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Massacres, cinismo e misoginia: Colômbia sofre com violência escondida pelo Estado

Os responsáveis pelos crimes não são procurados pela Justiça colombiana, mas sim defendidos, enquanto os que os denunciam são estigmatizados
Consuelo Ahumada

Tradução:

Massacres e assassinatos aumentam em todo o território da Colômbia, com uma sistematicidade alarmante. Seu histórico se torna notícia regular nesses tempos de pandemia e nos desastres ocorridos no inverno, assim como a previsível resposta do governo de Iván Duque, culpando o narcotráfico, os dissidentes e o acordo de paz pelo ocorrido.

Em meio a um panorama tão sombrio, soube-se de um fato terrível que permaneceu oculto. No dia 4 de setembro, houve um incêndio na delegacia de San Mateo, na região de Soacha, causado por um dos jovens que estavam presos no local.

Segundo a denúncia de vereador de Bogotá chamado Diego Cancino, a polícia nada fez para impedir que 9 detentos fossem cremados. Ao contrário, há indícios de que um agente policial teria entrado e alimentado o incêndio, jogando gasolina. Tudo em meio ao desespero e os gritos das mães, irmãs e pessoas próximas das vítimas, que esperaram por horas e jamais tiveram alguma chance de poder resgatá-los.

Cancino recolheu os depoimentos comoventes das mães sobre a “fogueira humana” e sobre o tratamento que os detidos receberam, o que comprova o modus operandi da polícia local. Estavam em uma cela minúscula, em condições subumanas, submetidos à violência física. Recebiam alimentos apenas a cada 5 dias, muitas vezes estragados.

O incêndio aconteceu quatro dias antes do assassinato de Javier Ordóñez pelas mãos de policiais em Bogotá, caso que virou estopim dos protestos ocorridos na capital colombiana entre os dias 8 e 10 de setembro, que resultaram em 13 jovens mortos e 72 feridos a tiros pelas forças de segurança do Estado.

Os responsáveis pelos crimes não são procurados pela Justiça colombiana, mas sim defendidos, enquanto os que os denunciam são estigmatizados

Wikimedia Commons
Grupo de paramilitares entra em vilarejo colombiano. Muitos soldados foram alvo de denúncias de violência contra mulheres.

O relatório “Chacina, Deus e Pátria”, apresentado pela ONG Temblores poucos dias antes desses eventos, documentou 23 assassinatos em 2020 como resultado da violência policial na Colômbia, além de espancamentos, chutes, ataques com armas de corte e estupros. O informe relatou 162 casos de abuso policial extremo, dos quais 12 terminaram em homicídio – 14% estavam relacionados a protestos sociais e os principais afetados foram jovens entre 17 e 24 anos. Também destacou que a violência policial é maior nos setores mais pobres, o que, sem dúvida, é o caso da Soacha.

Este município adjacente a Bogotá conta com mais de um milhão de habitantes e é um verdadeiro barril de pólvora social. Seus níveis de pobreza e desemprego são alarmantes, assim como o número de deslocados que vivem ali. O investimento público e social é muito baixo. Membros de exércitos irregulares, organizações criminosas e máfias vivem ali.

A situação dos jovens é precária e sem esperança, o que tem sido alvo de entidades de assistência à infância e do Ministério da Justiça. Lembremo-nos das vítimas de execuções judiciais há vários anos e de suas mães ameaçadas e estigmatizadas.

O Massacre de San Mateo só foi conhecido pelo grande público dois meses depois de ter ocorrido, porque as mães dos prisioneiros também foram ameaçadas de morte. A reação das autoridades foi previsível: o prefeito, tão preocupado com a realização de uma festa popular nas semanas anteriores, escondeu o fato. O presidente do Conselho Municipal disse a Cancino para não interferir, e que em vez disso se preocupasse com os semáforos que atrapalham o trânsito na Rua 13 da capital colombiana.

Por sua vez, o comandante da Polícia do Departamento de Cundinamarca descreveu a tragédia como “resultado de um motim dos presos e da rebelião da família”, e indicou que imediatamente procederam ao “controle do incêndio, primeiros socorros e evacuação de pessoas feridas”. Tal alegação é baseada em uma versão falsa do que aconteceu, como mostram os vídeos.

No mesmo sentido, e com o cinismo de sempre, o Ministro da Defesa colombiano, Carlos Trujillo, compareceu junto com o diretor da Polícia Nacional e rejeitou “com veemência, a campanha de deslegitimação e descrédito de setores que tentam politizar “a morte da instituição”.

Uma nota marcante deste regime fascista é precisamente isso. Os responsáveis pelos crimes não são procurados pela Justiça colombiana, mas sim defendidos, enquanto os que os denunciam são estigmatizados. No caso da polícia e das Forças Armadas, isso tem sido um comportamento permanente. Por isso, em março passado, o relatório do Alto Comissariado da ONU (Organização das Nações Unidas) propôs que a polícia passasse a ser responsabilidade do Ministério do Interior – no entanto, Duque disse que isso violaria a soberania nacional.

Na semana passada, Adriana Villegas, jornalista do diário La Patria de Manizales, recebeu uma intimação para uma declaração juramentada obrigatória do Batalhão do Exército de Ayacucho. O motivo? Uma coluna de opinião dela intitulada “Não é brincadeira, é violência”, na qual questionava as canções misóginas que cantam os soldados do país, que promovem a violência e o assassinato de mulheres: “se alguma vez tive (mãe), a enforquei com minhas mãos. Nunca tive namorada, nem terei nunca”.

A jornalista recebeu ampla solidariedade pelo caráter intimidante dessa medida. O Batalhão alegou “reserva de investigação” para não aceitar que ela estivesse acompanhada por um representante da Fundação para a Liberdade de Imprensa da Colômbia. E enquanto isso, o ministro Trujillo passou seus últimos dias em campanha eleitoral.

*Publicado originalmente em ‘Las 2 Orillas‘ | Tradução de Victor Farinelli


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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