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El Salvador: um país sem consenso para reconciliar-se com seu passado de impunidade

Divergências entre o Executivo e o Legislativo sobre a Lei de Reconciliação Nacional serão decidids pela Sala Constitucional da Corte Suprema de Justiça
Charly Morales Valido
Prensa Latina
San Salvador de Jujuy

Tradução:

Os choques entre os poderes do Estado estão na ordem do dia em El Salvador, devendo o Judiciário resolver o caos ocasionado pela falta de consenso entre o Executivo e o Legislativo.

Talvez o caso mais controverso seja uma polêmica Lei de Reconciliação Nacional, aprovada pela direita parlamentar, depois vetada pelo presidente Nayib Bukele; agora foi solicitado à Sala Constitucional da Corte Suprema de Justiça que pronuncie a última palavra.

Bukele vetou a referida lei por considerá-la uma “impunidade de fato” para as violações de direitos humanos cometidas durante o conflito armado (1980-1992), além de que deixava de cumprir um mandato outorgado em 2016 pela própria Sala Constitucional.

O chefe de Estado qualificou de “absurda” a norma aprovada com 44 votos dos partidos direitistas Aliança Republicana Nacionalista, Acordo Nacional, Democrata Cristão, e que parece um formalismo para cumprir os prazos.

Por exemplo, a norma de marras outorga à Procuradoria Geral da República um prazo virtualmente impossível de cumprir para que sejam revistos, processados e julgados crimes de guerra cometidos consistentemente durante 12 anos.  “Com esta lei, os criminosos de guerra poderão livrar-se da prisão pelo simples fato de pedir perdão sem considerar se a vítima os perdoa ou não, o que fica a critério do réu”, disse Bukele.

A Assembleia Legislativa (Parlamento) aprovou em sessão extraordinária a lei que fora apresentada apenas dois dias antes, depois de ser elaborada sem a participação das vítimas do conflito, e na medida dos criminosos.

A Frente Farabundo Martí para a Libertação Nacional (FMLN) se negou a votar o anteprojeto, aprovado dois dias antes que vencesse a terceira prorrogação concedida pela Sala para sua promulgação.

Divergências entre o Executivo e o Legislativo sobre a Lei de Reconciliação Nacional serão decidids pela Sala Constitucional da Corte Suprema de Justiça

Wikimmedia Commons
O presidente Bukele foi instado a demonstrar seu compromisso com a justiça ordenando ao Exército abrir seus arquivos sobre El Mozote

Onde acontece a negociação?

A mencionada Sala derrubou em 2016 uma Lei de Anistia de 1993, e ordenou que fosse elaborada uma norma que seguisse critérios de verdade, justiça, reparação às vítimas e garantias de não repetição de tais crimes.

A votação não surpreendeu o jornalista Oscar Pérez, presidente da Fundação Comunicando-nos, pois considera que o interesse dos deputados sempre foi evitar que os criminosos acabassem na cadeia ou pagando indenizações.

Pérez relatou a Prensa Latina que durante as negociações houve consenso em quase tudo, menos no tema da justiça.

“A negociação trava porque os responsáveis por crimes de lesa humanidade e violações de direitos humanos querem pedir perdão e não querem ir para a prisão por seus atos”, explicou.

Os pecados de uma lei com truques

A Fundação Roque Dalton, a Associação de Ex Combatentes pela Democracia e o Projeto Vítimas Solicitantes (VIDAS) também questionam a nova lei por limitar-se aos 12 anos que durou oficialmente o conflito armado.

Assim, por exemplo, continuam impunes crimes como a morte do poeta Roque Dalton, o massacre estudantil da Universidade de El Salvador em 1975 e outros desaparecimentos forçados ou sequestros anteriores a 1980.

Para estas organizações, isto contradiz o princípio de não prescrição, ou seja, os crimes de guerra e de lesa humanidade não deveriam perder efetividade ou valor por ter transcorrido o tempo fixado pela lei.

E, mais: uma vez apresentada uma queixa à Procuradoria, esta terá seis meses para investigar, o prazo é prorrogado por mais seis meses, transcorrido este período, caso a procuradoria não tenha encontrado evidências suficientes; o caso será arquivado e o crime ficará impune.

O problema, alegam defensores dos direitos humanos, é que a maioria das vítimas não tem recursos para encarar um processo contra acusados que, ao contrário, podem pagar uma boa defesa. Acrescente-se a isso que será possível comutar as penas das pessoas que venham a ser condenadas por motivos de saúde, idade ou similares, e a sanção será reduzida à quinta parte caso o imputado confesse seu crime, peça perdão, colabore ou pague uma indenização.

Quanto a isso, as Convenções de Genebra explicitam que “toda violação ao direito internacional humanitário, como os crimes de lesa humanidade, exige dos Estados que imponham penas por tais delitos”.  Finalmente, no que concerne à reparação das vítimas do conflito também apresenta outro aspecto contraditório, pois propõe a criação de um “fundo de reparações” financiado por recursos públicos e não do bolso dos violadores de direitos humanos.

Além disso, são propostos programas de reparação idênticos aos já estabelecidos para veteranos de guerra, que prometiam e firmavam compromissos de distribuição de bolsas, moradias, acesso a terras, créditos produtivos e outros, nunca cumpridos.

Como terminará este assunto?

No momento, a julgar pelo repúdio de organismos internacionais e da própria sociedade civil, além dos vícios e incoerências no texto, tudo parece indicar que a Sala rechaçará esta lei e mandará redigir uma nova, reiniciando o ciclo.

Enquanto isso, o presidente Bukele foi instado a demonstrar seu compromisso com a justiça ordenando ao Exército abrir seus arquivos sobre El Mozote e outros massacres executados por militares e forças para policiais durante a guerra.

Seja como for, o cenário lembra inevitavelmente uma máxima de São Óscar Arnulfo Romero, o arcebispo cujo assassinato detonou o conflito armado: “A justiça em El Salvador é como a serpente, que só morde quem anda descalço”.


Charly Morales Valido é correspondente chefe de Prensa Latina em El Salvador

Prensa Latina, especial para Diálogos do Sul — Direitos reservados.

Tradução: Beatriz Cannabrava


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Charly Morales Valido

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