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Stella Caloni | Em discurso direto, Maduro convoca retomada da luta anti-imperialista

Na convocatória ao Encontro Internacional do Congresso Bicentenário dos Povos do Mundo, Maduro marcou o grande desafio da recuperação da memória histórica
Stella Calloni
Diálogos do Sul
Buenos Aires

Tradução:

Fazendo história

O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, com sua convocatória ao Encontro Internacional do Congresso Bicentenário dos Povos do Mundo, no passado 26 de março, em um novo aniversário da Batalha de Carabobo, marcou o grande desafio da recuperação da memória histórica, nunca tão necessário como nestes tempos quando o império avança sobre a América Latina com um plano estratégico para recolonizar e controlar definitivamente a região.

Esta batalha foi um marco na luta unitária dos exércitos libertadores contra o colonialismo espanhol e por isso retomar a urgente necessidade de unir a uma região cujos países estão em situação de dependência dos Estados Unidos, salvo Cuba, é sem dúvida a evidência da continuidade da política com que o presidente Hugo Chávez Frías iniciou o processo de unir e integrar a Nossa América em um projeto de emancipação definitiva. 

Nesses primeiros passos, Chávez recebeu o respaldo imediato do comandante Fidel Castro Rúz, o líder revolucionário cubano e latino-americano contemporâneo mais universal de todos os tempos, com a sombra de outros heróis de nossa história, como José Martí, na luta por unir a América Latina e todos os povos sob dominação imperial e colonial. 

Em um discurso claro e direto, Maduro pôs novamente à cabeça a Venezuela de Simon Bolívar e aludiu ao Congresso Anfictiónico de Panamá (1826) entendendo claramente o significado da atual luta anti-imperialista, anticolonialista, evidenciando que há países que se mantêm na vanguarda no resgate da memória histórica, como uma ação cultural que marca linhas diante de uma desapiedada guerra midiática para desconcientizar e desculturalizar nossas populações.

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Já o havia dito Zbigniew Brzezinski, o já falecido cientista político polaco, assessor eterno das políticas imperiais, ao advertir que os Estados Unidos só poderiam dominar definitivamente a América Latina se conseguissem arrasar com suas culturas em cada um dos nossos países e que enquanto isto não sucedesse não poderiam converter-nos em “Estados vassalos”, que é o que tentam agora. 

É retomada assim a vanguarda da luta anti-imperialista, entendendo os tempos da história, diante das urgências do império, que tenta destruir aquilo que consideram o maior obstáculo às suas pretensões de impor na região um colonialismo tardio e insustentável, como sucede com a resistência de Cuba, da Venezuela, da Nicarágua, o chamado “eixo do mal” cujo exemplo aviva as cinzas e acende as chamas da rebelião continental, que nem sequer a pandemia conseguir deter.

Na convocatória ao Encontro Internacional do Congresso Bicentenário dos Povos do Mundo, Maduro marcou o grande desafio da recuperação da memória histórica

Agência Brasil
Em um discurso claro e direto, Maduro pôs novamente à cabeça a Venezuela de Simon Bolívar

Resistência cubana

Cuba suporta mais de 60 anos de um sítio de guerra como é o bloqueio criminoso, que também é aplicado desde 2014 à Venezuela, assediada desde a chegada do comandante Chávez Frias ao governo em 1998– ratificado depois sob a Constituição Bolivariana de 1999.

São estas presenças insubmissas, como também a Nicarágua sandinista, que desafiam o império, ao que havíamos começado a derrotar também no terreno eleitoral

Nunca puderam dobrar Cuba e a revolução continua em pé, e tem causado nestes anos uma forte derrota moral ao império, além daquela epopeia militar em uma tentativa de invasão em 1961, e 60 anos de ataques terroristas de todo tipo.

Resistência bolivariana e a CELAC

A Venezuela leva já sete anos resistindo a todos os embates do império e submetida a uma desapiedada guerra contra insurgente desde abril de 2002, quando Washington decidiu dar a patada golpista nesse país.

Foi o primeiro golpe na história regional derrotado em pouco mais de 48 horas, por um povo nas ruas com um livrinho da Constituição nas mãos e umas forças armadas patrióticas cujos chefes também haviam resgatado a memória de Simon Bolívar.

Não se pode esquecer que isto tornou possível que surgisse desde a Venezuela chavista com o apoio da gloriosa Cuba revolucionária de Fidel Castro o grande projeto esboçado pelo bolivarianismo como o pensamento contra hegemônico do século XXI, referido à unidade latino-americana quando se chegou a concretizar um organismo como a Comunidade de Nações Latino-americanas e Caribenhas (CELAC) no fim de 2011.

A Venezuela lhes aplicou também uma derrota moral sem precedentes ao sustentar mais de duas dúzias de processos eleitorais em que, apesar dos milhões de dólares gastos, os Estados Unidos não puderam recuperar seu domínio sobre as sempre manejáveis eleições, por meio das quais instalavam seus peões e sustentavam ditadores. 

Cone Sul

Tomando um só exemplo, as eleições realizadas no Paraguai sob a ditadura do general Alfredo Stroessner que perdurou 35 anos impondo o terror, e que servia como território super controlado para as tarefas de Washington de infiltração na região.

Em 1973, em Washington, sob o governo de Richard Nixon, foi armado executado o golpe militar contra o presidente Salvador Allende no Chile, o primeiro socialista surgido de um processo eleitoral à frente da Unidade Popular, com a colaboração ativa do Paraguai de Stroessner.

Memória
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Tanto este, como o ditador chileno Augusto Pinochet o os militares da primeira Ditadura da Segurança Nacional instalada no Brasil em 1964, com o derrocamento do presidente João Goulart, foram chave para a implantação de todas as ditaduras no Cone Sul nos anos 70. 

A volta da Doutrina Monroe e a realidade atual

São alguns dos inumeráveis dados da realidade de Nossa América, marcada pela dependência. As eleições sempre haviam sido manejadas a partir dos escritórios ovais do império. Esse é o cenário ao qual se tenta regressar, como vimos na Bolívia em 2019 e continuamos vendo no Equador em 2021, para citar só alguns dos “modelos” do século XXI. 

Na primeira década do século XXI, Washington já havia decido a volta da “Doutrina Monroe” (1823) com remoçadas estratégias e o controle das novas tecnologias, o que foi reconhecido publicamente por John Kerry, o ex-secretário de Estado de Barack Obama (2013-2017), e pelo ex-presidente Donald Trump, antes de terminar seu mandato.

Escutando o novo presidente democrata Joe Biden não há dúvida de que nada mudou no cenário político dos EUA para a nossa região. 

A Doutrina Monroe, o documento colonial por excelência determinava que Nossa América, a de José Martí, Simon Bolívar, José de San Martín e outros heróis, devia pertencer ao recém-nascido império do norte, e tornou a encabeçar os novos documentos da política exterior dos Estados Unidos para a América Latina neste século. 

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Isto é só um relâmpago para saber como Washington se desesperou, não só com a incrível façanha da resistência de Cuba, hoje como vanguarda cultural, educativa, científica, farol dos povos que decidiram ser definitivamente livres e soberanos, mas também com a Venezuela, a Nicarágua, a Bolívia e todos os governos que em maior ou menor grau desafiam o poder hegemônico em nossa região, desde as tentativas democráticas rigorosamente vigiadas no continente. 

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Recorrendo às velhas estratégias de dominação, às suas próprias memórias coloniais, EUA regressou aos golpes de estado, com outros componentes, ajustando aos velhos esquemas novos desenhos de conquista e colonização neste século XXI. O fez em Honduras (2009), Paraguai, Brasil (2012 e 2016), Bolívia (2019) e outros fracassados como aconteceu na Venezuela e na Nicarágua.

Tentativas de “golpes brandos”

Mas na América Latina não é possível um golpe brando, apesar da estratégia dos Estados Unidos para este período histórico que era infiltrar as estruturas judiciais de nossos países, apoderar-se da direção de todas as alianças direitistas regionais, para o regresso a seu controle eleitoral usando os parlamentos; apropriar-se – como o fez – da imensa maioria dos meios de comunicação de massa, tarefa facilitada pelo furacão neoliberal do século passado, derrotado nas ruas e estradas desta nossa Pátria Grande

A América Latina continua sendo o continente da eterna resistência, como estamos vendo nas rebeliões populares que explodem em um país ou em outro, ou como o marcou o regresso da mão do povo boliviano pela via eleitoral na Bolívia depois de apenas um ano do derrocamento do então presidente Evo Morales em novembro de 2019.

Outro marco na história resistente de Nossa América é este acontecimento que ocorreu um ano depois de um golpe encabeçado abertamente pelo Secretário Geral da Organização de Estados Americanos (OEA), Luis Almagro, o povo boliviano rebelado durante todo o tempo apesar das matanças e do terror se manteve ativa nas ruas.

O triunfo de outubro de 2020 foi a maior derrota moral para os Estados Unidos e para a cabeça do golpe: a OEA. 

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Não somos muito efetivos em recordar cada golpe que se deu nos últimos 200 anos na América Latina, ao império que se considera o mais poderoso de todos os tempos. 

Tudo isto, a grandes traços, esteve no apelo de Maduro, mostrando o único caminho possível da unidade dos povos diante de um império cujo discurso é cada vez mais violento, ao entender que deixou de ser a única potência no mundo, e que seu sonho de dominação global navega à intempérie como um barco sem rumo. 

É um sonho que tenta reviver em meio à pandemia que, sem máscaras, mostra à outrora potência invencível, a saga de outras nações do mundo. 

Este é o momento da unidade dos povos no nível regional e mundial. Não deixemos passar a oportunidade histórica que temos. Nesta situação os dirigentes não podem se equivocar e disso se têm que ocupar os povos. São tempos de passos curtos e seguros. São tempos de recuperar a mirada estratégica e de chamar as coisas por seu nome. 

Que não nos enredam com as Fake News (notícias falsas) que sempre foram parte da guerra contra insurgente, desde 1961. A contra insurgência é sem dúvida parte inseparável dos objetivos da política de segurança externa dos EUA, desde a aprovação da Lei de Ajuda Exterior, em 1961, pelo presidente John Kennedy.

O que diferencia uma época da outra é que agora os Estados Unidos e seus aliados, como Israel os submissos governos europeus, controlam e utilizam como arma de guerra os 98 por cento dos meios de comunicação de massa, com o controle quase absoluto nestes tempos. 

O “lawfare” também surge como algo novo para se referir ao uso da justiça, com seus cúmplices midiáticos e políticos, como um jogo dessa mesma doutrina contra insurgente, que se aplicava na velha guerra psicológica ao longo de toda nossa história, agora remoçada pelo que é chamado nos Estados Unidos de “guerra de quarta geração”. 

Neste caso o primeiro mandamento deste tipo de guerra destaca que agora “não se necessitam armas” para exterminar “dirigentes” que incomodam, só poderosas campanhas de notícias falsas, de informes manipulados, o suficiente para “matar moralmente” esses dirigentes que “ameaçam a segurança” dos EUA, mediante o descrédito, a difamação, a humilhação permanente para perfurar a consciência dos povos ou fazer “desaparecer moralmente” o dirigente em questão.

Que não nos façam acreditar que isto é novo, que não nos confundam com termos tipicamente coloniais ou nomeando cada vez com um nome diferente ao que é na realidade a mesma e velha estrutura contra insurgente, melhor bancada pela apropriação imperial das novas tecnologias, das cyberguerras e outros. Não é tempo de ambiguidades. 

Não se enfrenta um império cada vez mais selvagem à medida que a decadência avança, com ambiguidades, com vacilações, com dogmas paralisantes. Não se enfrenta com dirigentes que perderam sua visão estratégica. E são os povos, conscientes e organizados, os que podem recordar onde está o verdadeiro inimigo. E isso deve ser feito com sabedoria e inteligência. 

Vemos nestes momentos como os governantes dos Estados Unidos, sejam Donald Trump ou Joe Biden, não estão escutando os ruídos internos, até que um dia a lava do vulcão saia e apareça diante dos portões da Casa Branca.

Muito obrigada, presidente Maduro, por essa convocatória que torna a colocar o eixo onde deve estar. 

Stella Calloni, jornalista e colaboradora da Diálogos do Sul desde Buenos Aires

Tradução: Beatriz Cannabrava


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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Stella Calloni Atuou como correspondente de guerra em países da América Central e África do Norte. Já entrevistou diferentes chefes de Estado, como Fidel Castro, Hugo Chávez, Evo Morales, Luiz Inácio Lula da Silva, Rafael Correa, Daniel Ortega, Salvador Allende, etc.

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