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ToggleO presidente peruano, Martín Vizcarra, se garantiu no poder depois de dissolver o Congresso. Ele foi apoiado pela cúpula militar e por governadores e prefeitos, apesar da rejeição do próprio Legislativo, que é dominado por fujimoristas e apristas. Em resposta à ação, tentaram impor a então vice-presidenta, Mercedes , como governante “interina”.
Mas, diante da falta de apoio institucional, pressionada pela Organização dos Estados Americanos (OEA) e com a rua exigindo “que saiam todos”, a “autoproclamada” Aráoz, representante da oligarquia e do empresariado, renunciou por um tuíte à nomeação e pediu o adiantamento das eleições gerais, considerando que “não há condições mínimas para exercer a tarefa que me foi dada pelo Congresso”.
He decidido renunciar irrevocablemente al cargo de Vicepresidenta Constitucional de la República. Las razones las explico en la carta adjunta. Espero que mi renuncia conduzca a la convocatoria de elecciones generales en el más breve plazo por el bien del país. pic.twitter.com/c4tz4tnzMw
— Mercedes Aráoz (@MecheAF) 2 de outubro de 2019
Na segunda-feira (30/09), depois de divulgada a dissolução do Congresso, várias manifestações coloridas e agitadas foram realizadas em todo o país em respaldo a Vizcarra. Ninguém saiu às ruas para apoiar o Congresso, cuja postura é rechaçada por quase 90% da população, segundo todas as pesquisas de opinião. Recentes manifestações populares exigiam “que saiam todos” os políticos.
A OEA, diante da desestabilização que poderia ser gerada no país, desta vez não reconheceu a autoproclamada e pediu, nesta terça-feira (1º), ao Tribunal Constitucional peruano que decidisse se a decisão de Vizcarra se ajusta à Constituição, em vez de intervir na controvérsia.
Por meio da Conferência Episcopal, a Igreja Católica chamou ao diálogo e à calma, bem como a “atuar de acordo com a ordem constitucional e democrática”, à espera de ver qual setor se impunha.
GGN
Manifestações no Peru
Início desta crise
O choque entre poderes ocorreu depois da dissolução do Congresso, controlado pela oposição fujimorista do partido Fuerza Popular, e o consequente anúncio de Vizcarra, da formação Peruanos por el Kambio (Peruanos pela Mudança), que indicou a convocação de eleições em 26 de janeiro de 2020, nos marcos do prazo estabelecido pela Constituição.
Deputados opositores acusaram o governante de dar um “autogolpe de Estado” e, na noite da segunda-feira (30/09), o Congresso dissolvido declarou a vacância temporária do Executivo, nomeando como presidenta interina a vice-mandatária Araoz, que recebeu imediatamente o apoio das centrais empresariais.
A Confederação Nacional de Instituições Empresariais Privadas expressou sua “enérgica rejeição à violação da Constituição e ao sistema democrático perpetrado pelo presidente, que tem afundado o país em uma grave incerteza”.
Fuerza Popular, majoritário no Congresso, é o partido de Keiko Fujimori, filha do encarcerado ex-ditador genocida Alberto Fujimori. Keiko atualmente está em prisão preventiva por acusações de lavagem de dinheiro.
A crise política no Peru se intensificou há três anos, quando o banqueiro Pedro Pablo Kuczynski (2016-2018) venceu por uma margem apertada a populista Keiko Fujimori nas eleições presidenciais, mas o fujimorismo ganhou uma abrumadora maioria no Congresso, o que manteve Kuczynski nas cordas até que foi forçado a renunciar em março de 2018.
A corrupção institucionalizada
Vizcarra, que assumiu em 23 de março de 2018, foi vice-presidente de Kuczynski, que renunciou depois de 20 meses no poder por seu envolvimento no caso de corrupção envolvendo a construtora transnacional brasileira Odebrecht.
Precisamente, o ex-chefe desta transnacional no Peru, Jorge Barata, começou, nesta quarta-feira (2) a revelar, em Curitiba, o nome verdadeiro de 71 “apelidos”, entre eles os de vários parlamentares do país. Entre março de 2010 e o mesmo mês de 2011, registraram-se nove entregas de recursos totalizando US$ 455.776 para a chamada Campanha Legislativa e espera-se que Barata identifique para quê ou quem foram.
O presidente tinha lançado, no domingo (29/09), um ultimato ao Congresso ao advertir que o dissolveria se fosse negado a ele, na segunda-feira (30/09), um voto de confiança para reformar o método de designação dos magistrados do Tribunal Constitucional, com o que buscava impedir que o processo estivesse dominado pela oposição.
A resposta legislativa foi suspender o presidente por “incapacidade temporária” como primeiro passo para o destituir, e se designou Araoz para seu lugar.
O presidente denunciou que o processo de eleição de juízes era pouco transparente. A Constituição peruana prevê que o mandatário está facultado para dissolver o Congresso se lhe é negado, em três ocasiões, exercer um voto de confiança. A recusa da segunda-feira foi a terceira.
Os chefes das Forças Armadas e a Polícia expressaram lealdade a Vizcarra, que também recebeu o apoio de numerosos governadores regionais, bem como da Associação de Prefeitos.
O mandatário ganhou popularidade ao impulsionar uma cruzada contra a corrupção em um país onde os quatro presidentes anteriores foram acusados de receber fundos ilícitos da construtora brasileira Odebrecht: Pedro Pablo Kuczynski, Ollanta Humala, Alejandro Toledo e Alan García, que se suicidou em 17 de abril com um disparo na cabeça quando estava prestes a ser preso em seu domicílio.
Em uma mensagem à nação, Vizcarra sustentou sua decisão dizendo que “o fechamento do Congresso busca dar uma solução democrática e participativa a um problema que o país vem arrastando há mais de três anos”. Disse que a iniciativa busca viabilizar uma “nova eleição parlamentar, e que seja finalmente o povo quem decida”.
Em abril de 1992, o então presidente Alberto Fujimori encabeçou o que foi qualificado de “auto golpe” e assumiu plenos poderes ditatoriais com o apoio dos militares. Vizcarra, por sua vez, invocou a Constituição para dar este passo… e obteve o respaldo castrense.
Esta convocação foi realizada horas após que o presidente dissolver o Parlamento. Até as eleições marcadas para o final de janeiro, funcionará a Comissão Permanente do Congresso, com 27 membros, 18 deles fujimoristas. Os legisladores cessados não podem concorrer à reeleição e, de fato, já perderam suas mordomias.
Com a realização das eleições em janeiro, o mandato dos novos legisladores terminará em julho de 2021, igual que ao de Vizcarra. Os integrantes do Congresso dissolvido perderão imunidade parlamentar em 30 dias, segundo a Constituição.
* Antropóloga, docente e pesquisadora peruana, analista associada ao Centro Latinoamericano de Análise Estratégico (CLAE, www.estrategia.la)
** Traduzido pela revista Diálogos do Sul
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