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André Martin: “Escolher Múcio foi equívoco. Lula tem de ir na raiz do problema e extirpá-lo"

“Desculpe Múcio, perdeu, errou. Cai fora. Aliás, o próprio Lula disse: quem errou vai pagar. Lula tem de cumprir o prometido”, reforça o professor
Amaro Augusto Dornelles
Diálogos do Sul Global
São Paulo (SP)

Tradução:

Depois de um golpe militar quase perfeito, em 2018, é difícil entender como os estrategistas nativos e ianques puderam acreditar na possibilidade de tomar o poder depredando as sedes do Executivo, Legislativo e Judiciário após a posse de Lula. O apoio explícito das Forças Armadas foi o aval dos militares ao golpe. E aos salteadores. O papel dos militares neste natigolpe de Estado ainda não foi analisado. Em Brasília e São Paulo, por exemplo, os zumbis hipnotizados pelas redes antissociais, que vieram de quase todos estados da União, só começaram a ser removidos na segunda-feira (9). Em Brasília, com o dinheiro de quem paga imposto, o oficialato autorizou alimentação para a turba. O pessoal fazia fila ordenadamente na “hora do rancho”, como se fala nos quartéis.

O professor de Geopolítica da USP André Martin costuma proferir palestras para oficiais das Forças Armadas e faz questão de esclarecer, a priori: “Tem mais militares democráticos, abertos ao diálogo, do que golpistas”. Pior de tudo é que oficiais e alunos da Escola Superior de Guerra (ESG), para quem ele dá aula, estudam… Olavo de Carvalho(!).

Outro ponto relevante, este diálogo com Martin observa a impunidade dos militares do Brasil e o que destino esperar para Bolsonaro, que fugiu para ver de longe o resultado de sua armação. São crimes contra a humanidade, contra a população, sociedade, democracia e a justiça do país.

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“Numa visão mais rasa, e atual, os fardados se consideram a última força moral e de poder, essa bobajada toda. Isso está na mentalidade da caserna e precisa ser modificado. Mas o pior é que as instituições da ditadura permaneceram mesmo depois da redemocratização”, aponta o pesquisador.

Saiba, a seguir, o que se esconde – até agora, pelo menos – por trás do mutismo do generalato diante da aberração do último 8 de janeiro, na qual militares se viram envolvidos irremediavelmente. Prepare-se para fortes emoções.

* * *

José Múcio X Flávio Dino

Amaro Augusto Dornelles – No Brasil, nunca puniram torturadores e assassinos. Como isso se explica?
Andre Martin – Isso é muito grave. Mas pior foi a manutenção da Justiça e da Polícia Militar até hoje. Justiça e Polícia Militar transformam o fardado numa casta, que submete o paisano a todo tipo de humilhação, extorsão. E o Brasil virou isso com Bolsonaro. Isso se explicitou. Tivemos em 8 de janeiro o resultado final mais cômico do que trágico, mais patético do que dramático.


Itararé: a batalha que nunca houveGetúlio Vargas assume a chefia do “Governo Provisório” em 3 de novembro de 1930 (Atlas histórico do Brasil – FGV)

No final das contas, temos a nova Batalha de Itararé. Esperava-se a maior batalha da América do Sul. Eram paulistas contra gaúchos que vinham defender o governo Federal em 1932. Itararé era a fronteira com o Paraná e todos temiam e se armavam. Mas ela jamais aconteceu. Aqui no Brasil as coisas geralmente acabam assim.

Futuro do Brasil e da América Latina depende da investigação e punição de militares golpistas

Consequentemente, esse dramático episódio naquele domingo – mesmo acabando em ópera bufa – revela haver um embate dentro do governo Lula entre José Múcio (ministro da Defesa) e Flávio Dino (ministro da Justiça). Sabendo que o bolsonarismo não iria aceitar a derrota e criaria problemas, foi colocado para o novo governo a seguinte questão: como lidar com tudo isso? De uma forma mais agressiva com Flávio Dino? Ou de forma mais negociada, como a posição do Múcio? Esse último prometeu pacificar tudo na conversa. E Dino, pelo contrário. Portanto, esse é o debate que deve estar transcorrendo.


Golpe faísca atrasada

O país vai gastar milhões pra’rrumar a quebradeira nos Três Poderes. Como é que se explica a falta de articulação dos golpistas, tão hábeis em derrubar a presidente Dilma?
Vamos recordar: essa estratégia de golpe se atrasou em uma semana. Ela era para impedir a posse. E vamos lá, o responsável intelectual de tudo isso já está morto. É Olavo de Carvalho. Esse barbarismo consta das instruções dele de como enfrentar e derrubar o Poder. Isso é tomar prédios públicos, como fizeram nos EUA, é a tática de Steve Bannon. Olavo Carvalho defendia isso aqui no Brasil porque, veja, se você toma os prédios dos Três Poderes antes da posse do Lula – aí sim você provoca o vácuo de poder. E chama os militares para ocupar o espaço criado. Essa era a estratégia deles. Não deu certo porque os comandos militares não acompanharam isso.

Mas voltando a Múcio, ele tem estofo para peitar Dino?
Bom, é preciso reconhecer que a escolha de José Múcio foi equivocada. Na verdade, eu tinha um candidato, Roberto Requião – cheguei a defender sua indicação para a Defesa em entrevista aqui, na Diálogos do Sul, em novembro. Ele é um político que goza de reputação ilibada, tem respeitabilidade em todas as Forças Armadas. Sei disso porque dou aula para a Escola Superior de Guerra, onde encontro militares honestos e patriotas de verdade. Eles são muitos. Ora, a ideia do golpe de Estado naufragou porque os militares não estão todos com os golpistas. Isso é muito importante. Agora, é lógico que tem apoio aos golpistas bolsonaristas dentro de todos os aparelhos repressivos. Foi lá dentro que isso fermentou. A questão é complexa.


Febre ideológica inoculada na farda

Como o bronco e seus asseclas conseguiram seduzir a ‘cópula’ militar para viabilizar o ataque à Capital Federal?
Tivemos essa surpresa – não só pelo apoio da Polícia Militar do Distrito Federal, do ex-governador e do ex-secretário de Segurança – que já é muito grave. Mas é lógico que também há apoio dentro da Abin, da Polícia Judiciária e da cúpula das forças armadas… Não há dúvidas que haja gente ali traindo também. Isso mostra que o quadro é complexo. Todo o aparato repressivo brasileiro está embrenhado no bolsonarismo para “barrar o comunismo que chegou ao Brasil”. Trata-se de febre ideológica, cuja matriz é Olavo de Carvalho e seu livro imbecil que se chama “O Dever de Insultar”.

Encontro em Washington (Reprodução/Twitter)

A sumidade tornou-se conhecida por Insultar a Razão…
Sem dúvida, mas o mais trágico é que isso se tornou obrigatório nas escolas militares. Olavo considera que o intelectual tem o dever de insultar para chamar atenção, virar a mesa. Ele se considera antissistema, pois o sistema é corrupto. Delírio completo, anarco-fascista. Infelizmente teve muita gente das FA que se deixou levar por isso (amontoado de asneiras). Então está na hora dos nossos militares pararem para pensar muito seriamente sobre seu próprio destino: a função que eles querem dar à instituição não é possível. Essa arrogância de não aceitar críticas do mundo civil é inaceitável. Esse é o motivo pelo qual os militares não pedem desculpas ao povo brasileiro.

De que adianta pedir desculpas?
Na minha opinião, mais importante do que punir A ou B individualmente – como foi pensado na Comissão da Verdade – é se exigir que as Forças Armadas, com seus oficiais do alto comando, peçam desculpas à população. Eles devem isso ao povo brasileiro. Desculpas pelo golpe de 1964. E por trazer Bolsonaro ao poder. Dois erros estratégicos que prejudicaram a soberania nacional. E se eles são a última reserva moral da nação como se autoproclamam, então urge pôr as barbas de molho e fazer como os neoliberais gostam de fazer, puxar a orelha, fazer a lição de casa. A defesa da nação é a proteção do povo, das instituições democráticas, do meio ambiente, dos recursos naturais. Tudo ao contrário do que eles vêm fazendo nos últimos 4 anos.

“Desculpe Múcio, perdeu, errou. Cai fora. Aliás, o próprio Lula disse: quem errou vai pagar. Lula tem de cumprir o prometido”, reforça o professor

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Múcio já mostrou que não tem condições de ocupar o cargo de ministro da Defesa do Brasil




Cadeia para generais

A punição é imprescindível. Deve servir de exemplo para o futuro, além de mostrar que a Justiça protege a sociedade e suas instituições. Com tudo o que aconteceu nesse domingo de 8 de janeiro, os militares, principalmente do exército, ficaram numa posição muito delicada para se legitimar junto à sociedade brasileira. Afinal, são as massas que pagam os salários e todas as atividades deles. O pessoal da farda vive um momento muito difícil. E o pior é que a coisa foi ficando escancarada. Não se trata de passar a mão na cabeça. Pelo contrário.

“Poder Moderador” dos militares serve a burgueses, milicianos, golpistas e contra o povo

Mas qual é a saída política?
Se eu fosse o Lula, exoneraria Múcio e colocaria Requião no lugar, além de trocar o comandante do exército – Júlio Cesar Arruda. É óbvio que ele foi conivente. Além disso, duas punições pequenas: abriria um processo para colocar na cadeia Augusto Heleno (Segurança Institucional), Braga Netto (Casa Civil) e Eduardo Ramos, da Secretaria de Governo. Eles estavam por trás dessa que foi a segunda tentativa de golpe. Eles estão refugiados nos EUA, que fique muito claro: isso tudo são formas de subserviência ao Império. É o oposto do patriotismo. É patriotismo em proveito próprio, auto patriotismo. Tem que começar a punir de cima para baixo. Se começar a pegar só bagrinho, não adianta. O primeiro que eu cortaria seria o José Múcio. Ele apostou na conciliação. Prometeu que, conversando, o pessoal iria sair da frente dos quarteis. Sim, saíram dos quartéis e tomaram a Praça dos Três Poderes. Múcio, você perdeu, fora!


Traição à pátria

Não há corte internacional, ou extraterrestre, para enfrentar os mercenários de farda em pleno século 21? Antes de embarcar, o desequilibrado repetiu: “Nada está perdido”. Fala o que quer e fica por isso mesmo?
Obviamente, esse conjunto todo é uma flagrante traição à Pátria. Desde 2014, quando surgiu a Lava Jato, defendo que a corrupção maior que pode ocorrer num país é a traição à pátria. Nosso problema é de ordem político-ideológica, é mais profundo. A questão é a formação doutrinária e ideológica dos nossos militares.

Enquanto isso, gorilas e jovens macacos estudam Olavo de Carvalho, o profeta da estupidez…
(Risos) Eles não estão sabendo o que é ser patriota brasileiro, o que é defender a pátria. Há uma enorme confusão nos quartéis. Simplesmente não têm a menor ideia do que é defender o Brasil. Infelizmente é disso que se trata. Essa gente introduziu o ‘confusionismo’ por conta de uma paranoia contra esquerdista (introduzida por ianques).

Perdão professor, mas para mim isso é desculpa esfarrapada de mercenários para enfiar a mão nas economias da ‘Viúva’…
Sim, sim, do mesmo modo como sempre se colocou – lá nos EUA – a ameaça de uma suposta ação soviética que nunca existiu para justificar o gasto de trilhões de dólares em armamento, para manter o mundo sempre em pânico, possibilidade de guerra nuclear, como agora. Tudo contribui para o aumento do faturamento da indústria de armamento dos EUA. Todo dia se ouve anúncios de mais armas para a Ucrânia…


Intervenção intelectual

Quem mais se beneficiou da vitória do PT até agora foram os militares do Brasil e dos EUA. Já existe negociação para comprar mais armamento deles, que poderia ser fabricado aqui. A massa passa fome e o oficialato torra milhões para fortalecer o Império.
É outro absurdo, não se discute nada, só entre eles. Tem que haver maior transparência sobre o que os militares fazem. Aí tem de haver maior capacidade de intervenção da intelectualidade sobre o que eles estão fazendo. Agora mesmo as Forças Armadas fizeram uma compra gigantesca, no fim do (des)governo, de carros de combate para uso em uma suposta guerra de tanques contra a Argentina…

Assista na TV Diálogos do Sul

Na verdade, jornais dos EUA informaram que a venda fazia parte do Plano Estratégico da Casa Branca ‘Suja de Sangue’. É por isso que a escória da farda e da política correm para lá toda hora.
Pura verdade, a situação é muito difícil. Mas essa postura do exército é absurda. Esse possível temor de países vizinhos é dos anos 1940. Precisariam colocar uma cavalaria gigantesca no Rio Grande do Sul e tanques para defender uma invasão de argentinos ou uruguaios. Trata-se de uma hipótese delirante de guerra. Isso tudo tem de ser revisto.

Já li que tem outra compra de armamento em gestação. Com o “Mousse de Vaselina” na Defesa, quem vai se opor?
Eu digo que é uma oportunidade de ouro para Lula tomar a decisão de cortar o mal pela raiz. Minha opinião é muito clara. Neste momento não há mais condições de José Múcio prosseguir. Lula tem de ir até a raiz do problema e extirpá-lo. Passo contínuo, trocar o comandante do Exército, que se revelou frágil e golpista. Essas duas medidas são urgentes. Não sei se Lula terá condições de fazer isso, mas precisa ser feito.


Reconstrução do Estado

E a ministra do Turismo, Daniela Carneiro, da União Brasil dos EUA – eleita com apoio da milícia da Baixada Fluminense (RJ)? Não vai levar um pé na bunda?
O PT sempre justifica esse tipo de posição pela necessidade de ter maioria no Congresso e governabilidade. Estão errando há muito tempo, com aquela conversa furada de postura republicana. Não vai funcionar. Acho que o susto do dia 8 pode ser o alerta necessário para que se mude essa postura dentro do PT. O partido tem de ter autocrítica aqui. E começar a perceber que estamos vivendo, realmente, um risco muito sério e precisamos reconstruir o Estado Brasileiro. Acho que algumas premissas caíram por terra. Por isso digo que há em andamento uma operação que vai tentar enfraquecer o Flávio Dino. Faço um alerta ao PT e à esquerda em geral, para não cair nessa esparrela. Porque a questão chave é a seguinte: quem é o traidor, o Flávio Dino ou o José Múcio?

Mas o Múcio é vaselina assumido…
Não, não, se você é convidado pelo presidente – sabendo de todas as ligações que o futuro ministro tinha com Bolsonaro, na expectativa de criar um clima de apaziguamento, para que as veleidades e planos do golpismo bolsonarista não fossem levados a efeito – esta é a missão. Afinal, ele foi escolhido para esse papel por conta de suas boas relações com a ala golpista.

Lula precisa assumir comando das Forças Armadas e isso inclui rever nomeação de Múcio

Ora, quando foi escolhido, Múcio disse ter um problema muito sério: tinha familiares acampados em frente aos quartéis em Brasília. Ali ele já mostrou que não tinha condições de assumir o cargo. Do ponto de vista filosófico, ao dizer isso, tentando acalmar os ânimos, pisou pesado na bola. Ele assumiu estar mais preocupado em defender familiares do que proteger as instituições. Ou seja, ele é contra reprimir. Prefere não seguir a Constituição, a lei e o cargo de confiança ocupado, para ‘poupar seu sangue’. Prefere ficar com seus familiares golpistas. Desculpe Múcio, perdeu, errou. Cai fora. Aliás, o próprio Lula disse: quem errou vai pagar. Lula tem de cumprir o prometido: errou, fora!

Amaro Augusto Dornelles | Jornalista e colaborador da Diálogos do Sul


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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