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Análise: O que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil. Será que é mesmo?

Bolsonaro, deu um xeque-mate liquidando a política exterior independente ao se alinhar com a terra do Tio Sam e indicar Ernesto Araújo para o Itamaraty
Paulo Cannabrava Filho
São Paulo

Tradução:

Este é o último artigo da série que iniciamos no ano passado na busca por desvendar as intenções do governo eleito em outubro de 2018, identificar os principais personagens, o que eles pensam para poder vislumbrar o que nos espera neste novo ano que rapidamente se inicia. Neste capítulo, falaremos menos de militares e mais de civis.

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A frase do título — o que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil — foi dita pelo general Juracy Magalhães, chanceler do general Castelo Branco, o primeiro dos militares que tomaram o poder em 1964, não através de eleições, mas pelas armas próprias e estadunidenses.

Isso foi grave, deixou a inteligência perplexa, os nacionalistas indignados, mas foi um nada diante do que nos está apresentando o governo eleito em outubro de 2018, como se verá neste artigo.

As décadas de 1960-1970 foram de altos índices de desenvolvimento impulsionados por empresas estatais e um poderoso parque industrial. A desnacionalização desse parque começa nos anos 1970 e a desestatização nos anos 1980, juntamente com a desregulamentação e financeirização de tudo.

Faltava, assim indicam os fatos, domar o Itamaraty, ou seja, submeter a política externa, colocá-la a serviço do projeto de dominação, vassalagem aos interesses dos Estados Unidos.

Os sintomas, mais que sintomas, exemplos, são vários.

Bolsonaro, em finais de novembro, vetou a realização da COP-25 em 2019, diz ele, para não gastar R$ 400 milhões. Até aí pareceria razoável, porém… Dito pelo próprio presidente eleito, não ficaria bem romper com o Acordo de Paris no Brasil. Para Bolsonaro e seus auxiliares diretos, a política ambiental, assim como a política indigenista, atrapalham o desenvolvimento. O mesmo discurso de Donald Trump.

São desconcertantes as declarações de Jair Bolsonaro como presidente eleito, mais ainda a de seu filho mais velho, Eduardo Bolsonaro, mantendo contato com autoridades do governo dos EUA, ou do ministro de Relações Exteriores, Ernesto Araújo, venerando Trump como salvador do mundo.

Será este o projeto dos generais e da frente militar de garantia para a governabilidade?

Bolsonaro, deu um xeque-mate liquidando a política exterior independente ao se alinhar com a terra do Tio Sam e indicar Ernesto Araújo para o Itamaraty

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São desconcertantes as declarações de Jair Bolsonaro como presidente eleito

Política Externa

Política e ideologia não são palavras de um mesmo conteúdo. Elas estão separadas nos dicionários, porém, na vida real, são irmãs siamesas, uma não vive sem a outra.

A política organiza a sociedade para a convivência e a ideologia que lhe dá conteúdo resulta do controle hegemônico do processo de organização. Se a organização foi produzida pelas oligarquias proprietárias de latifúndios, o resultado será uma ditadura oligárquica, que no nosso caso evoluiu para plutocracia autoritária, ou, se preferirem, uma ditadura plutocrática a serviço do capital financeiro.

Nas sociedades tribais, a organização é feita por um conselho que reúne anciãos e os líderes e o resultado é uma hegemonia difusa, algo como uma comunidade de autogestão, bem diferente da ditadura imposta por uma classe. Uma sociedade comunitária, que é o mesmo que uma sociedade comunista.

A chamada democracia representativa, modelo das sociedades capitalistas e imperiais, é uma ditadura sobre as demais categorias sociais, sobretudo os trabalhadores, de cuja exploração depende o enriquecimento e fortalecimento do poder plutocrático. Nas sociedades de Nossa América, essa organização foi transplantada da Europa com o objetivo de explorar e saquear.

As revoluções socialistas quebraram essa hegemonia (ditadura plutocrática) e impuseram a ditadura do proletariado, que faz uma inversão na pirâmide social, colocando os menos de 10% que conformam o poder da plutocracia sob o poder das grandes massas organizadas desde as bases até a gestão do poder.

Esse é o verdadeiro sentido da ditadura na política. Ela pode ser democrática para uns e excludente para os demais. Historicamente, as plutocracias impõem sua hegemonia, ideológica e política, pela força. As revoluções vitoriosas romperam essa hegemonia porque tiveram mais força: a força do povo organizado, movido pelo sonho e a utopia de viver numa sociedade em que não haja exploração de um ser humano por outro e que todos possam viver em harmonia com a natureza.

Esse tipo de reflexão é oportuno porque há uma verdadeira devastação promovida por imbecis disfarçados de intelectuais a qualificar todo pensamento divergente como comunista, tudo que ultrapassa o tom cor-de-rosa e sua capacidade de compreensão, é marxismo cultural, comunismo petista.

Demonizar o PT por comunista, sendo o partido que executou a contento um projeto neoliberal é para enganar os bobos e poder justificar a construção de uma nova ditadura plutocrática. Por que nova? Nova pelo componente teocrático neo pentecostal e Forças Armadas transformadas em pretores do Império legitimadas no poder pelo voto.

Os filhos do Capitão, em especial, o Deputado Federal Eduardo estão participando ativamente da formulação da “nova” política de relações exteriores.

Eixo do mal

John Robert Bolton, assessor e figura das mais próximas do presidente Trump, esteve no Brasil em novembro e no dia 29 se reuniu, por cerca de uma hora, na casa do então presidente eleito (a portas fechadas) com quem conversou sobre temas estratégicos como comércio e segurança, China, Cuba, Venezuela. 

De regresso aos EUA, em entrevista ao The Wall Street Journal, disse que “há muitos sinais de esperança na América Latina atualmente”. Para ele, a eleição de Bolsonaro representa “enorme mudança em relação ao passado diante da troika da tirania (Cuba, Nicarágua e Venezuela). Disse também, com todas as letras, que “temos que enfrentar esses regimes e libertar seus povos”.

Mencionou como sinais positivos os governos de Mauricio Macri (Argentina), Ivan Duque (Colômbia) e, claro, o presidente brasileiro.

Ele foi embaixador dos EUA na ONU e repete sempre que “essa organização não serve para nada, coincidindo com Trump no menosprezo ao multilateralismo, algo que tem garantido a boa convivência entre as nações e a paz.

Bolton serviu os presidentes Reagan (1982-1989), J. W. Bush (2001-2006) e, desde abril de 2018, é o conselheiro de Segurança Nacional de Trump. É um empresário rico que integra organizações como Associação Nacional do Rifle, Projeto para uma Nova América ou o Instituto Judeu para a Segurança da América. Republicano defensor das intervenções para derrubar governos como as realizadas no Iraque e na Líbia, é um dos integrantes do CRF o Conselho de Relações Exteriores, o mais poderoso think tank oficial dos EUA.

Eles dizem que irão libertar o Itamaraty do “marxismo cultural”. Mas na verdade estão submetendo o Brasil aos interesses estadunidenses.

Ministro

Voltando ao brilhante intelectual que comanda as relações exteriores… ele disse que vai libertar o Itamaraty do “marxismo cultural”.

Em entrevista ao Gazeta do Povo, de Curitiba, Araújo disse ser preciso acabar com a ideologia na política externa e que vai combater políticas como “alarmismo climático … pautas abortistas e anti cristãs”.

Para ele, deve-se impedir a destruição da identidade dos povos por meio da imigração ilimitada. Avalie lendo partes do artigo.

Essa é a principal missão que o presidente Bolsonaro me confiou: “libertar o Itamaraty”, como disse em seu pronunciamento na noite da vitória. Mas você sabe em que consiste a ideologia que diz ser preciso eliminar? Você diz que é contra a ideologia, mas, quando eu digo que sou contra o marxismo em todas as suas formas, você reclama. Quando me posiciono, por exemplo, contra a ideologia de gênero, contra o materialismo, contra o cerceamento da liberdade de pensar e falar, você me chama de maluco. Mas, se isso não é o marxismo, com estes e outros de seus muitos desdobramentos, então qual é a ideologia que você quer extirpar da política externa? “A ideologia do PT”, você me dirá. E a ideologia do PT acaso não é o marxismo?

(…)

Os marxistas culturais de hoje dizem que o “marxismo cultural” não existe e você acredita, simplesmente porque não tem os elementos de juízo e o conhecimento necessário. O fato é que o marxismo, há muito tempo, deixou de buscar o controle dos meios de produção material e passou a buscar o controle dos meios de produção intelectual — fundamentalmente, os meios de produção do discurso público: mídia e academia. Quem controla o discurso público, nos jornais e universidades, controla a vida social de maneira muito mais eficiente do que a obtida pelo controle das fábricas ou fazendas. Vencida na economia, a ideologia marxista, ao longo das últimas décadas, penetrou insidiosamente na cultura e no comportamento, nas relações internacionais, na família e em toda parte.

(…)

Você é contra a ideologia? Então é preciso alguém que entenda de ideologia. Para curar uma doença, não basta dizer que a detestamos, é preciso conhecer suas causas e manifestações, suas estratégias e seus disfarces.

Você é a favor da democracia? Então deixe o povo brasileiro entrar na política externa.”

A nova política do YesSires

Xeque-mate

Depois de ter feito declarações bombásticas sobre política externa, que deixou perplexo o mundo diplomático, tanto brasileiro como no exterior, pois revira do avesso a tradição construída por séculos pelo Itamaraty, além de contrariar resoluções aprovadas reiteradas vezes pelas Nações Unidas, Bolsonaro, deu um xeque-mate que liquida com a política exterior independente e se alinha automaticamente com Estados Unidos. Disse:

A política externa brasileira deve ser parte do momento de regeneração que o Brasil vive hoje. Informo a todos a indicação do Embaixador Ernesto Araújo, diplomata há 29 anos e um brilhante intelectual, ao cargo de Ministro das Relações Exteriores.

Quem é esse brilhante intelectual? O que ele pensa está publicado e encantou tanto a Bolsonaro como a Trump, claro. O trecho adiante o define:

Quero ajudar o Brasil e o mundo a se libertarem da ideologia globalista. Globalismo é a globalização econômica que passou a ser pilotada pelo marxismo cultural. Essencialmente é um sistema anti-humano e anti-cristão. A fé em Cristo significa, hoje, lutar contra o globalismo, cujo objetivo último é romper a conexão entre Deus e o homem, tornando o homem escravo e Deus irrelevante. O projeto metapolítico significa, essencialmente, abrir-se para a presença de Deus na política e na história.

Somente Donald Trump pode salvar o Ocidente (…) o presidente americano tem uma visão de mundo que ultrapassa, em muitas léguas, em profundidade e extensão, as visões da elite hiper intelectualizada e cosmopolita que o despreza.

No comando de uma instituição centenária, respeitada em todo o mundo pela qualidade de seus quadros, um júnior (início de carreira), recém ascendido à função de embaixador (em junho de 2018), dirigia o Departamento encarregado de Estados Unidos, Canadá e Assuntos inter-americanos. 

Durante a campanha presidencial, ele manteve um blog em que qualificava o PT de terrorista e defendia o nacionalismo ocidental de Trump contra o globalismo.

Quem é o brilhante intelectual?

Como um personagem como esse chegou lá? 

O mistério foi logo revelado. Ele foi indicado por um amigo, o general Fernando Azevedo e Silva, já indicado para ser o ministro da Defesa. Diz em seus escritos que a 

China Maoísta (de Mao Zedong) tem um plano global contra o Ocidente. E explica que seu projeto metapolítico significa essencialmente abrir-se para a presença de Deus na Política e na História.

No dia 15 de novembro, dia em que se festeja esta triste República que nasceu de um golpe militar (15/11/1889), lemos nos jornais, dito pelo próximo chanceler da República: “somente um Deus poderá ainda salvar o Ocidente, um Deus operando pela Nação, inclusive e talvez a nação americana … Somente Trump pode ainda salvar o Ocidente!”.

Se não é um xiita neo pentecostal, é um oportunista sem noção de pátria que está ganhando dinheiro para dizer tamanha asnice. Isso não é esquerda nem direita, nem religião ou ateísmo, é servidão intelectual pura em uma nação que quer ser colônia.

E quando militares de alta patente saúdam uma atitude como essa, estão descaradamente se revelando como tropas pretorianas, ou seja, a serviço do Império.

Quem indicou esse “brilhante intelectual” foi Olavo de Carvalho, claro, um “brilhante filósofo” também guru dessa nova direita. Ele mora nos Estados Unidos e, além do Araújo, indicou também o filósofo colombiano Velez Rodriguez para a pasta da Educação. Este fez carreira como professor nas escolas militares.

Que vergonha! My God, Maine Got, Mon Dieu, Dio Mio, Saravá meu pai! Que Oxóssi nos dê força pra enfrentar tanta Vergonha!


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.
Paulo Cannabrava Filho Iniciou a carreira como repórter no jornal O Tempo, em 1957. Quatro anos depois, integrou a primeira equipe de correspondentes da Agência Prensa Latina. Hoje dirige a revista eletrônica Diálogos do Sul, inspirada no projeto Cadernos do Terceiro Mundo.

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