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"Um homem teimoso, mas aguerrido", Omar Torrijos marcou gerações da Prensa Latina

Uma avalanche de notícias inundou o mundo quando o general panamenho visitou Cuba pela primeira vez
Nubia Piqueras Grosso
Prensa Latina
Cidade do Panamá

Tradução:

Uma avalanche de notícias inundou o mundo em janeiro de 1976, quando Omar Torrijos visitou Cuba pela primeira vez; mas, só Prensa Latina “serviu de travesseiro” ao desaparecido general panamenho durante sua estância na ilha. 

Assim fez saber a esta jornalista o colega chileno Rolando Gabrielli, que naquela época integrou a equipe de trabalho no escritório da Agência Informativa Latino-americana no Panamá. 

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“Durante nove dias ficou ao meu cargo a repercussão da estância de Torrijos em Cuba. Diariamente eu fazia um resumo de tudo o que ocorria no Panamá que era entregue ao general em seu dormitório para que ficasse sabendo o que acontecia em seu país, pois já tinha sofrido um golpe de Estado”, contou em um encontro com velhos colegas.

Uma avalanche de notícias inundou o mundo quando o general panamenho visitou Cuba pela primeira vez

Reprodução: Iela.org
Omar Efraín Torrijos Herrera foi um oficial do exército e líder do Panamá de 1968 até 1981

No encontro entre antigos trabalhadores na redação do Panamá, o também poeta rememorou que naquela época ACAN-EFE tinha o monopólio da América Central, era a maior agência, com mais dinheiro – porque tinha um contrato muito valioso com o governo – e portanto, era a estrela comercial; mas, “nós éramos a agência mais completa”, instalada no país. 

“Eu me lembro que aos domingos, quando ia à agência, recebia um russo que tinha acesso a tudo o que escrevíamos. Depois fiquei sabendo que era um coronel da KGB (inteligência soviética) que ficava sabendo, por nosso intermédio, tudo o que acontecia no Panamá, sobretudo com relação às negociações do canal, porque éramos os ouvidos e os olhos desse processo. 

“Isto, é claro, preocupou muito o governo do norte (Estados Unidos), porque estávamos muito bem informados e cada informação era bem documentada, e assim nos convertemos em especialistas em Panamá”, assegurou Gabrielli, que chegou ao Panamá em 1975 procedente da Colômbia, após sair do Chile devido a uma ameaça de morte. 

“A primeira coisa que me impactou quando cheguei ao aeroporto do Panamá foi o calor, principalmente porque eu vestia um terno”, assegurou o multi-laureado escritor, que chegou ao istmo sem saber o que ia acontecer com ele, convidado pelo colombiano Eduardo Marín, correspondente de Prensa Latina e seu companheiro na universidade.

Passagem inesquecível por Prensa Latina 

“A verdade é que minha etapa na Prensa Latina foi muito diferente do resto dos companheiros que antes trabalharam ali. Eu escrevia pelo menos 20 laudas por dia e umas 600 matérias sobre o canal do Panamá, algumas que foram publicadas no periódico Granma e em muitas outras partes”, precisou. “Pedro Lobaina (já falecido), com um olfato extraordinária chegava das reuniões (negociações do canal) para escrever o texto mais importante do dia e eu me aproximava dele, dizia algumas coisas e depois fazia o lead”, cuja redação sempre qualificou com uma frase elogiosa”, narrou o ensaísta chileno. 

“Entre nós havia uma intuição e uma comunicação extraordinária. Lobaina era mais que um jornalista, era grande em relações e tivemos a sorte de ter esse correspondente chefe, que se caracterizou por sua habilidade, intuição, por estar longe de qualquer tipo de sectarismo. Foi um homem muito aberto, afável, amigo e companheiro, do qual guardo as maiores e mais emotivas lembranças”, disse. 

Embora Gabrielli mal saia do escritório porque estava clandestino no país, Lobaina sempre lhe deu algumas coberturas, especialmente as relacionadas com a arte, porque “ele dizia que eu era da cultura, pois desde essa época já era escritor”. 

“Lembro que eu dia me reservou algo extraordinário: a visita ao camarim da Alicia Alonso durante uma apresentação no Panamá e estive com ela como cinco dias escrevendo grandes crônicas e vendo balé com Lobaina. Nós rimos muito, porque a víamos tão frágil, mas ao mesmo tempo sublime e etérea quando se levantava. Era uma pluma que voava”.
A esta inesquecível cobertura se somam outras não menos importantes como a entrevista ao recém falecido poeta e sacerdote nicaraguense Ernesto Cardenal, no velho casarão que hoje acolhe a Embaixada de Cuba no Panamá, onde ele expôs porque o canal devia passar às mãos nacionais. “Eu andava sem meias, era muito magro e Cardenal foi muito afável e conversamos muito”, agregou.

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Mas, sem dúvida, um dos casos mais simpáticos de sua passagem pelo Panamá como correspondente de Prensa Latina foi a conversação de Torrijos com dois senadores estadunidenses, fato que ele cobriu na província de Los Santos. 

“Quando cheguei no local vejo Torrijos com um charuto meio apagado e dando voltas. Ao ver que não acontecia nada me sentei na piscina olhando uma gringa cuja roupa me chamou a atenção. Perguntei quem era ela e me disseram que era a correspondente do The Washington Post. De repente nos dizem que Torrijos não vai falar e os senadores não trouxeram nada. 

“A primeira coisa que pensei é que iria com as mão vazias para arquivar meu primeiro fracasso. No entanto, no dia seguinte The Washington Post saiu com a primícia em oito colunas. Aí percebi o absurdo que é, em algumas ocasiões, ser jornalista homem”, narrou entre risos. 

No entanto, “eu creio que nessa época tão histórica para o Panamá, nós (Prensa Latina) fomos os melhores. Os correspondentes de todas as agências internacionais eram muito bem pagos e elas estavam muito bem articuladas, mas nós, com nossas ferramentas simples, realmente mostrávamos o que muitos não faziam” 

Nesse sentido, Gabrielli ressaltou o grande nível da agência, que nessa época se caracterizou pelo impacto de suas repercussões sobre os fatos mais importantes ocorridos no Istmo, entre eles o processo em torno à devolução do canal. 

Torrijos, metade mula, metade tigre

“Em honra da verdade, ninguém acreditava que as negociações iam terminar. Nesse processo pudemos ver a extraordinária habilidade de Torrijos e seu olfato. 

“Eu lembro que em uma entrevista com Chuchú Martínez, muito ligado a Torrijos pois era uma espécie de lugar tenente, podemos conhecer tudo o transfundo que havia por trás da notícia, a intimidade da história, como um homem enfrentava um império e se associava aos melhores da América Latina e do mundo, missão que ele encarou como uma religião e com convicção, e por isso penso que foram os melhores momentos do Panamá no século passado.

“Aí fiquei sabendo que o negociador dos Estados Unidos no Panamá, o mesmo que negociou até as pontes no Vietnã, que era chamado de congelador, tinha uma fraqueza que Torrijos encontrou; gostava da ilha Contadora, por isso as negociações do canal se trasladaram para esse local, para que ele estivesse plenamente satisfeito. Dessa forma lhe tiraram tudo o que foi possível”.

Na opinião de Gabrielli, ou homem chave neste complexo processo foi o então chanceler do Panamá, Juan Antonio Tack, que negociou os sete pontos dos tratados Torrijos-Carter com sua contraparte estadunidense. “Uma vez mais, Torrijos se cercou das pessoas mais inteligentes”. 

E concluiu: “Sempre me assombrou a capacidade política de Torrijos, que (Gabriel) García Márquez descreveu como metade mula e metade tigre, pois evidentemente era um homem teimoso, mas aguerrido. Mostra disso foram os tratados Torrijos-Carter, onde o general controlou os gringos de maneira extraordinária”.  

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul.
Nubia Piqueras Grosso

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