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(Foto: Reprodução - Daniel Noboa / X)

Apesar da repressão “bukeliana”, máfias e violência crescem no Equador de Noboa

Enquanto isso, se multiplicam denúncias de abusos militares nas ruas e prisões desde que o presidente declarou conflito armado interno no país
Eloy Osvaldo Proaño
Estratégia.la
Quito

Tradução:

Ana Corbesier

Em seus primeiros cem dias de governo, o presidente de direita equatoriano, Daniel Noboa, não conseguiu frear a grave crise de insegurança que vive o país, apesar da declaração de estado de exceção e do conflito armado interno a nível nacional, já que a onda de sequestros e extorsões continua aumentando no Equador.

Enquanto isso, um grupo de organizações de direitos humanos expressa sua preocupação com a violência que assola o país e lamenta que o discurso da “bukelização” esteja pregando uma visão meramente punitivista e de curto prazo, sem aprofundar as causas da criminalidade. Noboa compara seu “Plano Fênix” com o “Plano Controle Territorial” de seu homólogo de El Salvador, Nayib Bukele, que declarou o estado de emergência para combater as gangues em março de 2022.

Daniel Noboa durante encontro com Forças Armadas e Polícia do Equador em 14 de março (Foto: Reprodução – Daniel Noboa / X)

Nadia Rivadeneira, do coletivo Mulheres de Frente, afirma que “está se desencadeando uma guerra contra as pessoas empobrecidas e racializadas. Falamos de mais prisões e mais penas, e questiona a visão de aumentar a população carcerária sem pensar na reconstrução do tecido social.

Apesar da propagandeada política repressiva de Noboa, entre janeiro e 10 de março o número de casos de extorsões e sequestros chegou a 1.543, e no caso da cidade portuária de Guayaquil, uma das mais castigadas pela espiral de violência, quintuplicou-se em relação ao mesmo período do ano passado, informou Ecuavisa. As estatísticas oficiais esclarecem que no mesmo período do ano passado o número de sequestros e extorsões chegou a 120, mas neste ano esse volume chegou a 618.

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Segundo as autoridades, os delinquentes que sequestram ou extorquem exigem em troca somas que vão de 2.000 a 200.000 dólares por cada vítima. O chefe policial da Zona 8, Víctor Herrera, assegurou que muitos dos detidos por este tipo de delito são reincidentes e lamentou que vários deles tenham deixado muito rapidamente as prisões, voltando a integrar as gangues criminosas.

Gangues criminosas

Duas grandes gangues criminosas – Los Choneros e Los Lobos – operam em aliança com narcotraficantes colombianos, mexicanos e albaneses que disputam o mercado de drogas do Equador para os Estados Unidos e a Europa Ocidental.

Fito, líder de Los Choneros
Fito, líder de Los Choneros

A violência das gangues criminosas nas ruas está relacionada com a violência dentro dos cárceres, onde o confinamento e a falta de controle estatal permitiram aos membros das gangues criminosas levar a cabo 14 massacres que custaram a vida a mais de 600 pessoas desde 2019, segundo a organização não governamental Comitê Permanente pela Defesa dos Direitos Humanos (CDH).

O confinamento tem sua origem em políticas punitivas contra as drogas, demoras na concessão de benefícios penitenciários e o uso excessivo da prisão preventiva. Os guardas penitenciários não estão devidamente preparados e são insuficientes para conter a violência.

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O advogado Fernando Bastias, membro do CDH de Guayaquil, afirmou que as decisões do presidente Noboa não são inovadoras: seguem a mesma lógica de governos anteriores – “promover a atuação punitiva do Estado e posicioná-la como a única forma de solucionar a criminalidade por meio do marketing“.

“Não existe agora um plano ou uma política pública de luta contra a criminalidade com orçamento e articulação entre as distintas funções do Estado. O presidente está vendendo uma série de insumos midiáticos sobre detenções, sobre brutalidade, sobre ira, sobre força, mas isso não combate o crime”, acrescentou.

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Segundo diferentes ONGs, as denúncias de abusos militares se multiplicam em ruas e cárceres desde que Noboa declarou o país em conflito armado interno e mobilizou suas tropas.

A agência francesa de notícias AFP analisou 18 vídeos que circularam em redes sociais entre 11 de janeiro e 4 de fevereiro em distintas províncias. Pelo menos em dez verificados veem-se abusos como espancamentos nas ruas durante o toque de recolher noturno. Dentro das prisões registram-se humilhações ou estalos de bombas de gás lacrimogêneo muito perto do rosto de presos seminus e imobilizados.

Durante uma audiência apoiada pelo CDH para que 18 detidos recebessem atendimento médico, alguns relataram torturas, inclusive com choques elétricos. Um juiz considerou que houve violações de direitos e ordenou que fossem ressarcidos. Para a Comissão, a militarização dos, onde morreram mais de 460 reclusos desde 2021, oculta uma dívida pendente: a depuração da força pública, salpicada por escândalos de corrupção, violações de direitos humanos e narcotráfico.

O modelo Bukele

Os dois novos cárceres que Noboa prevê construir no país – na província costeira de Santa Elena e na região amazônica de Pastaza – em um modelo similar ao de Bukele – terão um custo de 125 milhões de dólares. Cada um está projetado para abrigar 736 réus, diferentemente dos 40 mil reclusos que o governo salvadorenho assegura que entram em sua famosa penitenciária para gangsteres, Centro de Confinamento do Terrorismo (CECOT).

O que está acontecendo em El Salvador é “um regime antidemocrático que, como toda política punitiva, tem efeitos sensoriais temporários”, adverte Bastias, “razão pela qual seria um grave erro transportar este modelo para a realidade equatoriana”.

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Recorda que “a Constituição proíbe qualquer tipo de tortura, tratamento cruel, inumano e degradante contra pessoas privadas de liberdade; mostra que a forma de gerir os centros penitenciários deve estar baseada na dignidade humana, e adverte que a política do controle dos centros penitenciários não deve basear-se em um discurso punitivo ou que atente contra a dignidade de alguém. Controlar as prisões é garantir os direitos humanos das pessoas privadas de liberdade”, explicou Bastias.

A organização de direitos humanos WOLA realizou uma análise profunda, buscando explicar porque o Equador não deveria imitar o modelo Bukele. Nela indica que em dezembro de 2023 a população total dos 36 cárceres do Equador era de 30.804 pessoas, menos de 0,2% dos habitantes do país, segundo dados do Serviço Nacional de Atenção Integral a Pessoas Privadas de Liberdade (SNAI).

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Se o Equador buscasse emular a taxa de encarceramento de 1,6% de El Salvador, a população carcerária do Equador se multiplicaria por mais de nove, até chegar a 288 mil detidos. Isso equivaleria a encarcerar toda a população de uma cidade equatoriana média, como Manta, de acordo com a análise dos pesquisadores Adam Isacson e John Walsh, que destacam que El Salvador tem um território muito pequeno em comparação com o Equador, o que facilita o controle territorial.

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O informe da WOLA destaca que as estruturas das violentas gangues de El Salvador “fazem parte principalmente de duas redes, MS-13 e Barrio 18″, “não têm hierarquias rígidas e se organizaram em células semiautônomas ou pequenas”. Em 9 de janeiro, o presidente Noboa mencionou 22 gangues do crime organizado ativas no país, que dispõem de fontes de riqueza muito maiores que as de El Salvador.

O advogado Bastias questiona ainda a legalidade do controle das Forças Armadas sobre os cárceres do Equador sem um prazo definido. “Já lá se vão mais de sete estados de exceção desde o governo do presidente Guillermo Lasso, e o que vemos é que a situação continua igual”.

Acrescenta que “a droga, as armas e os celulares com que extorquem as pessoas fora da prisão, ingressam pela porta grande das instituições públicas. As Forças Armadas não têm nem a competência, nem a formação para gerir os centros penitenciários”.

As grandes máfias

As máfias intermediam diferentes atividades econômicas, e a relação com o Estado se expressa em todas as áreas: política, jurídica, social. O Caso Purga, assim como o Caso Metástasis, têm como centro a função judiciária e vários personagens políticos, em relação direta com imputados por narcotráfico do Clã Norero.

Os últimos Estados de Excepção foram estabelecidos para o conflito interno e gangues “terroristas”, no entanto, no Equador existem máfias de décadas, Cartéis da Corrupção, como afirma Jaime Chuchuca Serrano.

O Caso Purga investiga a trama de corrupção e narcotráfico, onde são identificados como cabeças Pablo Muentes (ex assembleísta pelo Partido Social Cristiano), Fabiola Gallardo (ex presidenta da Corte de Justiça de Guayas) e Johan Marfetán (Juiz), assim como uma dezena de juizes e ex juízes. Também está sendo processada a procuradora judiciária do Corpo de Engenheiros do Exército, Ruth Solano.

Fabiola e Yannina
A partir da esquerda: a procuradora de Guayas Yanina Villagómez é investigada pelo caso Metástasis e a juiza Fabiola Gallardo por Purga.

Assim como no Caso Metástasis, há um claro viés político, por incluir parte da máfia e excluir outra. Os social-cristãos têm uma longa trajetória no manejo da justiça do país, por meio das partilhas com os diferentes governos; sua relação com a justiça inclui as forças armadas e os tanques de guerra que o governo de Febres Cordero dirigiu contra as Cortes em 1984.

Por exemplo, afirma Chuchuca, é notável como não se vinculou desde o início María Josefa Coronel (do grupo Teleamazonas) embora fosse presidenta da jurisdição de Guayas; salvam-se funcionários do governo de Lenin Moreno e Guillermo Lasso; os advogados defensores do assembleísta social-cristão Pablo Muentes, que conseguiram uma sentença de 3,9 milhões de dólares contra o Banco do Pacífico.

As formações dos casos são simples delimitações metodológicas, e estão repletas de arbitrariedades. O encontro tratou de livrar de responsabilidades o governo de Lasso, enquanto que o Caso León de Troya e Gran Padrino (jornalístico) o vinculava diretamente com a máfia albanesa. Está claro que a procuradoria tem o poder sobre os processos.

Em 2018 e 2020, Leandro Norero foi declarado inocente de narcotráfico por um Tribunal de El Oro, e todos se calaram: governos, procuradores e meios de comunicação.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.
Eloy Osvaldo Proaño Analista e pesquisador equatoriano associado ao Centro Latino-Americano de Análise Estratégica (CLAE).

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