Em 9 de outubro de 1968, por decisão do Governo Militar encabeçado pelo general Juan Velasco Alvarado, as tropas da Primeira Região Militar com sede em Piura sob a ordem do general Fermín Málaga Prado tomaram as instalações da Internacional Petroleum Company em Talara, arriaram a bandeira dos Estados Unidos, que flameara ali durante várias décadas, içaram o Pavilhão Nacional, e os peruanos pudemos dizer que estávamos recuperando a dignidade nacional.
Este é um conceito que nem todos compreendem, nem assumem. Quando o ex-chanceler, assinalado provadamente como agente dos serviços secretos ianques, assegura que o presidente Castillo não devia ter tocado na ONU o tema das Malvinas porque estávamos afetando um país muito poderoso – Inglaterra – dá mostra inequívoca de que não tem um ápice de dignidade e que supedita os valores e princípios a interesses certamente subalternos. Não faz o que é certo, mas sim o que “convém”.
Quando um demencial colunista do Peru 21 assegura que não devemos reconhecer a República Saharaui, porque isso agrediria um país mais poderoso – Marrocos – que conta com o apoio dos Estados Unidos no Norte da África, temos outra mostra clara do mesmo.
Há aqueles, em efeito, que não têm ideia do que é a Dignidade, e não entendem que se trata de um valor e de um princípio que não tem preço, e que não é tampouco objeto de negociação. É verdade que – sobretudo em matéria de política – a luta pelos valores e os princípios não é fácil, e que sempre existe a tentação de fazer “o que convém” mais do que se requer para afirmar uma causa.
“Não me farão recuar”, declara Castillo durante discurso de um ano de governo, no Peru
No caso peruano, estas pequenas figuras da politicagem local estiveram sempre ao lado dos poderosos, e não ao serviço do país nem dos povos. Por isso se diz que o primeiro trabalhou para o amo estrangeiro desde seus anos moços aproveitando seu vínculo familiar com o Presidente Velasco. O segundo, reivindica como seu o sobrenome de seu avô para dar-se a presunção de “intelectual” que não tem, por aquilo de que “lo que Natura non da, Salamanca non presta”.
Em efeito, a dignidade é um bem tangível que assoma no horizonte dos homens e dos povos, e que se expressa em cada rincão do caminho quando forças obscurantistas e reacionárias buscam perpetuar modelos de iniquidade e injustiça.
Nessa circunstância é que as pessoas mais conscientes percebem que opor-se a tais desígnios constitui um dever inabdicável. Levantam-se, então, diante do que julgam uma afronta e lutam firmemente à margem inclusive de suas possibilidades de vitória.
Sabem, finalmente, que a razão lhes assiste e que, cedo ou tarde, primará a justiça como norma e relação entre homens e povos. Prima assim o otimismo histórico.
Agência Peruana de Noticias
A dignidade é um conteúdo que é preciso nutrir de maneira cotidiana com uma política exterior independente e soberana
No cenário latino-americano, a mais viva encarnação da dignidade, como norma na execução da política e do trato entre Estados e Nações, nos deu Cuba. Nunca negociou princípios nem renunciou a valores. Por cima de tudo pôs sempre seus mais altos ideais e por isso olha com coragem a um mundo que, por sua vez, a olha com respeito. Todos sabem que com Cuba não se brinca. Não se acovarda diante da adversidade e enfrenta com vigor todos os desafios.
Na última sexta (7), ao fim da 52ª Assembleia Geral da Organização de Estados Americanos, inaugurada com uma “mensagem” de Zelensky, coube sublinhar a importância da dignidade em matéria de política e no tratamento entre Estados que, pelo menos no papel, são igualmente livres e soberanos. Essa soberania, no caso da Ucrânia, ficou no chão. No tema, a Otan manda.
Há 62 anos, América Latina sobe ao púlpito da ONU para denunciar os crimes do Império
A OEA, que surgiu na América nos anos do auge dos Estados Unidos, assumiu desde seu nascimento a linguagem violenta do confronto e da violência. Buscou alinhar seus membros à luz da guerra da Coreia e depois na satanização do governo de Jacobo Árbenz, na Guatemala de 1954. Mas assomou prepotente e sinistra quando buscou, em agosto de 1960, humilhar Cuba pelo rumo que assumiu desde janeiro de 1959.
O gesto de Raúl Porras Barrenechea – o Chanceler da Dignidade – lhe deu a lição correspondente. Suas palavras foram o sustento que cimentou a essência de um vínculo que une Estados e Povos e que – pelo menos na letra – tem vigência em nossos dias.
Em Porras se cumpriu o que dissera Martí: “Quando há muitos homens sem decoro, há sempre outros que têm em si o decoro de muitos homens. Nesses homens vão milhares de homens, vai um povo inteiro, vai a dignidade humana”.
Pela 30ª vez, Cuba vai à ONU apresentar resolução contra bloqueio dos EUA
E é assim para escarnio daqueles – por não conhecer a palavra dignidade, nem seu conteúdo – a consideram como o extremo procaz da candidez e da ingenuidade.
Em seu recente evento, a OEA buscou condenar a Venezuela e a Nicarágua, como se seus governos não houvessem sido democraticamente eleitos e como se não representassem legitimamente a vontade de seus povos, e buscou “dar tribuna” a golpistas da Bolívia e a terroristas e delinquentes, excrescências das Pátrias de Sandino e de Bolívar.
Seguindo uma linha elementar de dignidade, e que assomara tenuamente no discurso do Presidente Castillo, quando no ato inaugural do encontro falou contra as “desigualdades e discriminações”, o Governo Peruano teria o dever de honrar os princípios de Não Intervenção nos Assuntos Internos dos Estados e a Livre Determinação dos Povos, negando-se a agir como súdito do Império.
A dignidade não é, por certo, uma palavra. É um conteúdo que é preciso nutrir de maneira cotidiana com uma política exterior independente e soberana.
Gustavo Espinoza M. | Colaborador da Diálogos do Sul em Lima, Peru.
Tradução: Beatriz Cannabrava.
As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul
Assista na TV Diálogos do Sul
Se você chegou até aqui é porque valoriza o conteúdo jornalístico e de qualidade.
A Diálogos do Sul é herdeira virtual da Revista Cadernos do Terceiro Mundo. Como defensores deste legado, todos os nossos conteúdos se pautam pela mesma ética e qualidade de produção jornalística.
Você pode apoiar a revista Diálogos do Sul de diversas formas. Veja como:
-
PIX CNPJ: 58.726.829/0001-56
- Cartão de crédito no Catarse: acesse aqui
- Boleto: acesse aqui
- Assinatura pelo Paypal: acesse aqui
- Transferência bancária
Nova Sociedade
Banco Itaú
Agência – 0713
Conta Corrente – 24192-5
CNPJ: 58726829/0001-56 - Por favor, enviar o comprovante para o e-mail: assinaturas@websul.org.br
- Receba nossa newsletter semanal com o resumo da semana: acesse aqui
- Acompanhe nossas redes sociais:
YouTube
Twitter
Facebook
Instagram
WhatsApp
Telegram