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CK confirma não se candidatar à presidência: "Privilegio o projeto coletivo acima do pessoal"

“Não vou ser um animal de estimação do poder para nenhuma candidatura", declarou em carta a atual vice-presidenta da Argentina
Rúben Armendariz
Estratégia.la
Buenos Aires

Tradução:

A duas vezes presidenta e agora vice-presidenta Cristina Fernández de Kirchner anunciou oficialmente, nesta terça-feira (16), por meio de uma carta, que não será candidata a presidenta, algo que tem sido especulado nos últimos dias, especialmente devido ao grande evento que está sendo organizado para 25 de maio na Avenida 9 de julho, de Buenos Aires. A situação econômica do governo, do Judiciário, do lawfare e da necessidade de um plano de governo são os eixos da carta.

A vice-presidente confirmou que não será uma “mascote do poder para nenhuma candidatura” e reiterou que “a proibição” não é de uma pessoa, mas “do peronismo“. Tenho dado sinais, como ninguém, de privilegiar o projeto coletivo sobre a posição pessoal”.

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A “renúncia” de Cristina acrescenta mais questionamentos sobre os possíveis candidatos do partido governista às eleições presidenciais de 22 de outubro. O presidente Alberto Fernández já anunciou que não apresentará sua candidatura. A coalizão neoliberal Juntos pela Mudança também não definiu sua fórmula presidencial.

O texto da vice-presidenta lembra que este ano completa quatro décadas de democracia ininterrupta, mas adverte que parte importante da cidadania não se sente representada ou contida em suas aspirações, em uma democracia perdida economicamente, degradada socialmente e que começa a se romper política e institucionalmente. “Com raiva e decepção surge o que chamei de “insatisfação democrática” há algum tempo”, acrescenta.

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“Não vou ser um animal de estimação do poder para nenhuma candidatura. Tenho demonstrado, como ninguém, privilegiar o projeto coletivo sobre o pessoal. Não vou entrar no jogo perverso que nos impõem com fachada democrática para que esses mesmos juízes, hoje empoleirados na Corte, emitam uma decisão me desqualificando ou afastando diretamente qualquer candidatura que eu tenha, para deixar o peronismo em absoluta fragilidade diante da disputa eleitoral. Os acontecimentos recentes provaram que eu estava certa.

“Não vou ser um animal de estimação do poder para nenhuma candidatura", declarou em carta a atual vice-presidenta da Argentina

Reprodução/Twitter
Cristina Kirchner: "Acreditamos firmemente que na democracia há adversários, não inimigos"

Fim da democracia econômica

Uma vez que a democracia econômica acabou, a social-democracia e o paradigma peronista de mobilidade social ascendente se degradam. Pela primeira vez na Argentina observamos como uma baixa taxa de desemprego (6,3%) coexiste com um alto nível de pobreza (40%). Encontramos os trabalhadores em relação de dependência, que são pobres, e a emergência de uma sociedade dual, onde uma parte tem acesso a todos os bens e serviços e a outra, a maioria, vê as suas chances de progresso significativamente reduzidas ou, diretamente, carentes delas”, acrescentou em seu texto.

Cristina aponta que a perda da democracia econômica começa em 2016, quando o governo neoliberal chefiado por Mauricio Macri iniciou um brutal novo ciclo de endividamento externo que culminaria na devolução do Fundo Monetário Internacional (FMI) por meio de um empréstimo inusitado, inédito e político, cujo objetivo era não só ajudar esse “governo amigo” a vencer as eleições, mas também permitir que fundos de investimentos especulativos sacassem em dólares.

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A vice-presidenta denunciou que o FMI interveio, assumiu o comando da economia argentina, impôs seu programa econômico e mais uma vez desencadeou o processo inflacionário descontrolado. “O acaso não é uma categoria política e, portanto, não é por acaso que nenhum dos dois presidentes que aceitaram o programa do FMI mantém aptidão eleitoral. Porém, na política, há causalidade, e o fator determinante é a economia”, acrescentou.

Ela indicou que, nesse quadro de brutal de endividamento em dólares, o caráter bimonetário da economia, que se soma à já histórica restrição externa e à compulsão de criar ativos em dólares no exterior, inevitavelmente deixa a conta corrente do país no vermelho. A escassez de dólares sempre termina com inflação descontrolada, corrida contra a moeda nacional, desvalorização e mais inflação.

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Cristina acrescenta que o modelo se torna o maior instrumento de transferência de recursos de toda a sociedade para os setores mais ricos e concentrados da economia, que se apoderam dessa extraordinária receita num quadro de frouxidão fiscal.

Além disso, é incontornável apontar as consequências catastróficas da pandemia, não só na esfera sanitária e social, mas também na econômica, com o aprofundamento da concentração de renda e o crescimento da pobreza. Para aqueles que continuam a repetir que a questão monetária é a única causa da inflação, e ainda conservam algum espírito crítico de investigação, convido-os a ver os gráficos de evolução da Base Monetária a preços constantes e em percentagem do PIB, publicados pelo Banco Central todos os meses.

Nesses 40 anos de democracia ininterrupta, passamos também por duas crises econômicas e sociais gravíssimas, principalmente a de 2001, que incluiu uma crise institucional em que cinco presidentes se sucederam em uma semana. Ressaltou que em nenhum desses momentos foi questionado o Pacto Democrático aprovado por referendo em outubro de 1983, pelo qual nem a violência política contra o adversário nem a proscrição eleitoral seriam elementos da ação política.

Os fantasmas do passado

Cristina destacou que durante o ano de 2022 a violência verbal e simbólica que, durante anos, foi implantada na sociedade pela mídia hegemônica, materializou-se na rua por meio da ação de grupos violentos que agrediram, insultaram e ameaçaram de morte com sacos funerários, guilhotinas, tochas, pedras e escraches.

O objetivo desses grupos não era contra todos os partidos políticos ou todos os líderes, como na crise de 2001, mas contra o peronismo ou o kirchnerismo, como preferir. E destacou que o ponto culminante desta ação ocorreu no dia 1º de setembro de 2022, “em frente à minha casa particular quando, cercados por colegas, atentaram contra minha vida”.

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“Surpreendentemente, após o assassinato frustrado, aqueles grupos que se organizavam e atacavam semanalmente, repreendiam e ameaçavam, desapareceram como num passe de mágica. Isso sem dúvida confirma o caráter premeditado e sem qualquer indício de espontaneidade da violência política desses grupos. Eles foram incentivados e financiados pela oposição e a mídia hegemônica garantiu a eles ampla cobertura midiática”, denunciou em seu texto.

“A bala que não saiu e a decisão que vai sair” foi a manchete do jornal Clarín, principal potência de propagação do ódio; numa espécie de lamento pelo fracasso do assassinato, mas antecipando a decisão que alguns dias depois os expoentes do Partido Judiciário profeririam contra mim e cujo resultado condenatório anunciei publicamente três anos antes, quando começou o julgamento conhecido como obras públicas de Rodovia Nacional. A condenação e inabilitação na referida causa tem uma única tradução política e eleitoral: a proscrição”, indicou a vice-presidenta.

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Cristina afirmou que não se trata apenas da proibição de uma pessoa, mas do peronismo. E lembrou que na semana passada, após um fim de semana eleitoralmente adverso para a coalizão neoliberal Juntos pela Mudança e objetivamente favorável ao peronismo, a Corte suspendeu as eleições para governador das províncias de Tucumán e San Juan, a apenas 72 horas do início da votação e com um claro objetivo político: prejudicar o peronismo e acobertar seus próprios crimes.

E lembrou que no mesmo dia e ao mesmo tempo em que foi proferida esta decisão, na Comissão de Impeachment da Câmara dos Deputados da Nação denunciavam tanto o escândalo do trabalho social do Judiciário que envolve um dos membros desta Corte, como o enriquecimento ilícito de seu Presidente.

Beco sem saída

“Quando falei da proibição em dezembro de 2022, não foi no exercício das artes divinatórias, mas com o entendimento da fase histórica que estamos passando. Assim como três pessoas fizeram com as províncias de Tucumán e San Juan, não tenham dúvidas de que o farão contra mim para impedir o peronismo de participar do processo democrático, ou enfraquecê-lo, levando-nos a um beco sem saída”, denunciou.

Fernández de Kirchner indicou que desde 2016 o Partido Judiciário funciona como uma Força-Tarefa do Juntos pela Mudança e grupos econômicos concentrados para produzir a eliminação de seus adversários políticos. “Eles nos provocam com essa fachada mutilada de justiça e democracia e querem que caiamos no terreno da violência e intolerância. Eles nos tratam como inimigos e usam frases sobre como nos eliminar ou acabar com o kirchnerismo. Não somos isso e acreditamos firmemente que na democracia há adversários, não inimigos”, disse.

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Ela indicou que, diante desta situação, é essencial – mais do que nunca – construir um programa de governo que faça com que os argentinos se apaixonem novamente e os convença de que um país melhor não é apenas possível, mas também desejável. Um programa de governo necessário não só para o peronismo, mas para o sistema democrático como um todo.

Rúben Armendariz | Jornalista e cientista político, associado ao Centro Latino-Americano de Análise Estratégica (CLAE)


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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