humanos, que as pessoas são perseguidas, que há presos políticos, que não há liberdade de opinião. Há informes de diferentes organismos de direitos humanos internacionais que documentam algumas dessas notícias. É verdade isso? 

São 30 anos de revolução e sempre nós fomos vítimas de uma agressão permanente por parte dos Estados Unidos e seus aliados oligárquicos internos. Particularmente, nos meus seis anos do primeiro governo, fomos vítimas de várias tentativas violentas para levar o país a uma guerra civil e para derrocar o governo. Uma delas foi em 2014, outra em 2017, com as chamadas guarimbas (bloqueios violentos das vias de comunicação). Sofri vários atentados. Em 4 de agosto de 2018 perpetraram um atentado diréto contra mim com drones. 

“A justiça venezuelana agiu. Estão detidos os responsáveis do assassinato de várias pessoas, da violência, da destruição física de cidades. Estão detidos os responsáveis diretos da tentativa de assassinar-me com drones. Mas os Estados Unidos e sua manipulação mundial  dizem que os responsáveis diretos de delitos violentos que estão processados pela justiça e que estão detidos são presos políticos. A verdade é que são indivíduos que cometeram delitos contra as pessoas, contra a propriedade, que trataram de derrocar o governo legítimo. De todas maneiras, na Venezuela existe uma Comissão da Verdade e da Justiça que está a investigar todos estes delitos, toda essa situação. Recentemente essa comissão emitiu um conjunto de decisões, de ordens e à algumas dessas pessoas envolvidas nesses delitos foram dados benefícios processuais. Estão em liberdade. Talvez os que se encontram ainda detidos são os que cometeram delitos de homicídio, queimaram pessoas vivas. Talvez os responsáveis de delitos mais graves são os que se mantêm ainda nas mãos da justiça. 

Se diz também que a Venezuela é uma ditadura, que não há liberdades, que a imprensa está controlada pelo Estados. Isso é verdade?

Eu posso te dar vários exemplos das amplas liberdades que há na Venezuela. Primeiro, a situação das emissoras de televisão nacionais. Setenta e cinco por cento são privadas, e se poderia dizer que todas as emissoras de TV privadas são opositoras. Da imprensa escrita, 80 por cento das publicações nacionais e regionais são privadas, e se poderia dizer que todas são opositoras. Mais de 70 por cento das rádios do país estão em mãos privadas, e todas são opositoras. 

“As redes sociais são controladas em escala internacional. Na Venezuela existe Twitter, Instagram, Youtube, Facebook, WhatsApp. Todo mundo as usa. Posso  afirmar que 80 por cento da publicidade e da informação que corre de maneira direta em todas as redes sociais são abertas e totalmente opositoras. São dados que vale precisar. 

“Dizer que a Venezuela é uma ditadura é uma ofensa ao povo venezuelano. Venezuela tem um nível educativo, cultura e maturidade democrática suficiente. Basta passear por qualquer povoado ou cidade e ver o debate permanente que há sobre a Venezuela. Em todo caso, a acusação de ditadura forma parte do roteiro que o império estadunidense sempre tem utilizado para etiquetar, estigmatizar os países independentes, os governos que não lhe obedecem. Lhes serve para justificar qualquer coisa. Porque se na Venezuela, como dizem eles, há uma ditadura, então é possível qualquer coisa: um golpe de Estado, um magnicídio, uma invasão.

Simplesmente, a acusação de que Venezuela é uma ditadura forma parte dos falsos estigmas com os que trataram de etiquetar a revolução bolivariana.

A crise humanitária, uma farsa

Se diz que na Venezuela há uma crise humanitária de grandes proporções, que há fome, desabastecimento de remédios; que a migração de venezuelanos, não só para a Espanha ou para Miami, mas a muitos países da América Latina é uma hemorragia imparável. É verdade que existe essa crise humanitária?

A crise humanitária é uma farsa, Venezuela tem problemas, como qualquer outro país. E além do mais, em alguns casos não temos alguns problemas que têm países onde governa o neoliberalismo. Mas toda a montagem da crise humanitária vem do Comando Sul dos Estados Unidos desde 2014.

“Para que atribuir-nos uma crise humanitário fabricada no nível midiático? Para justificar uma ‘intervenção humanitária’, entre aspas. 

“Venezuela tem altos índices em matéria de emprego. No ano passado voltamos a fechar com 6 por cento de desemprego. Sessenta por cento do emprego na Venezuela é de caráter formal, protegido, avançamos. Venezuela tem um sistema de seguridade social que protege cem por cento de sus pensionados. Venezuela tem acima de 90 por cento de escolaridade de educação inicial, básica, secundária, universitária. Oitenta por cento de nossa educação global é pública, gratuita, de qualidade. 

Venezuela tem um programa chamado CLAP (Comitês Locais de Abastecimento e Produção) que chega a 6 milhões de lares, 24 milhões de venezuelanos. O alimento é permanente e, de acordo com a Organização das Nações Unidos para a Alimentação ea Agricultura temos altíssimos níveis de nutrição. Venezuela tem um programa chamado Bairro Adentro em Saúde, que leva  30 mil médicos às comunidades. Tu em teu bairro, em tua comunidade, tens um médico, tens acesso à medicina. Nos três anos recentes, por causa das sanções, tivemos problemas para importar alimentos, para importar remédios. Sim, tivemos e já estamos resolvendo efetivamente. Mas uma crise humanitária não existiu nem vai existir na Venezuela.

Donald Trump está obcecado com a Venezuela

O senhor denunciou que por trás do intento de impor um presidente encarregado está a mão dos Estados Unidos. Por que diz isso? Que evidencia o senhor tem?

Bem, porque a atitude do governo dos Estados Unidos de pregar o derrocamento do governo constitucional que eu presido é aberta e vulgar. E é, sobretudo, desde que chegaram os extremistas de Donald Trump à Casa Branca. Tem sido uma etapa de confronto total, de sanções, de perseguição financeira, de apelos a um golpe de Estado militar, de conspiração direta na embaixada gringa na Venezuela.

“Donald Trump está obcecado com a Venezuela. Sua equipe se faz chamar de equipe Venezuela. John Bolton, conselheiro de Segurança; Mike Pompeo, secretário de Estado, e Mike Pence, vice-presidente, se fazem chamar de equipe Venezuela. Todos os dias tuiteiam, escrevem, declaram, pregando o golpe de Estado abertamente.

“Não é que eles o dissimulem. Recentemente, The Wall Street Journal publicou a informação de como se gestou todo esse tema de tratar de impor um governo paralelo, um governo falso. E foi gestado em Washington, financiado em Washington, imposto desde Washington.

“Desde meses antes, em setembro, The New York Times e The Washington Post descobriram as evidências da participação do governo dos Estados Unidos, diretamente da Casa Branca, em um intento de golpe militar nos meses de março e abril, que nós neutralizamos e derrotamos. Eles deram dados de quem conspirou, quem pagou, onde pagou. Esses testemunhos e declarações são suficientes elementos de prova da obsessão imperialista que eles têm. 

“Domingo passado, Donald Trump nos ameaçou uma vez mais com uma invasão, com mandar o exército dos Estados Unidos a ocupar Venezuela. E eu tenho me perguntado: qual é o casus belli (motivo de guerra)? Venezuela não é uma ameaça para Estados Unidos. Venezuela não tem armas de destruição em massa apontando para Estados Unidos. Não, seu casus belli é o petróleo venezuelano, a riqueza da Venezuela. E que, em 20 anos, não puderam derrotar a revolução bolivariana por nenhuma via. Nem pela via eleitoral, nem pela via política, diplomática, nem pela de golpe de Estado. 

Eu creio que o governo dos Estados Unidos está entrando numa fase de muito desespero e vai se tornando cada vez mais perigoso. Assim, é muito importante contar com a consciência solidária do mundo, das pessoas que querem paz, das pessoas que querem deter um novo Vietnã, desta vez na América do Sul. Venezuela se converteria em um Vietnã se um dia Donald Trump mandar o exército dos Estados Unidos para agredir-nos.

Estão preparados para uma intervenção militar estadunidense?

Venezuela está moralmente preparada para rechaçar as ameaças do uso da força.  E nós e nossa Força Armada Nacional Bolivariana, nossa cidade bolivariana, nosso sistema de armas e nosso povo, em união cívico-militar, nos preparamos com o conceito de guerra de todo o povo, guerra de resistência, para dar uma resposta contundente a qualquer possibilidade de agressão militar.

Esperamos que nunca suceda. Esperamos que se imponha a verdade da Venezuela, a via diplomática, e que a consciência de paz no povo dos Estados Unidos torça a vontade e a loucura de Donald Trump. Esperamos que reine a paz. Mas, enquanto isso, nos preparamos para defender nossa sagrada terra, como todo o mundo a defenderia.

O senhor informou que contam com milícias que agrupam 2 milhões de integrantes. Essas milícias têm uma organização territorial ou gremial? Têm o controle direto das armas?  Receberam formação militar?

Sim, nós temos a Força Armada Nacional Bolivariana que tem quatro componentes. O Exército Bolivariano, com uma distribuição territorial, um sistema de armas muito poderoso. A armada bolivariana, que também tem fortalecido seu sistema de armas, A Aviação Militar Bolivariana, também com bom sistema para cuidar do nosso país, e a Guarda Nacional Bolivariana, que é uma força de ordem pública. Além disso, o comandante Chávez criou a Milícia Nacional Bolivariana como um quinto elemento que fortalece e integra os quatro componentes constitucionais. 

“A milícia chegou a um milhão e seiscentos mil cidadãos e cidadãs. Em 13 de abril deste ano vamos chegar aos dois milhões. Estão organizadas em unidade de defesa popular, que agrupam um número de 20 ou 30 milicianos por território. Têm treinamento militar, têm plano operativo, sabem o que fazer em qualquer cenário. E, além disso, têm acesso, e cada vez vão ter mais acesso, ao sistema de armas nacionais. Isto quer dizer que Venezuela conta com 2 milhões de milicianos e milicianas integrados para uma guerra de resistência, uma guerra de todo o povo, que lhe faria insofrível, lhe faria um inferno a uma força invasora que se meta na Venezuela. 

Nós queremos paz. Toda a nossa força armada e nossa milícia têm uma só consigna: ganhar a paz. Nossa vitória é a paz e assim vamos continuar.

A oposição os acusa de ter grupos paramilitares. Segundo eles, os coletivos são grupos armadas civis a serviço do chavismo. É verdade isso? 

Os chamados coletivos são uma forma de organização popular voluntária, muito própria da revolução bolivariana. São uma forma extra partidária do movimento popular. São milhares na Venezuela. Organizam as pessoas em torno de algum objetivo. A maioria dos coletivos do país estão na área produtiva, empresarial, agro produtiva, que produzem dezenas de toneladas de alimentos. Ou estão na área da cultura, da resistência cultural, da música, da arte, do muralismo. E estão também na área política. 

A direita tem muito medo dos coletivos porque são grupos muito revolucionários, mais radicais. São pessoas muito honestas. Trataram de estigmatizá-los como paramilitares, mas isso é totalmente falso. Isso não quer dizer que não exista um coletivo que de repente estimule o treinamento para a defesa nacional. Seguramente existe um ou dois desses grupos por aqui. Mas o fundamental dos coletivos é que são uma forma de organização do movimento cultural.

E a direita, tem grupos paramilitares?

A direita teve grupos violentos que dirigiram as guarimbas. Durante todos estes anos têm tido grupos para atentar contra quartéis. E tem grupos que se expressam através das redes sociais, que dizem ter armas, escondem o rosto e dizem estar já em uma linha de guerra, para uma guerra civil. A direita não  conseguiu com  esses grupos perturbar a vida e a paz interna do país, mas os declaram e os patrocinam. São elementos de risco que há que saber controlar. 

Não se trata de uma nova guerra fria

O governo situa o atual intento de golpe de Estado como uma disputa pela soberania nacional contra a intervenção imperialista. No entanto, há quem conceba o conflito como uma luta entre potências. Asseguram que por trás do governo de Nicolás Maduro estão a China e a Rússia, que pretendem estabelecer uma cabeça de praia na América Latina. É correta essa interpretação?

Esse é um esquema de interpretação próprio da guerra fria, época em que todos os conflitos pareciam ter por trás o confronto entre a União Soviética e os Estados Unidos. Mas não é o nosso caso. O conflito Venezuela tem 200 anos. Existe antes que existisse a União Soviética ou a Federação Russa, ou de que existisse a República Popular da China. Vem desde Bolívar.

“É o conflito entre as ideias independentistas de liberdade e soberania de nossos libertadores versus as ideias imperialistas. Se revisamos a ideologia, a prática política dos libertadores, de Bolívar, encontramos que eles buscaram criar um bloco de nações livres, independentes, que não oprimissem nenhuma nação do mundo e que construíssem seu próprio modelo político, social, económico, cultural.

“Em troca, se revisamos o projeto, a forma, a prática daqueles que fundaram os Estados Unidos, das antigas 13 colônias, encontraremos a forma como herdaram de maneira direta toda a visão imperial britânica. Nunca ajudaram a independência do Sul. Estiveram contra a luta de independência. E ainda mais, venderam armas, venderam apetrechos e apoiaram o exército imperial espanhol contra os libertadores. 

“É um conflito em uma história que vem de longe, de 200 anos atrás. Nós hoje dizemos que o nosso conflito é entre a independência da Venezuela, a soberania da Venezuela e o intento de recolonização do império estadunidense. O centro do conflito é o da nova independência da América Latina versus o intento de dominação e de uma nova escravidão contra nosso povo.”

Qual é seu plano para enfrentar o atual conflito? Pareceria que o que a direita venezuelana quer hoje, além de estabelecer um governo paralelo e ganhar legitimidade no terreno internacional, é montar uma provocação em torno da ajuda humanitária que justifique uma intervenção militar estrangeiras. Quais são os passos que pensam dar para evitar um cenário desse tipo?

Os passos que estamos dando estão vinculados à Constituição. Nosso plano é a Constituição. 

“Em primeiro lugar, governar o país, atender os problemas do nosso povo, desenvolver o Plano da Pátria 2019-2025 em todas as áreas. Hoje lançamos a Grande Missão Transporte Venezuelano. Um grande projeto que pretende transformar todo o sistema público de transporte do país. 

“Segundo, defender a paz, a paz com justiça, digo eu. A paz com igualdade, a paz com independência. E impulsionar todas as formas de diálogo político e negociação política para estabelecer uma paz duradoura. 

“Em terceiro lugar, manter a união cívico-militar. Nossa fortaleza é nossa força armada, nossa cidadania bolivariana e sua capacidade unitária para gestionar a defesa nacional.

“Em quarto lugar, defender-nos diplomática, política, midiaticamente de todas as agressões imperialistas de Donald Trump. A operação chamada ‘ajuda humanitário’ é um show, um show barato, um show mau. Nós os atenderemos, tenha a segurança de que não vai perturbar a Venezuela. Esses shows vão se diluindo, vão se dissolvendo com a realidade venezuelana.”

Há perigo de uma ruptura do exército?

Já foram investidos centenas de milhões de dólares para dividir a Força Armada Nacional Bolivariana. Eu posso te dizer, estando em contato direto com os soldados venezuelanos, que hoje estão mais unidos do que nunca.  Não vão romper.

O que o governo de Nicolás Maduro fez mal feito? 

Muitas coisas. Nós temos uma grande capacidade de autocrítica. Acreditamos que a autocrítica e a crítica são a pedagogia política mais importante para aprender da experiência. 

“Nós fazemos um grande esforço pelo nosso país. Um esforço diário, permanente, com muita honestidade. Mas ainda nos faltam muitas coisas. Cometemos erros na política cambial que levaram a que se fixasse o dólar criminoso, o dólar paralelo que nos fixam desde Miami, desde a Colômbia. Estamos retificando muitos elementos dessa política. 

“Em alguns casos abandonamos a liderança diária dos temas populares. Devemos acentuar mais na construção do movimento popular, do poder popular, dos conselhos comunais. Atender diretamente a base. Atender os problemas das pessoas, escutar o povo, impulsionar o movimento das assembleias, fazer uma revisão permanente. Talvez aí tenhamos cometido erros, produto do próprio conflito que enfrentamos.

“Há muitas coisas para retificar todos os dias. A luta contra a indolência, o burocratismo, a corrupção, é dura, é amarga, é muito complexa. Ninguém vai me dizer que, porque alguém disse que vamos lutar contra a corrupção isso já se executa. Não, a corrupção tem mil caminhos para se recompor. Às vezes a gente nomeia um grande companheiro para um cargo, alguém que serviu na luta política, na agitação social, e acaba se apodrecendo no cargo. Termina sendo mais corrupto que algum mafioso que a gente retirou desse cargo. 

A luta contra a corrupção é tremenda, é uma luta sem fim e estamos dando essa luta com muito precisão. Tenho a sensação de que nos meses vindouros isso vai ter um grande resultado na realidade política do país. 

O último documento do presidente Chávez antes de morrer, Golpe de timão, apostava fundo pela construção desse poder popular. Diria que o governo de Nicolás Maduro seguiu essa orientação?

Eu creio que sim. Temos cavalgando junto ao poder popular venezuelano. Conseguimos ativar mais de 50 mil conselhos comunais que agrupam 80, 100, 120 famílias cada um, às vezes um pouco mais. Conseguimos articular 3 mil e 100 comunas de uma instância superior da organização social, econômica, política da comunidade. Agrupam a uns 2 milhões de venezuelanos. Conseguimos responder ao tema do abastecimento por meio dos conselhos comunais, criando os CLAP. Se não existisse o poder popular teria sido impossível atender esse tema e outros que atendemos. 

“Agora falta muito por fazer. É mentira que só porque alguém convoque a organização, o poder popular se organiza sozinhos. Não. Faz falta muito esforço, bater nas portas, motivar, educar, levar adiante o povo, atender seus problemas, empoderar verdadeiramente o homem, a mulher humilde, o cidadão, a cidadã.

“Eu diria que o grande desafio da esquerda no mundo é construir verdadeiras bases populares, verdadeiro poder popular, porque, às vezes, a esquerda cumpre com suas lutas políticas, com sua consigna, mas se esquece que a política não pode ser aérea. A política deve ter raízes. Sempre a gente tem que pôr os pés na terra. A revolução bolivariana, por mandato do comandante Chávez, nos deu a consigna: comuna ou nada. Aí está a dicotomia. Ou vamos pelo caminho da comuna do poder popular, de raiz real do povo ou ficamos no nada. 

O senhor é apaixonado pela história, pelo cinema – dirigiu o cineclube de Caracas antes de fazer política institucional – e pela música. Como resumiria esta situação atual em um evento histórico, em um filme e uma canção?

Seria: A batalha pela Venezuela. E a canção de salsa, de Ray Barretto, que eu gosto muito, que se chama Indestrutível. Procurem nas redes sociais. Como nessa canção me sinto: Com sangue novo, indestrutível/Ai, unidos venceremos e eu sei que chegaremos.

Presidente: algo más que queira dizer?

Agradecer muito ao México por sua nobreza, por sua solidariedade. E pedir-lhe toda a solidariedade. Que se levante um poderoso movimento em solidariedade que diga a Donald Trump: Não à intervenção militar na Venezuela! Queremos paz na Venezuela! Necessitamos a companhia do povo mexicano para que se imponha a paz e se acabem os gritos de guerra contra nosso país.

*Original de La Jornada, Direitos reservados.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul.
Luis Hernández Navarro

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