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ToggleO cenário político sul-americano começou a reconfigurar-se nestas últimas semanas a partir do interesse por reviver a Unasul.
Primeiro o governo de Alberto Fernández e poucos dias mais tarde o de Lula no Brasil anunciaram sua intenção de reconstituir o bloco sul-americano nascido em 2008 mas que, uma década mais tarde, ficou reduzido a uma mínima expressão, com a presença apenas de Bolívia, Venezuela, Guiana e Suriname, com o Peru suspenso de forma indefinida.
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O enfraquecimento do bloco foi levado adiante por toda uma camada de regimes neoliberais e conservadores que não hesitaram em substituir a Unasul pelo apenas recordado “Prosul”, em seu objetivo de remover todas aquelas estruturas incômodas para seu projeto político ou que, diretamente, lembrassem os anteriores governos progressistas.
Mas hoje as circunstâncias parecem propícias para tentar reanimar o conglomerado sul-americano. Os Estados Unidos e as potências europeias estão preocupadas com o desenvolvimento do conflito contra a Rússia, enquanto a China vigia Taiwan e o Pacífico e analisa como o conflito na Ucrânia poderia afetar a “Iniciativa do Cinturão e Rota” (“Belt and Road Initiative”), o projeto com que pretende expandir seu enorme peso econômico para o Ocidente. Claro está que não há liberdade de ação, mas sim uma soma de fatores que propicia a gestação de uma nova proposta de integração na América do Sul.
Como ontem, hoje também o Brasil se situa na cabeça de um projeto que pode modificar o mapa econômico sul-americano desde que obtenha a participação de um amplo conjunto de nações dispostas a encarar os desafios do século XXI.
Contudo, é ao mesmo tempo frustrante que a recriação da Unasul hoje tenha sentido pelo crescente desencontro entre os governos do Brasil e da Argentina, por um lado, e do México pelo outro. As diferenças pesaram até o ponto da separação, mais além de que na CELAC finalmente uns convivam com os outros.
Foto: Ricardo Stuckert
Não há dúvida de que hoje estamos no momento adequado para revitalizar este projeto de integração regional
Acordos e discrepâncias
Sem que até o momento tenham transpirado maiores detalhes sobre suas características mais relevantes, sobre sua implementação ou sobre sua futura posta em marcha, sabemos que esta nova versão da Unasul pretende retomar da anterior alguns elementos de importância, como a aceitação das diferenças internas que expressam os diferentes governos da região.
Mas com o objetivo de reduzir ao mínimo possível as discórdias internas, também se disse que esta nova versão da Unasul deve ter um caráter mais técnico e com menos implicações ideológicas, uma condição de todo modo difícil de cumprir dadas as discrepâncias públicas entre vários dos mandatários sul-americanos.
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Além de aspectos centrados na convivência e no caráter geral do bloco, para desenvolver-se com êxito, a Unasul deveria apelar para a construção de dois eixos principais. Enquanto que para o interior, o bloco sul-americano deveria concentrar-se na defesa excludente de sua riqueza expressa nos recursos naturais, para o exterior deveria colaborar na construção estratégica de um horizonte multipolar.
Daí então a vocação da nova Unasul na preservação de recursos naturais cada vez mais ambicionados por potências externas, principalmente, pelos Estados Unidos.
Assim, na América do Sul encontram-se desde recursos tradicionais, como o gás, predominante na Bolívia, mas também em Brasil, Argentina e Peru; o petróleo, mais presente na Venezuela e na Guiana; e a água doce, com o rio Amazonas como principal representante.
Mas também existem outros recursos, de implementação muito mais vanguardista, como é o caso do lítio, essencial para a fabricação de baterias elétricas, e cujos 2/3 em nível mundial se encontram no triângulo formado por Argentina, Bolívia e Chile e, ainda mais, pelos assim chamados minerais ou “terras raras”, que têm no Brasil um de seus principais produtores em escala global para sua utilização em dispositivos tecnológicos de última geração.
A vigilância dos Estados Unidos
Considerando a quantidade, variedade e importância estratégica de recursos naturais, não é casual a política de vigilância realizada pelos Estados Unidos a fim de detectar todos aqueles movimentos que tendem a beneficiar a China como seu principal rival em termos geoeconômicos. Uma vigilância que foi incrementada em tempos da pandemia da covid-19, quando China e Rússia promoveram uma política de aproximação com a região por meio da “diplomacia das vacinas”, e que se aprofundou desde o início do conflito na Ucrânia entre a Rússia e a Otan.
Neste sentido, as declarações de Joe Biden e de seus principais funcionários, as visitas de grupos de parlamentares e, sobretudo, a viagem sul-americana da chefe do Comando Sul Laura Richardson, apontam para uma mesma direção para neutralizar, obstaculizar ou, até, impedir qualquer tipo de convênio com a China ou com outras potências, afetando a autonomia e a soberania dos governos sul-americanos.
Brasil rumo à multipolaridade: o que esperar da reação dos EUA aos planos de Lula na China?
Daí que, junto com a defesa dos recursos naturais, a construção da multipolaridade deveria assumir um sentido prioritário para a própria sobrevivência do conjunto sul-americano. Não apenas porque atuando em bloco os governos da região poderão responder melhor aos controles externos: ao mesmo tempo, poderão melhorar seus termos de negociação com atores estrangeiros com os quais hoje fica difícil chegar a acordos ou, diretamente, poder dialogar.
Por outro lado, e sempre em termos do fortalecimento da multipolaridade, a Unasul poderia aumentar sua influência no plano global a partir da aliança que possa constituir com o grupo do Brics, aproveitando para isso o pertencimento do Brasil a ambos os conjuntos e, possivelmente, a incorporação da Argentina ao grupo das economias em ascensão antes do fim do ano.
Não há dúvida de que hoje estamos no momento adequado para revitalizar este projeto de integração regional cujo impacto poderia exceder os limites sul-americanos, tornando-se assim uma entidade capaz de mediar em distintos cenários, desde que se reconstrua com um claro sentido democrático e participativo e que, ao mesmo tempo, seja legítima em sua contribuição para o diálogo e a superação de guerras e conflitos.
Daniel Kersffeld | Página 12
Tradução: Ana Corbisier
As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul
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