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Colonialismo de dados: Sorria, seus dados estão sendo roubados e as empresas estão ganhando milhões com eles!

Em entrevista, o sociólogo e professor Sérgio Amadeu comenta sobre as armadilhas dos algoritmos nas plataformas digitais, novo campo do imperialismo neoliberal
Paulo Cannabrava Filho
Diálogos do Sul Global
São Paulo (SP)

Tradução:

Quando acessamos qualquer endereço na internet, somos gentilmente obrigados a aceitar todos os cookies, embora sequer saibamos que se trata. Somos levados também a concordar com a política de privacidade daquele site, que nos garante, em geral, que não vai vender nossa informação a terceiros e que fará um uso “para o nosso próprio bem” que, neste caso, significa ofertar produtos e serviços que nem sempre queremos ou precisamos consumir. Ao baixar um aplicativo, lá vamos nós clicarmos em concordar com tudo que nos pedem e mentir dizendo que lemos e estamos de acordo com o uso que farão com as informações que vão coletar. Será que temos realmente controle sobre isso?

A questão é que não há transparência sobre como as informações a respeito do que fazemos online são manipuladas. Mas já temos elementos suficientes para saber que a coisa é tão sinistra que um grupo de pesquisadores brasileiros está chamando o processo como “colonialismo de dados”. Seria uma nova espécie de extração de “matéria-prima”, de deslocamento de recursos para enriquecer as matrizes coloniais, em um processo semelhante ao do século 16 com o início do capitalismo.

“Não há registro da existência de empresas tão grandes em toda a história. Nem as petroleiras, nem qualquer outra”, diz o sociólogo e professor Sérgio Amadeu, referência nos estudos sobre cultura e políticas digitais ao comentar a importância das chamadas Big Techs, como são conhecidas as plataformas digitais que — a grosso modo — trabalham com conteúdos que os usuários criam e dão a elas. 

A problemática é trabalhada no livro “Colonialismo de dados — como opera a trincheira algorítmica na guerra neoliberal”, do qual Amadeu é um dos organizadores e que está sendo lançado em todo o país pela editora Autonomia Literária. Em entrevista coletiva promovida pelo Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé na última quinta-feira (25), ele destacou a importância de saber o que é feito com nossos dados e que essa é uma barreira  para que a população tenha um campo digital mais democrático, inclusivo e justo.

Ainda sobre o termo que dá nome ao livro, foi o processo de extração de riquezas do Sul global para o Norte que possibilitou o enriquecimento da Europa, criando as condições para que a Inglaterra fizesse a Revolução Industrial. Hoje, o capitalismo financeiro especulativo, o fluxo de dados continua de Sul para o Norte.

“Os efeitos dessa colonização não é igual em todo o planeta. O uso do termo ‘colonialismo de dados’ é feito para começar essa reflexão. Além dos dados, tem também a questão da infraestrutura”, observa o autor, ao pontuar que toda essa lógica existe para que os países do Sul global se consolidem na posição de usuários e não de criadores de plataformas tecnológicas. “Onde está a nossa chave de criação e a nossa capacidade de controlar o que eles fazem com nossos dados?”. 

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Venda de dados para os EUA

Um exemplo palpável é o que está ocorrendo atualmente com funcionários públicos federais através da plataforma Sou Gov, do governo federal. “O servidor vai ser obrigado a instalar o aplicativo no celular e ao se comunicar no chat, o dado dele vai para fora do país, para os Estados Unidos, onde vai ser usado para treinar o algoritmo do Watson, da IBM, um sistema de inteligência artificial”, relata Amadeu.

Para ele, essa é uma operação planejada pelo Ministério da Economia, de Paulo Guedes. “Certamente ele fez de caso pensado. Ele certamente entregou esses dados públicos, de servidores civis e militares brasileiros para uma empresa estadunidense, que tem interesse estratégico e econômico no Brasil”, denuncia.

Esse tipo de ação reforça a ideia que “países são empobrecidos tecnologicamente pela força de extração de dados dessas empresas, os dados são processados lá fora, criam serviços e produtos para depois serem vendidos aqui”.

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Uma das consequências desse processo é o racismo algorítmico, denunciado em casos de reconhecimento de “suspeitos” por biometria facial no Brasil. “Eles tratam a tecnologia como neutra, numa sociedade que não é neutra, é racista. Então a tecnologia impõe mais ainda o racismo”, explica o jornalista, que defende o banimento desse tipo de tecnologia em nosso território como forma de evitar ainda mais injustiças e racismos institucionais por parte das polícias.

“Cadê a nossa visão nessas tecnologias, cadê a capacidade inventiva, onde está a nossa possibilidade de controlar o que eles fazem com os dados?”, questiona. “Porque quando a gente fala de inteligência artificial hoje, a gente fala, na verdade, de aprendizados de máquina que usam dados para poder criar qualquer tipo de automatização. O medo não é o computador dominar o planeta, o medo é dessas plataformas aumentarem seu poder de concentração”.

Em entrevista, o sociólogo e professor Sérgio Amadeu comenta sobre as armadilhas dos algoritmos nas plataformas digitais, novo campo do imperialismo neoliberal

Pixabay
“Os efeitos dessa colonização não é igual em todo o planeta. O uso do termo ‘colonialismo de dados’ é feito para começar essa reflexão.

Como se defender?

O que fazer? Essa é a pergunta que talvez esteja te ocorrendo agora. O tema é complexo, admite Amadeu. “É muito dura a saída individual, ela tem que ser coletiva. O consentimento não existe. Não há escolha. Você tem que usar e acabou”, diz ao exemplificar que muitas vezes o funcionário é obrigado a usar uma ferramenta, como o WhatsApp, a pedido da empresa, por exemplo.

Além disso, “você tem pressão social, econômica para usar essas mídias”. Diante disso, “há alguns dados que temos que dizer que não podem ser retirados do Brasil sem discussão coletiva, como é o caso dos dados dos adolescentes para tratamento de modulação de pessoas”. Esse é um debate para o qual ainda faltam legislações, mas a discussão deve ser feita nos âmbitos regionais, municipais e não apenas no nacional, aponta.

O famigerado 5G

O ministro de Comunicação do governo Bolsonaro, Fábio Farias, fez um “case de entreguismo e completa inoperância e incompetência” no caso do 5G brasileiro, avalia Sérgio Amadeu ao explicar que mais uma oportunidade de avanço para baratear as telecomunicações no país — uma das mais caras do mundo, foi perdida. 

“Não se criou a infraestrutura para um futuro digital e sim de submissão. São Metas para inglês ver. Não teremos 5G de qualidade no Nordeste antes de cinco anos. Ele Não conseguiu atrair empresas importantes, não cobrou contrapartida importante para escolas. Está vendendo as escolas para as mesmas operadoras que não cumpriram os pontos anteriores.” 

Os valores pelos quais Fábio Faria vendeu o espectro do 5G foi três vezes inferior ao estimado, destaca Amadeu, reforçando o entreguismo do ministro. Confira, a seguir, os valores e as empresas que participaram do leilão: 

Leilão

Em 5 de novembro, a Anatel realizou o anunciado leilão das bandas 5G, um negócio, segundo a própria Anatel, valorizado em quase 50 bilhões de reais (R$ 48.790), vendido por cinco bilhões. É o que parece. O governo se vangloria dizendo que obteve um ágio de 5 bilhões.  

O que realmente aconteceu é que o leilão tinha lance mínimo de 2,4 bilhões, foram outorgados 7,4 bilhões, mas o governo só recebe 5 bilhões, ficando a sobra para as empresas investirem em lugares remotos.

O que foi leiloado:  

Tecnologia 5G Standalone, nas faixas de onde de 700 MHZ, 3,5 GHz, 2,3 GHz, e 26 GHz. O valor disso é de 50 bilhões, levados em sua maioria por empresas estrangeiras e o restante por grandes fundos de investimento. Os concessionários têm prazo até fim de 2022 para implantar nas 27 capitais e em todo o país até 2028.

O quadro da Anatel mostra os valores por faixas de onda 

Quem levou:

O filé mignon foi capturado pelas operadoras Claro, Vivo e Tim. O que constitui a galinha dos ovos de ouro, são as bandas de 3,5 GHz abancando as principais cidades, no valor de R$ 30 bilhões, agora nas mãos dessas três empresas.

A Claro, que em 2019 assimilou a NET TV a cabo e provedora de internet, é propriedade do mexicano Carlos Slim, dono também da Embratel e da America Movil, na lista dos mais ricos do mundo disputando o primeiro lugar com Jeff Bezos e Bill Gates. Arrematou no leilão a Região Norte, Centro Oeste e Sul, incluindo São Paulo.

A Vivo, é controlada pelo Telefônica Brasil, que adquiriu a Telesp e logo, e, 2016 a GTV. No início quem controlava essas empresas era um consórcio entre a Telefónica espanhola e a Portugal Telecom, mas desde 2010 a espanhola comprou a parte portuguesa e domina. Arrematou áreas do Rio de Janeiro, Espirito Santo e Minas Gerais por 20 anos. Vale um parêntesis. Tem nada a ver com a chinesa Vivo, fabricante de celular e outros equipamentos.

A TIM, tem sua origem e propriedade no nome: Telecom Itália Mobile. Arrematou Região Sul mais São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo e Minas Gerais.

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Algar Telecom, arrematou áreas importantes em São Paulo, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul e Goiás. 

Winity Telecom que arrematou a faixa de 700 MHz, ambas controladas pelo Fundo Pátria, com sede nas Ilhas Cayman. Outra mina de ouro a céu aberto, a 700 MHz, a Winity, criada há um ano, terá de levar a internet a 31 mil Km de rodovias para o que terá que gastar R4 2 bilhões na construção de torres.

Brisanet, ficou com a região Nordeste e Centro Oeste, foi criada em 1998 por um ex funcionário da Embratel, José Roberto Nogueira. Explorando operadoras no Ceará, neste curto lapso esse cidadão conseguiu conquistar um lugar na lista de bilionários da revista Forbes, com fortuna avaliada em R$ 4,8 bilhões.

Cloud 2U, empresa criada pelo Grupo Greatek, com sede em São José dos Campos, SP, onde tem fabricas de fibra ótica, roteadores e outros equipamentos eletrônicos. Arrematou quinhão do Rio de Janeiro, Espírito Santo e Minas Gerais

5G Sul,  consórcio da catarinense Unifique e a Copel Telecom, paranaense recentemente  privatizada, controlada hoje pelo Bordeaux Fundo de Investimentos, arrematou a Região Sul

Sercontel, também controlada pelo fundo Bordeaux arrematou Região Norte e Estado de São Paulo

Neko, arrematou a faixa de 26 GHz em São Paulo, outra galinha dos ovos de ouro, pois se trata de faixa de alta performance. 

Fly link, da Novata, pretendeu ficar com Triângulo Mineiro, Mato Grosso do Sul, Goiás e São Paulo. Na hora da verdade, de botar o dinheiro, desistiu.

Essas seis operadoras listadas de baixo para cima, estão entrando agora no mercado, as demais já estão operando há algum tempo.

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Paulo Cannabrava Filho Iniciou a carreira como repórter no jornal O Tempo, em 1957. Quatro anos depois, integrou a primeira equipe de correspondentes da Agência Prensa Latina. Hoje dirige a revista eletrônica Diálogos do Sul, inspirada no projeto Cadernos do Terceiro Mundo.

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