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Derramamento de petróleo pela Repsol pode fazer Peru rever privatização de estatais

Vazamento de seis mil barris atingiu flora e fauna marinha, danificou praias e prejudicou população; mídia tentou culpar tsunami
Leonardo Wexell Severo
Diálogos do Sul
São Paulo (SP)

Tradução:

O vazamento de mais de um milhão de litros de óleo combustível ocorrido no dia 15 de janeiro (sábado) na refinaria da Repsol de La Pampilla, em Lima, atingiu mais de 180 mil metros quadrados de praias, contaminando fauna e flora, além de duas zonas naturais protegidas.

Para Yuri Castro, membro do comando nacional do Peru Livre (PL) – partido do presidente Pedro Castillo – , mais do que nunca é a hora de ampliar a pressão pela renegociação das empresas privatizadas, estatais estratégicas desnacionalizadas a preço de banana durante a ditadura de Alberto Fujimori (1990-2000).

Em entrevista exclusiva, o secretário de Organização do Peru Livre em Lima denuncia a ação da grande mídia, “que tentou invisibilizar os enormes danos causados pelo imenso vazamento e manipular informações em prol da Repsol por ser proprietária de ações da multinacional”.

Acontecimentos trágicos como este, sublinha Yuri Castro, reforçam a necessidade de uma Assembleia Constituinte, para defender “a soberania, o patrimônio público e a democracia”

Vazamento de seis mil barris atingiu flora e fauna marinha, danificou praias e prejudicou população; mídia tentou culpar tsunami

Ministerio del Ambiente/Twitter
Vazamento danificou praias frequentadas pela população e duas zonas naturais protegida

Confira a entrevista

Leonardo Wexell Severo – Como poderia classificar esse imenso vazamento de petróleo? Qual a responsabilidade da Repsol?

Yuri Castro – Isso foi classificado pelo professor Castillo como “ecocídio”, enquanto os ambientalistas em geral o qualificam como uma catástrofe, um desastre ecológico.

Na realidade a responsabilidade se torna cada vez mais evidente, e a cada dia saem novos informes que apontam o envolvimento da Repsol. Está claro que não foi nenhum fenômeno anormal o que ocorreu, como foi dito por alguns surfistas peruanos, que assinalaram que naquele momento não havia nenhuma ondulação anômala, porque senão os próprios surfistas disseram que precisariam ter saído do mar. Disseram que estiveram próximos ao local dos fatos e não registraram nada de diferente. Isso é importante de registrar porque demonstra que a resposta da Repsol distorce a realidade, desvirtua o ocorrido.

Diante disso, estão sendo feitas as investigações por parte do Ministério do Meio Ambiente, do Organismo de Avaliação e Fiscalização Organização Ambiental (OEFA) e da Promotoria para produzir um informe concreto e completo sobre o que realmente aconteceu.

Obviamente, são mais de 180 mil metros quadrados de praia cobertos por petróleo. O que se está questionando fortemente é o fato de a Repsol não ter qualquer plano de contingência. Inicialmente eles disseram que eram sete barris de petróleo derramados e se descobriu que eram seis mil barris de petróleo [cada barril equivalente a 160 litros].

Uma quantidade sumamente impressionante que logicamente não só danificou praias frequentadas pela população, mas duas zonas naturais protegidas, que é o mais lamentável pois há uma grande perda de fauna e flora marinha, fundamentalmente.

Isso despertou novamente em todo o país a discussão sobre a necessidade da renegociação dos contratos com essas empresas privadas, que foram privatizadas na época da ditadura de Fujimori.

Há também o fato de que esta renegociação, no caso de não poder ocorrer, obviamente poderá se dar por uma mudança constitucional. Além de realizarmos marchas com as diversas bases de Lima metropolitana, mobilizando a população em defesa da vida, o partido Peru Livre irá se levantar a nível nacional e aprovar um manifesto condenando este desrespeito. Reafirmaremos a nossa posição pela imediata renegociação com a Repsol e as demais empresas.

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Da mesma forma, levantamos a bandeira de defesa da vida, pois não é somente a Repsol quem causa danos ecológicos. Em Loreto, a Pluspetrol, que também é uma empresa estrangeira, está causando danos na Amazônia peruana, e soma 2.500 dívidas ambientais que até o momento não foram atendidas e que a multinacional sequer está buscando uma forma de ressarcir.

Tudo isso para nós é lamentável. Porque claro, quando um fato desta gravidade ocorre em Lima Metropolitana, por ser a capital, aí todos saem imediatamente a questionar a empresa e procurar os responsáveis. Mas a Amazônia, por serem povos originários, os Awajun, que lastimosamente não têm voz, são praticamente invisibilizados.

Em que pé estão estas 2.500 dívidas ambientais?

São diferentes tipos de danos feitos contra a selva peruana produzidos fundamentalmente por derramamentos de petróleo. São vazamentos que ocorreram por pressão, resultado da falta de investimento e manutenção, que seguem ainda sem tratamento, como se nada tivesse ocorrido.

Recordemos que o problema da selva tem 50 anos, não é de agora. São cinco décadas em que ocorreram 2.500 conflitos ambientais, problemas que, mais do que descuidos, foram abandonos da empresa, desde quando era estatal. Neste sentido, o povo Awajun está extremamente revoltado e anunciou que serão adotadas medidas de força, já que a Pluspetrol não está respeitando suas comunidades e nem ressarcindo os passivos ambientais que estão sendo gerados.

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Na sua avaliação, qual a importância da mudança na Constituição para que o Peru garanta a soberania desta riqueza, estimule o desenvolvimento com o respeito ao meio ambiente?

Estamos propondo uma reformulação, uma mudança em todos esses contratos, porque esses povos originários lastimosamente não têm representação no parlamento peruano. É por eles que nós impulsionamos uma Assembleia Plurinacional, por reconhecer nestes povos originários suas nacionalidades.

Porque se bem somos um Estado unitário, conforme estabelece nossa Constituição, se reconhece direitos consuetudinários [conjunto de costumes de uma dada sociedade que é tomado por ela como lei sem que tenha passado por um processo legislativo] devidamente adquiridos.

É por isso que asseguramos que a próxima Assembleia Constituinte seja plurinacional, de tal forma que os povos originários tenham direito a voz e a voto e possam resguardar os interesses da Amazônia peruana, que é onde se encontram.

O Peru exporta petróleo bruto a preços baixos para gastar altíssimos valores com o refino. Qual a lógica?

O que está se passando? Nós temos o que se chama de petróleo pesado, que para poder refinar é um pouco mais caro, não é mais ligeiro como o dos países árabes, por exemplo. Isso se deve à composição do nosso solo, que tem uma grande quantidade de minerais, enquanto a dos países árabes é desértica, sem maiores complicações.

Isso faz com que extraímos o petróleo pesado, o vendamos ao estrangeiro e praticamente compremos petróleo árabe para poder refiná-lo no Peru.

No Peru, imprensa quer mandar mais que presidente e definir quem deve ser ministro. Mas o que diz a Constituição do país?

As refinarias instaladas em nosso país foram modernizadas para que possamos ter a capacidade de processar o petróleo nacional. Porque, lastimosamente, com as refinarias antigas como a de La Pampilla, em Lima, onde ocorreu, não tem a capacidade de poder tratar o petróleo nacional, que se produz no país. Então este é o principal problema que tivemos no Peru durante muitos anos: ter uma matéria-prima como o petróleo, mas não poder explorá-la por não ter a capacidade técnica ou tecnológica de processar petróleo tão pesado.

Agora com a refinaria iniciada pelo governo de Pedro Castillo começamos a processar uma média de 500 barris de petróleo e se projeta ampliar o refino, em um futuro bem próximo, a fim de que se possa diminuir consideravelmente a importação do estrangeiro.

Observamos que os oligopólios de mídia têm procurado manipular o que ocorreu, tentando reduzir o impacto ambiental. Como liderança dos movimentos de rua pelo ressarcimento e por uma nova legislação, o que achas disso?

Os principais meios de comunicação de massa têm tratado de atenuar, diminuir ou invisibilizar os enormes danos causados pelo imenso vazamento porque muitos dos seus donos têm ações na Repsol, da mesma forma que em outras empresas das quais viraram proprietários quando ocorreu a privatização.

Por isso muitos desses donos da mídia tentaram minimizar a gravidade do ocorrido, o tratando com um fato pequeno, isolado, a fim de proteger suas ações. Somente depois que as denúncias explodiram e que as imagens vieram à tona, começaram a ser conhecidos, mas nunca noticiaram responsabilizando a empresa, mas tentando reduzir o problema, focando como se a questão estivesse meramente circunscrita à refinaria.

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A imprensa insistiu na tecla que o problema não foi a falta de manutenção ou de cuidados da Repsol, mas de um desastre natural ocorrido a milhares de quilômetros, buscando de todas as formas preservar os interesses da multinacional.

Sim, tentaram jogar a culpa ao tsunami, buscaram culpar a erupção do vulcão, enquanto todas as investigações realizadas demonstraram que isso não é verdade.

Vamos continuar com as investigações para que a empresa ressarça. A Repsol vem tentando inclusive diminuir o grave problema dos pescadores, mas já se viu que são mais de seis mil pescadores artesanais, que vivem próximos à margem, e que foram diretamente prejudicados. É importante frisar que não estamos falando de indivíduos, são mais de seis mil famílias. Sem contar a todos os enormes danos e prejuízos causados às praias que são centro de recreação da população limenha e aos espaços que são áreas protegidas.

Neste sentido, a catástrofe ocasionada pela Repsol é sumamente grande, grave e lamentável. E ainda mais lamentável é a existência de grupos de poder que manejam e manipulam os grupos de comunicação para invisibilizar este problema.

Com organização e mobilização, vamos assegurar que a verdade e a justiça prevaleçam, que vença a Assembleia Constituinte e a reafirmação da soberania, do patrimônio público e da democracia.

Leonardo Wexell Severo, jornalista e colaborador da Diálogos do Sul


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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