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Indulto a Fujimori, autor da mais cruel violência da história peruana, é afronta intolerável

Desaparecimentos, execuções, privações de liberdade, centros clandestinos de reclusão e tortura institucionalizada foram o pão de cada dia de 1990 a 2000
Gustavo Espinoza M.
Diálogos do Sul
Lima

Tradução:

Ainda que beneficiado por uma muito discutível decisão do Tribunal Constitucional, Alberto Fujimori será sempre um réu condenado à prisão perpétua. Submetido a um limpo e transparente processo judicial em 2008, recebeu em seu momento uma sentença que não correspondeu nunca com a gravidade de suas ações.

Se formos falar dos delitos cometidos por ele, teríamos muitas páginas por preencher. Devemos então nos referir aos acontecimentos essenciais, os que o situaram como um dos 7 ditadores mais perversos e corruptos da história no século XX.

Alberto Fujimori chegou ao Poder como um aventureiro com sorte, da mão do APRA, que o catapultou, e com a votação de um povo assustados com a ameaça de um brutal “ajuste” neoliberal que finalmente ele mesmo implementou.

Mesmo antes de assumir a chefia do Estado – em junho de 1990 – entregou-se ao Fundo Monetário, para aplicar o “modelo” neoliberal. Já no Poder – e depois do Fujishock de agosto de 1990 – chegou à conclusão de que esse “projeto” só podia ser concretizado mediante um Golpe de Estado.

Assim ocorreu em 5 de abril de 1992, e derivou na instauração de um regime neonazista, extremamente cruel e corrupto.

Em honra a seus ancestrais – as velhas camarilhas guerreira nipônica – viveu desde o início do seu regime à sombra do instrumento mais cruel e despiedado incubado pelo Império, a Agência Central de Inteligência dos Estados Unidos, representada por seu “assessor Presidencial”, com quem compartilhou impudicamente o Poder. Juntos elaboraram e aplicaram uma estratégia destinada a destruir a economia nacional e apoderar-se de todos os ressortes do Poder. 

Concluíram com o desmantelamento das reformas do governo de Velasco, depuraram a instituição castrense para eliminar setores patrióticos e nacionalistas, e elaboraram uma estratégia destinada a fascistizar a Força Armada afim de quebrar a ideia da Unidade do Povo e da Força Armada como instrumento de ação libertadora no país. 

Assim, agigantaram até o paroxismo a “ameaça terrorista” e assustaram parte da população intimidando-a com o “perigo senderista”, que lhes serviu para mimetizar em um só símbolo o terror, a barbárie e o socialismo.

A partir dessa política, impuseram a violência mais cruel da nossa história. Fujimori – que se fez chamar de “Chinochet” com alegria – destruiu todos os vestígios de respeito aos direitos humanos.

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Desaparecimentos forçados, execuções extrajudiciais, privações ilegais da liberdade, estabelecimento de centros clandestinos de reclusão e a tortura institucionalizada foram o pão de cada dia entre 1990 e o ano 2000. Só em 1996 foram detidas 650 mil pessoas; e no ano seguinte, 670 mil; a imensa maioria delas foi submetida ao que a normatividade assinala como “tratos cruéis, desumanos e degradantes”. Desse modo “restauraram a paz”, uma Paz de Cemitérios, que deixou um rastro muito doloroso.

Matanças como as de Huaral e Huaura, El Santa, Barrios Altos, La Cantuta; ou crimes como o de Pedro Yauri, Juan Andagua ou Pedro Huilca, foram simbólicos. Representavam a vontade de acabar com qualquer vestígio de oposição aos seus desígnios.

Desaparecimentos, execuções, privações de liberdade, centros clandestinos de reclusão e tortura institucionalizada foram o pão de cada dia de 1990 a 2000

Clare Ceresnie – Wikipedia
Alberto Fujimori é um dos 7 ditadores mais perversos e corruptos da história no século XX

Mas as operações militares no interior do país extravasaram largamente a aparência de um “conflito interno” e se projetaram como uma verdadeira guerra de extermínio contra as populações nativas e povos originários. Assim se pode catalogar também o programa de esterilizações forçadas, ao qual foram submetidas mais de 350 mil mulheres no país. 

75% das vítimas de todas essas práticas foram habitantes de zonas rurais, populações originárias e falantes de quéchua. Anciãos, homens, mulheres e crianças sofreram igualmente os efeitos dessa política devastadora que nunca será suficientemente conhecida. 

Enquanto tudo isso acontecia, o Mandatário e seu entorno roubaram o país, remataram as empresas públicas e saquearam o erário nacional. Só Alberto Fujimori se apoderou de seis bilhões de dólares que hoje permitem que seus filhos sejam proprietários de prósperas empresas mineiras e outras. 

Em seu momento foi denunciado também que roubaram barras de ouro do Banco Central e até o Ouro de Paititi, uma das riquezas históricas da nação. 

Quando foi denunciado e se viu descoberto, fugiu do país, renunciou por fax e finalmente se refugiou no Japão onde teve o desplante de postular – sem sorte – uma cadeira no Parlamento Nipônico. Finalmente pretendeu voltar ao Peru, mas se refugiu no Chile, de onde foi extraditado. 

Submetido a um processo penal – o mais limpo de nossa história – foi condenado. Não obstante, nunca esteve realmente preso. Confinado em um Centro Recreacional da Polícia, o antigo Fundo Barbadillo, dispôs de mais de 170 metros quadrados com jardins próprios e outras comodidades. 

Teve, de maneira permanente, televisão a cabo, internet, telefones celulares e visitas constantes de familiares e amigos. Foi objetivamente o mais privilegiado dos réus. Nunca se arrependeu de seus crimes, jamais reconheceu delitos, nem pediu perdão às suas vítimas ou aos familiares delas. Tampouco pagou um centavo da “reparação civil” que lhe foi demandada, nem devolveu nada do que roubou.

Este réu, é hoje favorecido por um decisão írrita do TC imposta apenas por uma muito precária correlação de forças. Eduardo Ferrero, amigo de Keiko e agora Presidente do TC, teve que votar penosamente em duas ocasiões para assegurar uma decisão que nosso povo repudiará sempre. Não se perdoará a esse assassino, nem se apagarão os fatos vividos nesse anos de barbárie. 

Embora pareça que finalmente no Peru a impunidade se impõe, ninguém sabe quantas voltas dá a história. Os que hoje riem, amanhã haverão de chorar desconsolados. Esse indulto é uma afronta intolerável.

Gustavo Espinoza M. é colaborador da Diálogos do Sul em Lima, Peru

Tradução por Beatriz Cannabrava


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul.
Gustavo Espinoza M. Jornalista e colaborador da Diálogos de Sul em Lima, Peru, é diretor da edição peruana da Resumen Latinoamericano e professor universitário de língua e literatura. Em sua trajetória de lutas, foi líder da Federação de Estudantes do Peru e da Confederação Geral do Trabalho do Peru. Escreveu “Mariátegui y nuestro tiempo” e “Memorias de un comunista peruano”, entre outras obras. Acompanhou e militou contra o golpe de Estado no Chile e a ditadura de Pinochet.

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