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A vida está difícil: lide com isso. Inteligência artificial dispensará trabalho humano

Estamos vivenciando um período de vida difícil devido à transição histórica de um sistema (capitalista) complexo porquanto emergente de interações de diversos componentes
Fernando Nogueira da Costa
Brasil Debate
São Paulo (SP)

Tradução:

Reuni resumos da literatura recente de não-ficção, postadas no meu blog Cidadania & Cultura, em um livro eletrônico para download gratuito: Fernando Nogueira da Costa – A Vida está Difícil. Lide com Isso. São narrativas da crise mundial na atual transição histórica.

Li e resumi 43 livros de autores estrangeiros, em geral publicados nos últimos anos, exceto os de Metodologia. Apresento as narrativas na ordem clássica da “jornada do herói” (era uma vez – todos os dias – até que em um dia – por causa disso – finalmente) as explicações sobre crise financeira, metodologia econômica, transição histórica devido à revolução tecnológica, consequências políticas vivenciadas e propostas políticas para evitar a atual polarização destrutiva.

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Tratam da abordagem de um sistema complexo, emergente de interações de seus componentes, entre outros, alavancagem financeira, bolhas, individualismo e coletivismo, destruição criadora por inteligência artificial, fim da Era do Machismo, Era do Populismo, povo contra democracia, neofascismo, políticas identitárias, pós-verdade, reenquadramento mental, automação e pós-trabalho, capitalismo para o povo, localismo inclusivo em comunidade como alternativa à bipolarização entre Estado e Mercado, êxtase ou psicologia da felicidade.

Qual é a tese defendida com as diversas hipóteses apresentadas na literatura sobre o tempo presente? Estamos vivenciando um período de vida difícil devido à transição histórica de um sistema (capitalista) complexo porquanto emergente de interações de diversos componentes. Entre eles, há fator estrutural como o demográfico, mas também fator conjuntural como a crise econômica mundial em vigor há uma década. Somam-se ao fator tecnológico: a 4ª Revolução Industrial, quando máquinas de predição juntam inteligência artificial, algoritmos e robôs. Têm como contrapartida a desocupação dos trabalhadores desqualificados em termos de tecnologia digital.

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A reação política ao desemprego tecnológico tem sido uma postura conservadora (saudosa de um passado idílico), antissistema, anti-establishment, antiglobalização, populista, neofascista, contra o liberalismo, contra as políticas identitárias, adepta da pós-verdade, disseminadora através de rede social da estrutura mental de direita.

Estamos vivenciando um período de vida difícil devido à transição histórica de um sistema (capitalista) complexo porquanto emergente de interações de diversos componentes

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Com insegurança quanto ao seu emprego e à futura aposentadoria, as pessoas se acham mais irritadas como jamais estiveram

Vivemos tempos turbulentos, cujas saídas vão desde uma redistribuição tecnológica e social até uma conversão do capitalismo de compadrio para o capitalismo de mercado competitivo a partir de política afirmativa de igualdade de oportunidades até atingir igualdade de resultados. O nacionalismo cívico em lugar do nacionalismo-populista visa criar outro modo de vida comunitário menos difícil. Com maior produtividade, devido ao auxílio da inteligência artificial, será possível também novo modo de produção com a jornada semanal de trabalho alienante mais curta, embora com vida ativa mais longa. O trabalho criativo propiciará maior felicidade cotidiana.

Examino em seguida, brevemente, cada um desses componentes interativos. Eles configuram o estado da arte, isto é, nossa difícil condição presente e desafiante agenda para construirmos um futuro melhor.

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Nos países atrasados ou subdesenvolvidos, a “american way of life” era o modelo de felicidade mundana. O pacto social era a expansão do capitalismo espraiar empregos para todo o mundo.

O problema veio, porém, quando se rompeu esse pacto. Constatou-se a oferta e a demanda por empregos serem independentes. Raramente houve o pleno emprego para todo o mundo mesmo com a globalização do capitalismo.

A demanda por emprego e renda é função de fatores demográficos. Por volta de 1930, a população mundial atingiu 2 bilhões de pessoas. O avanço na saúde pública com as grandes descobertas na área medicinal no século 20 diminuiu, bruscamente, o índice de mortalidade. A taxa de natalidade só foi reduzida após as pílulas terem sido aprovadas para uso contraconceptivo em 1960, inclusive contra costumes conservadores religiosos. Antes, no pós-guerra, houve uma explosão do crescimento demográfico, na chamada geração baby-boom, e da demanda por emprego.  Atualmente, existem cerca de 7,5 bilhões de habitantes em nosso planeta.

Passado o bônus demográfico, resultante da redução da taxa de fecundidade e de mortalidade e do aumento da renda familiar por causa do trabalho do casal e da queda relativa das despesas com menos filhos, propiciando maior sobra de renda e fonte de financiamento para o crescimento econômico, a grande geração do baby-boom iniciou sua longa aposentadoria. Somada à maior longevidade humana, gerou a crise do regime de repartição – geração ativa paga a aposentadoria da geração inativa – da Previdência Social. O corte de direitos trabalhistas, conquistados na Era da Socialdemocracia, agora, na Era Neoliberal, é motivo de grande angústia por parte dos idosos aposentados e dos jovens a se aposentarem no futuro.

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Esse fenômeno demográfico é estrutural e mundial, isto é, vai mais além uma boa ou má conjuntura de crescimento econômico. A economia de mercado de capitais norte-americana com taxa de juro baixa e excesso de crédito, porquanto o resto do mundo financiava o consumo de sua sociedade consumista, trocou a bolha Nasdaq pela bolha imobiliária. Esta explodiu no fim da primeira década do milênio.

A técnica de usar o dinheiro dos outros – alavancagem financeira – é o segredo do negócio capitalista. É inspirado na junção da revolução financeira com a revolução industrial de elevação da produtividade na produção de mercadorias em escala massiva para compra-e-venda. Ela diz respeito a obter a mesma valorização do ativo com a tomada de empréstimo de capital de terceiros, dando muito maior escala na compra ou produção desse ativo e multiplicando a rentabilidade patrimonial sobre o capital próprio.

Para usar o dinheiro de outras pessoas em benefício próprio é preciso tomá-lo emprestado para sua alavancagem financeira. Além do endividamento, existe outra maneira: usar o mercado de ações, captando dinheiro via participação acionária.

Precisa-se de dinheiro para implementar uma ideia de um negócio aparentemente promissor. Pode tomar emprestado ou pode conceder participação acionária. Procura alguns endinheirados, apresenta a ideia, e convence-os a arriscarem algum dinheiro como associados no empreendimento.

Os investidores vão se tornar coproprietários do negócio juntamente com o proponente ainda em uma empresa de capital fechado. Se o negócio tiver sucesso, cada um colherá sua participação proporcional nos lucros. Se o negócio fracassar, cada um perde seu dinheiro. O ganho do fundador é, sem colocar muito dinheiro no negócio, ficar com direito à sua participação acionária ao realizar todo o trabalho de gestão e inovação. Os outros são simplesmente os capitalistas investidores.

Desse modo, o grupo fundador lança o seu negócio através do uso do dinheiro de outros acionistas. Se o empreendimento for bem-sucedido, chega o momento quando os sócios vão querer colher ganhos de capital em dinheiro. Para tanto, podem abrir o capital da empresa para outros acionistas. Daí em diante, desmembram as ações originais em milhares de ações com um valor equivalente e vendem parte minoritária das ações pela cotação atribuída pelo mercado a partir do preço de lançamento. Tornam-se bilionários.

Em uma visão a partir do próprio umbigo, isto é, do individualismo metodológico, os economistas do mainstream não possuem uma visão holística. Não perceberam os sofismas da composição, o fato de a verdade sob o ponto de vista individual não corresponder ao todo, ou seja, à verdade sistêmica. Entre outros riscos sistêmicos não diversificáveis, o aprendizado de máquina e a robótica vão mudar quase todas as modalidades de trabalho. A inteligência artificial dispensará boa parte do trabalho humano, desqualificado por inovações disruptivas da 4ª. Revolução Industrial.

Com insegurança quanto ao seu emprego e à futura aposentadoria, as pessoas se acham mais irritadas como jamais estiveram. Os escondidos em anonimato desabafam em comentários de sites de notícias e blogs ao atacarem violentamente qualquer um com quem possam discordar. Os acusadores com raiva doentia colocam a culpa em corporações gananciosas, legislaturas impassíveis, governos condescendentes. Sacrificam também como bodes-expiatórios os grupos promotores de suas agendas de interesse especial, ou seja, de minorias. Principalmente, eles culpam “os outros” – algum grupo, organização ou instituição capaz de agir tão notoriamente a ponto do ultrajado se sentir uma raiva justificada – ou injusta. Pior, os machistas se indignam por estar acabando a Era do Direito Masculino inquestionável e incontestável.

Adotam ainda discursos ilusórios como “meritocracia” e “justiça”, mesmo sabendo, desde o nascimento, o sistema sempre ter estado contra “os outros”: mulheres, gays, lésbicas, negros, latinos, muçulmanos etc. Por se sentirem traídos por políticas públicas de salvamento de bancos e favorecimento de empresas não-financeiras, em um capitalismo de compadrio, provocadoras de sua maior pobreza e da ameaça à segurança de seus empregos, parte do eleitorado da socialdemocracia trabalhista migrou para partidos novos de extrema-direita. Para recuperá-los, a oposição não pode cometer o erro de: subestimar o populista de direita, deixar de atuar unida e não planejar (e divulgar) uma perspectiva positiva para chegarmos a uma vida menos difícil.

*Fernando Nogueira da Costa é professor titular do IE-Unicamp. Autor de “Brasil dos Bancos” (Edusp, 2012), ex-vice-presidente da Caixa Econômica Federal (2003-2007). É colunista do Brasil Debate

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul Global.

Fernando Nogueira da Costa

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