Não sei por que ouvir a frase do título me enche o coração de tristeza e desgosto. Os panamenhos nascidos no interior, da minha geração, e que estudamos magistério éramos, em geral, jovens pobres, cujos pais confiavam em que a educação lhes permitiria uma vida melhor.
Não nos contem sobre a desigualdade, nós a conhecemos perfeitamente: não havia água encanada nem posto de saúde, a luz elétrica funcionava das seis da tarde à meia noite e a escola terminava na sexta série.
Desde a década dos 50 os camponeses emigraram para a capital e arredores e muitos encontraram uma situação similar à que haviam deixado para trás, com a desvantagem de não ter um pedacinhos de terra onde plantar para comer mal.
Surgiram os “mercados nos semáforos”, os ambulantes na avenida Central e cresceu a “economia” informal. Ou seja, os camponeses pobres criaram filhos urbanos pobres.
Com a construção do Canal, houve “rios de leite e mel” e embora os governantes fossem panamenhos, permitiram que a minoria usufruísse do dinheiro que entrasse e se enriquecesse, enquanto quase não houve leis para que a distribuição de riqueza significasse educação, saúde e moradia para todos, e muito menos desenvolvimento agropecuário e criação de indústrias em todas as províncias, para não depender apenas do comércio e dos serviços.
Depois da invasão
Depois da invasão dos Estados Unidos, quase tudo prosperou: a imoralidade, o neoliberalismo, o consumismo, o crime organizado e – como sequelas – os milionários passaram a ser multimilionários e a pobreza passou a ser pobreza crítica.
No século XXI Panamá voltou a ser uma “tacinha de ouro”, porque o que o canal produz é muito, mas a distribuição não variou significativamente. Então chegou o coronavírus e encontrou que muita gente sobrevive sem água potável, que a saúde pública não chega a todos, que a moradia de muitos dá pena, que os três órgãos do Estado são ineficientes, que as prisões são para os que roubam pouco, que há violência institucionalizada, que os ricos têm muito poder sobre os governantes e que, como disse Ángela Merkel, “o problema dos latino-americanos é que os ricos não querem pagar nada”.
A quatro meses da primeira vítima – em 8 de julho – havia 41.251 infectados no Panamá. Quantos deles são ricos? Esta estatística deve ser feita e divulgada para todos: pesquisadores, profissionais, sindicatos operários, estudantes, entidades beneficentes, sacerdotes e pastores, filhas de Maria, enfim, todos os panamenhos.
Há que reconhecer que a pobreza é o caldo de cultura do vírus e a desgraça que estamos vivendo deve obrigar o governo a fazer uma distribuição da riqueza que seja verdadeiramente democrática, que use o poder que lhe deram nas urnas para exigir dos outros órgãos o cumprimento de suas responsabilidade de acordo com a Constituição, e que ela seja reformada com a participação do povo que é majoritário e de onde provêm os votos; que os impostos devem ser maiores para os ticos, porque até agora são as camadas médias as que mais contribuem; e que esqueçam de reformar o Código do Trabalho para golpear os trabalhadores, pois com isso o que conseguiriam seria incrementar a pobreza.
Amemos nosso filhos e netos: vamos agir para evitar que outra epidemia encontre o Panamá em uma situação como a atual.
Elda Maúd de León, Doutora em Educação e Mediação Pedagógica. Colabora com Diálogos do Sul.
Publicado originalmente em Estrella de Panamá