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Geração de militares no poder é despreparada culturalmente e profundamente despeitada

Oficiais de 1964 se preocupavam com a reputação. Os atuais vão ficar na história com a imagem que transmite ao mundo o capitão e sua equipe de terraplanistas
Paulo Cannabrava Filho
Diálogos do Sul Global
São Paulo (SP)

Tradução:

Me assusta na atual geração de militares que ocupou o poder que se manifestem como despreparados culturalmente e profundamente despeitados. A todo momento se mostram ressentidos por terem ficado na história como algozes do povo. Se não, o que os leva a querer mudar a história?

A Revista Fórum publicou reportagem sobre o horror que foi a “homenagem” realizada na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp) a assassinos como o delegado Sérgio Fleury e o coronel Brilhante Ulstra com a presença do cabo Anselmo. Este, um desqualificado que matou a companheira, Soledad Barret, que estava grávida de um filho dele. Fleury, criador do Esquadrão da Morte(de caça a bandidos), e o Ustra, torturadores confessos, comandavam a Operação Bandeirantes, que transformada nos Doi-Codi, prendeu, torturou e desapareceu com centenas de opositores à ditadura.

Fizeram essa festa no mesmo local em que anos antes fora lançada a Operação Verdade. Operação que destapou a imundice que foi a ditadura, revelando os que cometeram crimes de lesa humanidade, imprescritíveis.

Eis aí o X da questão.

Toda essa revisão da história promovida pelos bolsomilitaristas e olavetes (seguidores do guru e Astrólogo Olavo de Carvalho) tem sua razão de ser. 

Mais de uma geração de militares foi denunciada no Brasil e mundo afora como instituidores de uma ditadura repressiva que prendeu, bateu, torturou, matou, desapareceu, e deixou o país em profunda crise civilizatória. Esses oficiais foram denunciados, investigados, tiveram seus crimes comprovados, horrorizaram parte da opinião pública no Brasil e no exterior. Porém, nunca foram punidos.

Oficiais de 1964 se preocupavam com a reputação. Os atuais vão ficar na história com a imagem que transmite ao mundo o capitão e sua equipe de terraplanistas

Esses oficiais foram denunciados, investigados, tiveram seus crimes comprovados, porém nunca foram punidos.

Por isso, foram execrados pela sociedade e ficou cristalizada essa imagem abjeta, projetada sobre as gerações que os sucederam nos quartéis. Tivessem sido punidos, como no Chile ou na Argentina, essa nova geração estaria livre dessa pecha. Também teriam outro comportamento se tivesse havido maior interação entre os militares e a inteligência da sociedade civil.

Eis aí um fato para ser investigado pelos acadêmicos: por que essa geração de militares demonstra tão baixo nível de preparação. A ponto de se voltarem com sanha devoradora de loucos (ou lobos) famintos contra a povo do qual eles foram paridos.

O ciclo militar (1964-1987), seguido da hegemonia do capital financeiro e governos fracos (Sarney, Collor, Itamar, FHC, Dilma) que colocaram os militares como descartáveis. 

O governo de FHC foi um desastre para com as Forças Armadas. Lula, ao contrário, as prestigiou como nenhum outro governo. Respeitou-as, aumentou os recursos destinados às armas, aumentou os soldos, fatos que tornam incompreensível a ojeriza dos militares ao PT, as manobras que fizeram para tirar Lula do páreo eleitoral.

Agora eles estão com a faca e o queijo nas mãos. O Ministério da Defesa quer um orçamento de 2% do PIB. É razoável, mas para ser bom teríamos que ter um PIB também razoável, não o pibinho histórico. Em 2017, os gastos com as Forças Armadas foi de 1,4% do PIB, corresponde a R$ 92,5 bilhões, em 2018, 1,5% ou R$ 102,4 bilhões.

O ciclo militar liquidou com as organizações da esquerda radical. Não satisfeitos, os governantes liquidaram com os comunistas e trabalhistas, acabaram com o sindicalismo, criaram um sindicalismo de resultado, expurgaram o pensamento crítico das universidades — não sobrou nada. Assim como nada justifica essa raiva explícita ao comunismo (que não existe), ao petismo, aos direitos humanos e aos povos originários.

E o mais grave: esse servilismo para com os Estados Unidos, a ponto de abdicar da defesa da soberania nacional, obrigação precípua em todas as Constituições Republicanas desde 1989. E mais incompreensível ainda por se tratar de submissão a Donald Trump, cujo único mérito é ter transformado os Estados Unidos numa Banana Republic.

Para o mundo a pior imagem do Brasil

Os militares da geração de 1964 se preocupavam com a imagem. Não queriam que soubessem que eram ditadores, torturadores e assassinos. Para esconder, censuravam os meios. Para coibir, proibiam obras dos criadores. Para disfarçar, mantinham legislativo e judiciário funcionando e realizavam eleições.

Os da atual geração perderam totalmente a vergonha. Vão ficar na história com a imagem transmitida ao mundo pelo capitão Bolsonaro e sua equipe de terra planistas. Imagem tão boa que o Museu de História Natural de Nova York resolver proibir que empresários realizassem um almoço em suas dependência com a presença do presidente brasileiro. 

“Jair Bolsonaro é um ser humano perigoso… não só por causa de seu racismo e homofobia evidentes. Infelizmente ele também é a pessoa com maior poder de impacto sobre o que se passará na Amazônia daqui pra frente…”, disse o prefeito de Nova York, Bill de Blasio. Será o prefeito da grande metrópole estadunidense um vil comunista comedor de criancinhas?

Ato seguido, também o restaurante Cipriani Wall Street, dos mais badalados de Nova York, negou suas dependência ao almoço com o qual empresários querem homenagear o presidente entreguista.

Agora, a revista Time que, na votação anual que faz pra escolher o personagem do ano, incluiu o capitão Jair Bolsonaro (presente em sua lista com as 100 personalidades mais influentes do mundo). Os bolsonaristas estão utilizando a mesma tática de manipulação das redes sociais para que seu líder seja o eleito. Mas não adiantará muito porque a votação se faz no mundo e entre jornalistas, principalmente. 

E olho: pode até acontecer que seja ele o escolhido, pois, de fato, seu comportamento tem repercutido para o bem e para o mal nas polêmicas em todo o mundo sobre essa nova direita apaixonada por Hitler e Trump.

*Paulo Cannabrava Filho é editor da Diálogos do Sul


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Paulo Cannabrava Filho Iniciou a carreira como repórter no jornal O Tempo, em 1957. Quatro anos depois, integrou a primeira equipe de correspondentes da Agência Prensa Latina. Hoje dirige a revista eletrônica Diálogos do Sul, inspirada no projeto Cadernos do Terceiro Mundo.

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