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ToggleUm ex-presidente, vários ministros e outros funcionários são apontados para ser conduzidos à fogueira e ser assados ali em um auto de fé com fanfarra e alegria geral.
A acusação?
Terem sido vacinados contra a Covid-19. Para certos jornalistas e políticos, um atrevimento! Uma sem-vergonhice! Uma traição! Um delito! Que deve ser drasticamente castigado.
Os ministros das Relações Exteriores e da Saúde renunciaram, e o governo anunciou que vai demitir quem aplicou a vacina antes do início da imunização da população.
Vejamos os fatos.
No sábado, 7 de fevereiro, chegaram ao Peru 300 mil doses do primeiro lote de vacinas contra o coronavírus vendidas pelo laboratório chinês Sinopharm. Programou-se a vacinação em três fases, das quais a primeira a ser aplicada no pessoal de alto risco por se achar em contato direto ou potencial com pessoas afetadas por essa pandemia.
– O ex-presidente, os ministros e funcionários acusados de terem sido vacinados tomaram as vacinas desse lote?
– Não.
– Como?
Vacinaram-se com uma pequena quantidade que a empresa Sinopharm ofereceu ao governo do Peru em 7 de agosto de 2020 (carta publicada por La República em 27 de fevereiro de 2021) e as entregou gratuitamente no fim deste mês (1.000 doses).
Observador.pe
Escândalo das vacinas continua repercutindo intensamente no Peru
Acusados teriam participado do processo de experimentação
Foi um momento em que as vacinas das empresas e países que as estavam criando estavam ainda em experimentação. Recentemente, em dezembro de 2020, estas vacinas começaram a ser autorizadas para seu uso e venda. As da Sinopharm receberam essa autorização em 31 de dezembro de 2020.
Portanto, só a partir dessa data estas vacinas estavam prontas a ser usadas, depois que os últimos experimentos confirmaram sua eficácia e que não são prejudiciais.
Em setembro de 2020, o governo do Peru não podia dispor o uso das vacinas obsequiadas pela Sinopharm, salvo como parte de um processo de experimentação a ser acertado. As pessoas que se ofereceram para ser inoculadas com vacinas experimentais sabiam os riscos a que se submetiam, e ignoravam se recebiam a vacina ou um placebo.
Se foram assim as coisas, a injeção dessas vacinas experimentais no ex-presidente e nos ministros e funcionários não parece tão grave.
Se se tratava de atribuir responsabilidades, no máximo se poderia pensar em uma falta administrativa, consistente em haver-se criado um risco pessoal, risco porque teria implicado a possibilidade de um efeito prejudicial, e por haver-se utilizado um bem do Estado, pelo qual este nada teve que pagar e não estava obrigado o empregá-lo como parte do processo de comprovação.
Foram vacinas entregues como amostras grátis, um pouco prematuramente, posto que o experimento estava ainda em curso e sua venda não tinha sido autorizada.
Deturpação e utilização política dos fatos
Mas certos políticos e certa imprensa necessitavam do escândalo. Quando começaram a saber do que havia sucedido, fizeram o público acreditar que o ex-presidente e os ministros e funcionários injetados em setembro de 2020 haviam tomada as vacinas vendidas pela Sinopharm em fevereiro de 2021, em detrimento dos médicos, enfermeiras e outras pessoas a cargo do tratamento dos infectados com covid: uma traição, um delito que devia ser severamente sancionado.
Como tinha que ser, esse assunto foi debatido no Congresso da República e alguns representantes, sentindo-se paladinos da legalidade, acusaram o ex-presidente Martín Vizcarra, a quem haviam expulsado da presidência, sem motivo, em novembro de 2020.
Do que o acusaram? Não o sabiam, mas isso não importava, porque queriam também inabilitá-lo como candidato ao Congresso nas eleições de abril próximo.
Certos políticos e certa imprensa necessitavam do escândalo
Os membros da Subcomissão de Acusações Constitucionais aprovaram verbalmente em 23 de fevereiro de 2021 a procedência de quatro denúncias, deixando para depois a redação da ata de acusação, sem dúvida para enchê-la com motivações que não foram votadas.
O que diz a Constituição sobre isto?
O artigo 99 atribui à Comissão Permanente do Congresso acusar ante o plenário o ex-presidente da República e outros funcionários do Estado “por infração da Constituição e por todo delito que cometam no exercício de suas funções e até cinco anos depois que tenham cessado”.
Os congressistas deverão provar, portanto, que a infração imputada contravém tal ou qual artigo da Constituição ou que houve cometimento de delito.
Desde já se lhes pode dizer:
1) que a Constituição não contempla como infração tomar vacinas obsequiadas em processo de experimentaçãodelito tem que estar comprovado, quer dizer, sancionado como tal em última instância pelo poder judiciário, antes disso não há delito.
“Toda pessoa é considerada inocente enquanto não se tenha declarado judicialmente sua responsabilidade”, Const., art. 2º-24-e
É claro que os congressistas que estão contra Vizcarra poderiam ignorar a Constituição, amparados na imunidade. E isto é o lamentável desta Constituição. O mais elementar sentido comum faz ver que se os congressistas infringiram a Constituição ou a lei com seus votos cometeram delitos. Mas isso deve ser assinalado por uma reforma da Constituição.
Um efeito não imaginado pelos promotores dessa caça de bruxas contra Vizcarra e alguns de seus ministros e funcionários é o reforço da noção de igualdade de todos perante a lei, pela qual todo cidadão tem direito a um voto.
Agora muitos começam a ver que também têm direito a uma vacina que o Estado lhes deve fornecer, e prolongando esta convicção, lhes parecerá também claro que têm direito, da mesma forma, a um trabalho, a serviços de saúde e a uma renda estável.
A noção de igualdade de todos perante a lei, pela qual todo cidadão tem direito a um voto, aponta para a noção de que agora todos também têm direito a uma vacina que o Estado lhes deve fornecer,
Estamos, evidentemente, diante de uma contradição que se resolve com um impulso para a frente no desenvolvimento da consciência social.
* Jorge Rendón Vásquez, Colaborador de Diálogos do Sul de Lima, Peru.
** Tradução: Beatriz Cannabrava /Ana Corbusier
*** Edição: João Baptista Pimentel Neto
As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul
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