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Cannabrava: Ao fim de 2020, podemos afirmar que temos no Brasil uma tempestade perfeita

Situação é de tempestade perfeita, seja para a implantação do caos, objetivo do império, seja para uma ruptura que favoreça a retomada da democracia
Paulo Cannabrava Filho
Diálogos do Sul
São Paulo (SP)

Tradução:

No jargão dos agentes do imperialismo ianque, diz-se que a situação é de tempestade perfeita quando todas as condições estão dadas para a realização de uma ação planejada, seja ela uma ofensiva militar ou qualquer outra ação política, ou econômica. Ou seja, guerras, com outros nomes, mas guerra. O objetivo pode ser de conquista, de desestabilização ou implantação do caos.

Neste espaço, temos insistido que a situação brasileira é de tempestade perfeita, seja para a implantação do caos, objetivo do império, seja para uma ruptura que favoreça a retomada da democracia, fundamentalmente, a conquista da soberania.

Essa é a questão central: a conquista da soberania.

Soberania sobre os centros de decisão de políticas de Estado, a começar com o modelo de gestão econômica e conceito de Segurança Nacional.

Já se foram quatro décadas do Consenso de Washington, suficientes para mostrar o fracasso do modelo do ponto de vista das necessidades de desenvolvimento dos povos. Quatro décadas de agravamento contínuo, sobre todos os aspectos. Terminamos esta última década sob a égide do pensamento único imposto pelo capital financeiro e de estagnação econômica, regressão social.

A pandemia da Covid 19 veio agravar uma situação que já era péssima e sem saída. As projeções mais otimistas davam como possível um crescimento do PIB em torno de 3% ou 4% nos próximos três anos, insuficientes para recuperar os cinco anos anteriores de decrescimento do PIB, ou seja, de PIB negativo. Agora, neste ano de pandemia, o PIB despencou pelo menos 6%. O FMI diz que será -4,4 em 2020. Safras recordes e bom comportamento dos preços das commodities contribuem para isso.

Situação é de tempestade perfeita, seja para a implantação do caos, objetivo do império, seja para uma ruptura que favoreça a retomada da democracia

Rudja Santos/Amazônia Real
Crise de energia no Amapá – protestos no bairro de Santa Rita

Para os gestores, o nó é o desequilíbrio fiscal com déficit primário de 12% elevando a dívida pública para 90%. Até quando poderão financiar o déficit com mais dívida? Tampouco com a venda de ativos eles conseguem. Desde o governo Sarney estão vendendo ativos para pagar a dívida e a dívida que era em torno de 45% do PIB está em 90% e passará de 100% em 2021.

O que o governo propõe como saída? 

O mesmo. Não possuem o mínimo de imaginação, e nem de senso comum para perceberem a gravidade da situação. O mesmo com mais privatizações, o que significa mais desnacionalização, porque quem está comprando são estrangeiros. 

Muhammad Yunus, Prêmio Nobel de 2006, é quem alerta sobre os que pretendem voltar ao que era antes da Covid. Voltar seria suicídio, diz o economista. O que é necessário é começar tudo de novo a partir de três zeros: zero aquecimento, zero concentração, zero desemprego. Os empreendedores, diz Yunus, têm que ter sensibilidade social, não só o objetivo de remunerar o acionista.

A população alcançou 220 milhões de habitantes. Segundo o IBGE, a população ocupada mal chega a 86 milhões. São 72 milhões de inativos. 14 milhões de desempregados, 9 milhões de desamparados. São mais de 100 milhões de pessoas que estão em situação de calamidade, agravada pelo medo da doença, a dor da fome do filho. 

Felizes daqueles que têm um emprego, ou mesmo um bico, um trabalho precário, uma aposentadoria no fim do mês. São os que estão aguentando o tranco. Os velhinhos aposentados viram arrimo de família, e o dinheiro compra cada vez menos.

Oito de cada dez jovens até 24 anos estão na precariedade, são nada menos que 7,7 milhões de meninos e meninas no desamparo. Entre os adultos de 25 a 64 anos, 39,6%, 40%, quase a metade na precariedade. Na população acima de 65 anos, o índice baixa para 27,4%.

Temos 25 milhões de habitações impróprias. O dobro do déficit habitacional registrado nos anos 1980/90. De cada 10 moradias, só cinco têm condições sanitárias nos padrões mínimos exigidos pela ONU. Não é uma questão que se resolve construindo 10 ou 100 mil casas. São questões que só se resolvem com projetos que envolvam toda a população. Com planos de desenvolvimento de pleno emprego e moradia digna em cada comunidade.

Enfim, tudo se resolve, no curto, no médio e no longo prazo, com projeto e com planejamento. Tem até Chicago’s boys inteligentes, pregando o retorno ao keinesianismo, ou seja, a volta a um capitalismo de produção, com protagonismo do Estado. Essa solução pode servir para países desenvolvidos. Não serve para quem tem que recuperar 40, 50, 100 anos de atraso. 

No nosso caso, e disso já se deu conta a Igreja de Roma, só se resolve com outro modelo. Sem ruptura com o capital financeiro e toda a estrutura que ele gerou para se consolidar, não há solução.

Como se comportam os poderosos

As vacinas nem ficaram prontas, os tribunais superiores de justiça tentaram dar uma carteirada na Fiocruz. Tentaram convencer o instituto a separar 7 mil vacinas só para eles, antes que para aqueles que mais necessitam, que são os que trabalham no sistema de saúde.

Esses são nossos supremos juízes, coniventes com os golpes de Estado, com a farsa eleitoral de 2018, com a prisão de pessoas — não importa quem, se Lula ou Crivella — sem flagrante delito, sem culpa formada, sem ser julgado e condenado. Nossos cárceres estão abarrotados e a maioria dos presos nem sequer foi julgada.

Nós queremos Justiça igual para todos

Um judiciário que respeite a ética e faça valer o rigor da Lei. No caso do Supremo, que seja quem faça valer a Constituição. Terminamos o ano com mais uma prova de que é urgente a reforma do judiciário. Eu diria que também é urgente a reforma do ensino do Direito. A magistratura tem que entender que a dignidade da pessoa está acima do direito de propriedade e que toda propriedade está limitada ao interesse social. Isso está na nossa Constituição, pois.


Eu quero lembrar a vocês, que a presidenta Dilma Rousseff selou sua sentença de morte quando se desfez do Gabinete de Segurança Institucional, o poderoso GSI. Claro que não foi só isso, mas, é, com certeza, o mais relevante.

Informação e contrainformação — Inteligência — é o cerne do poder. Qualquer poder. Qualquer corporação empresarial sabe disso. A partir daí a presidenta ficou à mercê de amadores e de conspiradores.

A armação foi muito bem urdida. O de mais fácil manipulação foi o Congresso. Vê-se pelas declarações de voto dos parlamentares no processo de deposição da presidenta. Uma palhaçada de baixo nível que repercutiu mundo afora.

O Judiciário já estava mancomunado com os militares e praticamente conduziu o processo. A mídia e os empresários através de suas associações fizeram o resto. Foi um linchamento, não foi um impeachment regulamentado pela constituição.

O vice-presidente, Michel Temer (MDB), no comando do complô, tomou posse e ato seguido deu o Ministério da Defesa para um general das forças armadas complotadas.

Temer, ou seja, o Executivo e o Judiciário deram legitimidade à farsa eleitoral de outubro de 2018 que levou os militares de volta ao Planalto, desta vez, “consagrados” pelo voto popular.

Cerca de oito mil militares, da ativa e da reserva, ocupando os principais postos de mando na administração e nas empresas públicas e autarquias. O GSI e a Inteligência servem agora para defender os interesses corporativos e da famiglia. Usar a Inteligência do Estado para mascarar evidências de crimes cometidos pela famiglia faz parte do jogo. São indecentes. Cinicamente indecentes.

Eu julgo que precisa ser cinicamente indecente para um mês de eleito, no caso reeleito, o salário do prefeito Bruno Covas, que já era alto, R$ 24 mil, seja aumentado para R$ 35 mil. Gente, são R$ 10 mil de aumento. 

Todos estão no sufoco, não há trabalho, não há dinheiro, e agora até com a gratuidade no transporte público para os velhinhos com mais de 60 anos eles acabaram. Eles, os dois tucanos que nos governam, o Covas na prefeitura e o Doria no estado.

Não estarei aqui com vocês até o dia quatro de janeiro. O que eu desejo para cada um de vocês, é que entrem no próximo ano fazendo perguntas… muitas perguntas:

  • Quem são os responsáveis pelos nossos índios?
  • Quem são os responsáveis pelo desmatamento contínuo?
  • Quem são os responsáveis pelos incêndios que dizimam a Amazônia e o Pantanal?
  • Quem são os responsáveis pelo saqueio das riquezas minerais?
  • O petróleo é nosso? Para onde vai a riqueza do pré-sal?
  • Quem são os responsáveis pela Segurança e pela Soberania?
  • Por que a escola pública não é de qualidade e para todos?
  • Por que eu tenho que ter um plano de saúde privado, que custa o olho da cara, se existe o SUS? 
  • 200 mil mortes pela Covid. Tem como eludir a responsabilidade? Esconder a incompetência?
  • 900 índios mortos e os militares mandam avião com cloroquina para as aldeias. Pode?

Encerro com esta mensagem:

“Gosto de pensar o Natal como um ato de subversão…

– Um menino pobre;

– Uma mãe “solteira”;

– Um pai “adotivo”;

– Quem assiste seu nascimento é a ralé da sociedade (pastores);

– É presenteado por gente “de outras religiões” (magos, astrólogos);

– A “família” tem que fugir e viram refugiados políticos;

– Depois volta e vai viver na periferia.

O resto, a gente celebra na Páscoa… mas com a mesma subversão…

Sim! A revolução virá dos pobres! Só deles pode vir a salvação!

Feliz Natal!

Feliz subversão!”

Dom Helder Câmara


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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Paulo Cannabrava Filho Iniciou a carreira como repórter no jornal O Tempo, em 1967. Quatro anos depois, integrou a primeira equipe de correspondentes da Agência Prensa Latina. Hoje dirige a revista eletrônica Diálogos do Sul, inspirada no projeto Cadernos do Terceiro Mundo.

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