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Meus últimos passos com Omar Torrijos, o general que libertou o Panamá e a quem a CIA nunca perdoou

Em 31 de julho de 1981, Torrijos partia para mais uma ronda e insistia para que eu fosse seu oitavo passageiro. Ninguém podia imaginar que aquele avião cairia “misteriosamente"
Paulo Cannabrava Filho
Diálogos do Sul Global
São Paulo (SP)

Tradução:

Um dia de julho de 1981, cheguei à Cidade do Panamá e fui ao Hotel Soloy com a esperança de que, como em outros tempos, ali poderia encontrar importantes figuras que fizeram parte do governo do general Omar Torrijos. Depois de me acomodar, telefonei para sua casa avisando da minha chegada. 

De noite, perguntei ao barman se ainda o frequentavam os homens do governo. Não. Já não eram mais governo, mas lembrava deles, principalmente de Rómulo Escobar Bethancourt, que tomava de tudo e, de um dia para outro, passou tomar unicamente Ginger ale, fingindo que era uísque escocês com soda.  

Eram reuniões ruidosas, cheguei a participar de umas poucas, com a presença de Eligio Salas, reitor da Universidade do Panamá, Adolfo Ahumada, ministro do Trabalho, Rómulo Escobar, assessor político do general e principal negociador na Comissão Negociadora dos Tratados do Canal do Panamá, entre outros. 

Integravam a comissão o chanceler panamenho, Juan Antonio Tack e Rómulo Escobar, Wilsworth Bunker e Sol Linowitz secretário de Estado dos EUA e assessores importantes de cada um dos governos.  

Eu trabalhei com Rómulo no escritório de assessoria do chefe do governo, general Omar Torrijos Herrera, no setor de informação e comunicação. Nesse momento, o objetivo era conseguir o fim da presença colonial dos Estados Unidos na chamada Zona do Canal. O general Omar Torrijos Herrera 

Os momentos de maior tensão foram os que precederam a ratificação pelo Senado dos Estados Unidos. Os tratados haviam sido firmados por Omar Torrijos e Jimmy Carter, em setembro de 1977, ratificados pelo povo panamenho através de plebiscito, em outubro, mas o Senado estadunidense só os ratificaria em março e abril de 1978. 

Eram dois tratados, um de descolonização, que entregaria o Canal ao domínio pleno do Panamá, em 1999, e outro de Neutralidade, que assegurava direitos de defesa para os Estados Unidos.

Para os panamenhos, não havia duas possibilidades. Era sim ou sim aos tratados, caso contrário, melhor sem o Canal. 

O ex-presidente dos EUA Jimmy Carter 

Não há colonialismo que dure 100 anos nem povo que o aguente, dizia Omar. Por ordem sua se havia montado uma operação especial na qual foram minados pontos chaves do canal. 

No caso de o Senado rechaçar os tratados, a ordem era bombardeá-lo. Quem tinha a senha que seria transmitida pela Rádio Libertad, era Rómulo Escobar. Isso o atormentava muito. 

A ratificação pelo Senado foi um grande alívio e uma festa grandiosa que animou toda a nação. O povo em massa irrompeu na zona do canal, antes reservada somente aos ianques. 

Isso ocorria na Cidade do Panamá, na costa do Pacífico. Nessa ponta do canal, um destacamento da Guarda Nacional subiu ao Cerro Ancón e substituiu a bandeira símbolo do colonialismo e do império por uma enorme bandeira panamenha de uma pátria soberana. 

Omar Torrijos está na história para sempre como o libertador. Conquistou a soberania, deu dignidade ao povo e protagonizou, junto com ele, uma revolução. 

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Naquela manhã, no Soloy, acordei e me preparava para descer à cafeteria para tomar meu café da manhã, quando soou o telefone: te buscam na recepção. Pensei que sendo tão cedo, só poderia ser Chuchú Martínez. Não era. Desci e um soldado me disse vir de parte de Ester, secretaria do general, para me buscar. Eu lhe pergunto se havia tempo para tomar meu café. Não.  O café da manhã seria lá. 

No carro, pergunto pelo Chuchú, que em outras ocasiões era quem me levava à presença do general. Respondeu laconicamente que logo eu o veria. 

José de Jesús Martínez, uma figura ontológica, ou melhor, de antologia. Poliglota, professor de filosofia e lógica matemática na Universidade do Panamá, poeta, dramaturgo e cineasta, piloto de aviação, se fez recruta da Guarda Nacional. Sofreu em mãos de sargentos, foi ascendido a cabo, depois a sargento e passou a fazer parte da guarda pessoal do general Omar Torrijos. 

José de Jesús Martinez conhecido como Chuchú Martínez

Muito mais do que guarda-costas, era o intérprete nos encontros com autoridades estrangeiras, carregava a maleta e era amigo leal, devoto. Acompanhou o general em todas as viagens que ele fez ao exterior para mostrar ao mundo a justeza de sua luta, a de um Lilliput contra o maior Gulliver do mundo. Os pronunciamentos do general em cada uma dessas viagens foram compilados em livro. 

Às personalidades do mundo artístico que vinham ao Panamá para apoiar essa luta, era Chuchú que fazia as honras da casa. Gente famosa, como o colombiano Gabriel García Márquez ou o britânico Graham Greene, que sentiam verdadeira admiração por Omar Torrijos, o visitavam com frequência e escreveram sobre ele. 

Em poucos minutos chegamos à casa de Rory González, um empresário rico, dono do diário Crítica, fiel e devoto amigo de Omar. 

O café da manhã foi servido em uma mesa enorme em área descoberta, na lateral da casa. Cumprimento as pessoas, o general estava com um sorriso aberto. Sem se mexer pede que eu me sente a seu lado. Aí nos agarramos ambas as mãos. Um reencontro emotivo. 

Em março de 1980, ao me despedir de Omar, antes de embarcar de regresso, fiz com que prometesse visitar-me no Brasil. E não demorou muito a cumprir sua promessa.

Exílio 

Cheguei ao Panamá em 1977 graças ao general Omar Torrijos, chefe do governo, que me resgatou, a mim e à minha família, no momento em que o governo peruano, do general Morales Bermúdez, me expulsou do Peru. 

Sem passaporte e perseguido pela ditadura brasileira, Omar ordenou ao seu embaixador em Lima que se encarregasse de mim e com salvo-conduto me fez chegar ao Panamá. 

Naquela época estava como embaixador o jornalista Boris Moreno, amigo que informou minha situação ao seu chefe.

O Jornalista Paulo Cannabrava Filho é oitavo passageiro e único sobrevivente que narra essa história

Um gesto solidário que revela a grandeza humana desse homem. Eu estava em situação muito difícil, desempregado, sem recursos, a ponto de ser preso e deportado, o que poderia custar, senão a vida, a prisão, tortura e quem sabe o que mais… 

Logo que me acomodei no Panamá, Omar me colocou para trabalhar no escritório de Rómulo Escobar Bethancourt. 

O diplomata e político Rómulo Escobar Bethancourt 

Nesse local, nos reuníamos com o general quase todas as quintas-feiras. Foram anos de trabalho intenso acompanhando as negociações com os Estados Unidos e elaborando relações com a imprensa internacional. 

Revolução Sandinista

Ao mesmo tempo, tratava-se de apoiar a revolução sandinista que se desenvolvia na Nicarágua. 

No momento seguinte à ratificação dos Tratados Torrijos/Carter pelo Senado estadunidense, Omar nos chamou e disse:

— Agora vamos derrubar Somoza. Em seguida, colocou todos os dispositivos que estavam dirigidos à questão do canal à disposição da revolução nicaraguense. 

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Aqui também se revela até onde Omar foi capaz de se comprometer em sua decisão solidária com a Revolução Sandinista. Comprometeu-se com tudo e, assim, o reconheceram os líderes e o povo nicaraguense, ao recebê-lo festivamente em Manágua depois do triunfo. 

Comandantes da guerrilha sandinista utilizavam o Panamá como base operacional; tinham o suporte da inteligência, informação e comunicação. No momento decisivo, 600 soldados da Guarda Nacional “desertaram” para reforçar a frente sul da guerrilha sandinista e isso foi decisivo para a vitória. 

Em 31 de julho de 1981, Torrijos partia para mais uma ronda e insistia para que eu fosse seu oitavo passageiro. Ninguém podia imaginar que aquele avião cairia “misteriosamente"

Montagem Diálogos do Sul
O Jornalista Paulo Cannabavra Filho seria o oitavo passageiro de Voo que matou Omar Torrijos e mais 6 pessoas

Houve um momento em que Somoza ameaçou invadir a Costa Rica. Sabia que todo o apoio internacional aos guerrilheiros passava pelo território da Costa Rica. Em resposta à ameaça, o general Omar Torrijos mobilizou o apoio de Carlos Andrés Pérez, então presidente da Venezuela, para oferecer garantias ao presidente Daniel Oduber Quirós, da Costa Rica. 

O apoio se materializou com o envio ao Panamá de um caça bombardeiro Mirage artilhado da força aérea venezuelana. “Se te atreves a mover contra a Costa Rica, fazemos voar teu palácio”. Foi o que disse Omar… 

Daniel Quirós e Carlos Andrés Pérez  presidetens da Costa Rica e Venezuela 

Libertação nacional

Já eram fortes os vínculos com o general antes que me trouxesse para trabalhar com ele. Nós nos encontrávamos em suas visitas ao Peru ou em eventos internacionais. 

Em 1973, eu estava no Panamá para cobrir a reunião do Conselho de Segurança da ONU. Terminada a reunião, Omar me chamou e durante mais de uma semana viajamos por cidades e rincões remotos desse país que ele tanto amava. 

Nessas patrulhas, em cada lugar que chegava queria ver primeiro a escola. O povo, por onde quer que passasse, o chamava de Omar e o tratava com imenso carinho. 

Essa reunião do Conselho de Segurança da ONU foi uma das conquistas mais significativas da estratégia de libertação panamenha. A reunião foi convocada para a questão do enclave colonial que os Estados Unidos mantinham no Panamá e o Conselho condenou os EUA por 11 votos e um veto. Obviamente o veto foi dos Estados Unidos mesmo. Mas o mundo soube que no Panamá se travava uma luta de libertação nacional.  

O sonho de Omar era construir uma democracia participativa a partir de baixo, totalmente divergente da democracia formal herdada do colonialismo, em que apenas os oligarcas e seus áulicos participam do poder. Em cada Corregimento era escolhido um Representante à Assembleia Nacional de Corregimentos que substituiu os deputados por 405 líderes locais com poder de legislar e planejar a gestão local. Era o Poder Legislativo Nacional. A invasão dos Estados Unidos em 1989 destruiu isso também. 

O diplomata e político Arnulfo Arias

O general Omar Torrijos Herrera tomou o poder em outubro de 1968, através de um golpe que derrocou o governo corrupto e entreguista do oligarca Arnulfo Arias. Mas logo entendeu que, como chefe militar, não podia seguir sendo protetor das oligarquias a serviço do império e liderou uma revolução libertadora. 

Revolução em todos os sentidos. 

Primeiro, por seu caráter de libertação nacional, ao levantar a bandeira de descolonização, acabar com o enclave estadunidense da Zona do Canal, que impunha uma quinta fronteira ao país. Segundo, porque não quis ver nenhuma criança fora da escola nem uma moradia que não tivesse água potável.  

Sabia que para ser realmente livre e soberano o país não podia seguir dependendo unicamente do Canal do Panamá. Sabia também que não há desenvolvimento sem energia. 

Fez a hidrelétrica de Bayano, estimulou a modernização da agroindústria, criou zonas para industrialização. Ao seu projeto se somaram intelectuais, capas médias profissionais, sindicatos operários, camponeses organizados, estudantes e amplos setores da juventude.

Omar em São Paulo 

Um certo dia de 1980, não me lembro de que mês, recebi uma chamada telefônica avisando que eu me preparasse que o general Omar Torrijos chegaria em poucos dias a São Paulo. 

Cumprindo sua promessa, no voo para o Sul em conversa com jornalistas, Omar anunciava que tinha um amigo em São Paulo e que o iria ver. 

Recebi Omar em minha casa e lhe dei de presente uma faca, artesanato gaúcho, de lâmina com mais de um palmo de comprimento, cabo e bainha de prata lavrada. 

Também lhe ofereci uma recepção com jornalistas, intelectuais e artistas. Eu lhe perguntei o que gostaria de ver, conhecer, fazer. Queria andar pelas ruas como um homem qualquer, conhecer algo de São Paulo, e ver bufalinos.  

Eu o levei à livraria Cultura, numa rua de pedestre bem no centro da cidade. Estava encantado de estar no meio de uma multidão (assim são as ruas de pedestres) sem ser reconhecido. Parecia um menino contente. Eu o levei também aos municípios vizinhos à capital em que se concentra a indústria automobilística. 

A atriz Ruth Escobar 

Quanto à questão dos búfalos, nos salvou Ruth Escobar, grande dama do teatro brasileiro, ao lembrar que o senador Severo Gomes tinha um plantel em sua fazenda no Vale do Paraíba. 

A casa grande da fazenda do século 17 e 18 era um monumento histórico. Omar, encantado, adquiriu fêmeas prenhas para iniciar uma criação de bufalinos no Panamá. 

Levou também sementes da papaia desenvolvida no Brasil, que é pequena, para consumo individual.

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Anti-imperialismo

Sentado ao seu lado, na enorme e farta mesa de café da manhã, na casa de Rory González, recordamos fatos desse longo processo de confronto com o império. Império que nunca muda nada em seu afã expansionista. Omar tinha a consciência anti-imperialista tão clara como poucos. 

Perguntou-me muito sobre o processo de reintegração à vida política no Brasil depois de 21 anos de regime militar autoritário e repressivo. Mostrou-se interessado particularmente em Leonel Brizola; sabia que ele era uma esperança para a democracia e a revolução brasileira. Sabia também que eu estava com Brizola no esforço por reconstruir o projeto de desenvolvimento do trabalhismo de Getúlio Vargas como via ao socialismo. 

Terminada a refeição, me disse: “agora vamos passear”. Entramos em uma caminhonete adaptada como um carro casa. Em um assento duplo, Omar e Raquel, sua esposa, ao lado em um assento solitário, eu; em frente a ele, em um assento de costas para o motorista, Chuchú Martínez. A cabine do motorista, isolada por uma divisória. Um jipe militar nos seguia. A escolta. 

O ex-Governador Leonel Brizola 

As relações entre Omar e Raquel não eram muito estáveis, mas era evidente que ambos estavam empenhados em demonstrar carinho para com o outro. Omar estava na janela, pediu a Raquel que trocasse, e com isso ficou mais perto de mim. Por uma questão de segurança ele não devia estar na janela, pensei, mas não, era para estar mais perto, queria conversar. 

O carro se dirigiu rumo ao Sul pelo projeto da rodovia pan-americana, em Darién. Uma estrada que não foi feita, pura lama e floresta por todo lado. Mato e desmoronamentos, migrantes camponeses chegando do Norte para ocupar aquelas terras. 

Omar já não saía mais em patrulhas porque estava fora do governo, mas se preocupava com o desmatamento que se via por toda parte. “Esses santeños não podem ver um pau em pé que o derrubam”, disse referindo-se a camponeses migrantes do oeste e assentados nessa nova fronteira agrícola.

Paramos em uma aldeia indígena, Omar conversou com as pessoas; veio o chefe, ambos sentados no chão, conversaram de igual para igual. Mais adiante, ainda em território indígena, chegamos a uma escola. Omar se encantou com as crianças indígenas e encheu a professora de perguntas, queria saber tudo; saber que os recursos já não chegavam como antes o entristeceu. Comeu com os pequenos, a mesma comida, à base de carne de porco, mandioca e abacate. 

Tudo ali era construção indígena, pura madeira, sem paredes, tetos de folhas de palmeira. Não demorou muito caiu uma chuvarada. Nos abrigamos no carro, mas já não se podia voltar pelo mesmo caminho, tornado intransitável pela chuva. Por rádio foi solicitado um helicóptero da Guarda Nacional para nos resgatar. 

De regresso à casa de Rory González, Omar se afastou das pessoas e nos sentamos os dois a beber umas doses de uísque. Um diálogo com longos silêncios. Em um momento pôs as mãos sobre meus joelhos e me disse: “vou descansar, tu ficas aqui e amanhã cedo vamos a Coclesito”. 

Eu lhe respondi: “Espere meu general, sente-se e me escute. Não posso ir a Coclecito. Não lembra por que eu vim”? Rapidamente lhe recordo que se tratava de uma operação de solidariedade que requeria um avião da força aérea panamenha para um voo de ida e volta a São Paulo. 

Então ele me disse: “daqui tu vais à Calle 50, lá es rei, e é mais fácil arranjar as coisas”. 

Essa noite fui à Calle 50, uma casa de segurança utilizada pelo general para encontros, reuniões de comando e apoio à subversão revolucionária. Por essa casa passaram muitos revolucionários latino-americanos e estava sendo utilizada para apoiar os sandinistas na Nicarágua. Dali movi as coisas para a operação do voo de solidariedade. 

Em São Paulo, Rute Escobar, decidiu fazer um festival internacional de teatro. Era ainda um governo militar e os empresários lhe negaram o apoio financeiro necessário para trazer as pessoas. A classe artística estava sublevada contra a censura e a repressão aos movimentos sociais; se pretendia fazer um festival político com a presença de Cuba, Nicarágua, do Teatro Galpón, do uruguaio Atahualpa del Cioppo, o grupo inteiro asilado no México. 

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Eu disse a Omar a dificuldade para realizar o projeto e ele ofereceu ajuda, o que materializou em um avião da força aérea à disposição para levar os grupos ao festival. 

Pese todos os esforços diplomáticos não se conseguiu os vistos para que os cubanos participassem. Embarcaram no Voo da Solidariedade um grupo de teatro popular equatoriano, Teatro Escada; um grupo nicaraguense, outro panamenho e Atahualpa del Cioppo, com sua trupe vinda do México. Nesse voo, a coordenação estava nas mãos de Pedro Rivera, panamenho que na época dirigia o Gecu — Grupo Experimental de Cine Universitário.

Um crime com o DNA da CIA

O avião, um turboélice, aterrissou no aeroporto de Viracopos, em Campinas, a 90 quilômetros ao norte da capital de São Paulo. Na tarde do dia 1º de agosto de 1981, chegamos ao hotel Danúbio, na avenida Brigadeiro Luís Antônio, cedido pelo dono para atender os grupos. Assim que entramos no lobby, a televisão estava dando a notícia da morte do general Omar Torrijos em um desastre aéreo. 

Eu não podia acreditar. Tive uma crise de choro convulsivo. Como se o mundo inteiro houvesse desabado sobre mim. 

O comandante da aeronave recebeu ordens de voltar à sua base. Com Pedro Rivera embarcamos de regresso, um voo de 14 horas com escala técnica em Manaus. 

Estaria a CIA envolvida no suposto “acidente”? 

Nunca acreditei na teoria de que houvesse sido um acidente. 

Hoje parece já não haver nenhuma dúvida sobre seu assassinato, um magnicídio perpetrado pela CIA. John Perkins, em seu livro Confissões de um assassino econômico, não deixa dúvida sobre a participação da CIA. 

Os falcões ianques vergonhosamente haviam tragado uma derrota em uma batalha em que venceu a inteligência sobre a força da maior potência bélica do planeta. 

Eu me considero um sobrevivente desse atentado. Poderia ter sido o oitavo passageiro. Omar queria que eu fosse com ele a Coclesito. 

Segundo os camponeses de Coclesito, o avião explodiu no ar e de novo no solo em torno das 12 horas do dia 30 de julho. Não sobrou nada. Mortos os sete passageiros: O Capitão Azael Adames e o Subtenente Víctor Rangel como copiloto, o general Omar Torrijos Herrera, o mecânico Carlos E. Rivera, o sargento Ricardo Machazek, o assistente Jaime Correa e a dentista Teresa Ferreiro.

No dia 4, com o arquiteto Raúl Rodríguez Porcell e sua esposa, a educadora Elda Maúd de León fomos buscar Chuchú Martínez, que estava encolhido em posição fetal no seu quarto. Foi difícil convencê-lo a seguir vivendo, tanta era a sua dor, mas conseguimos e com ele fomos à fila imensa formada pelo povo para despedir de seu líder, o pai generoso, o companheiro que todos chamavam de Omar. 

A prova de que os Estados Unidos nunca aceitaram a derrota foi a violência com que perpetraram sua vingança. Durante a invasão, em 1989, desapareceram com os documentos da explosão do avião que matou Torrijos. 

Tanque do Exército dos EUA em rua destruída no Panamá | Foto: U.S. federal government

Foi uma invasão com armamento passado por terra e bombardeio aéreo que começou em 20 de dezembro de 1989 e terminou em 31 de janeiro de 1990. Em plenas festas de Natal e Ano Novo, bombardearam bairros inteiros, matando população desarmada. 50 mil tropas especiais, tanques e artilharia pesada contra uma Guarda Nacional de 12 mil homens que tiveram nem sequer tempo de se defender. Três mil mortos, casa saqueadas, a dignidade violada. 

Na realidade, essa invasão não terminou nunca. Os Estados Unidos jamais aceitaram a derrota. Agora o Panamá luta com a intenção do império de voltar a instalar suas bases militares em território panamenho. 

* Paulo Cannabrava Filho é jornalista latino-americano, reside no Brasil, editor da revista Diálogos do Sul.

Meus agradecimentos à educadora Elda Maúd de León que me apontou algumas impropriedades idiomáticas e que me apresentou aos editores de Bayano, os primeiros a publicar este texto, cujo original foi escrito em espanhol. A versão em português foi feita por Beatriz Cannabrava

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Paulo Cannabrava Filho Iniciou a carreira como repórter no jornal O Tempo, em 1957. Quatro anos depois, integrou a primeira equipe de correspondentes da Agência Prensa Latina. Hoje dirige a revista eletrônica Diálogos do Sul, inspirada no projeto Cadernos do Terceiro Mundo.

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